quinta-feira, junho 08, 2006

“Les enfants de la Patrie ...”

Passaram setenta anos sobre a tomada de posse do Governo da Frente Popular, em França. Em Portugal, como era previsível, a efeméride passou despercebida. De facto, quem entre nós, em tempo de hegemónico poder (dito) socialista, de acólitas cooperações presidenciais, de “roteiros” de exclusão, percorridos entre os hossanas e as promessas de costume, quem - perguntava eu – em tempo “futebolês” patrioteiro, com bandeiras desfraldadas nas janelas e acacianos dislates, iria “perder tempo” recordando um dos momentos históricos mais promissores da humanidade?!...

Nem comunicação social, nem Governo, nem Parlamento, nem sequer partidos políticos de esquerda!... Lembro-me apenas de ter lido, nas páginas de um diário, um artigo de opinião sobre o assunto, subscrito aliás por um comunista pouco considerado!...

E, se na lógica dos interesses direita e dos instrumentos institucionais das suas políticas, faz sentido esta omissão, dói, porém, que nem um murmúrio escorresse das paredes (de vidro) dos partidos de esquerda! Razões?! Claro que há múltiplas “sem razões”, que o Povo paga, desde 25 de Abril de 1974!... Os tempos, de facto, não têm, em Portugal, corrido a favor da unidade...

E, no entanto, a unidade de esquerda foi possível!... Em França, na sequência da iniciativa, em 1934, de Maurice Thorez, Secretário Geral do PCF. Que a esquerda francesa, tanto quanto nos é dado compreender, celebra agora. Com razão!...

Na realidade, a vitória eleitoral, em 3 de Maio de 1936, do “Rassemblement Populaire”, aliança política entre o Partido Socialista (SIFO), o Partido Radical e o Partido Comunista, abriu promissoras alamedas, que ainda hoje iluminam o horizonte em que nos projectamos, pois constituiu ainda momento decisivo de avanços sociais...

Contrariamente ao que se poderia pensar, o PCF, apesar de profundamente empenhado na Frente Popular e no seu programa, decidiu não fazer parte do Governo, remetendo-se ao papel decisivo da mobilização popular...

Emblemática da política do Governo da Frente Popular é a circunstância, por exemplo, ter integrado, como ministras, três mulheres – Suzanne Lacore, Cécile Brunschvicg e Irène Joliot-Curie – quando em França ainda não era reconhecido o direito de voto feminino (apenas instituído em 1945).

Como em diversos outros planos, os 100 dias do Governo da Frente Popular, em França, mudaram a vida em todo o Mundo!... Quem hoje se recordará que são fruto dessas lutas a liberdade do exercício dos direitos sindicais, a semana de 40 horas de trabalho ou esse direito tão “natural” – ao tempo uma verdadeira revolução! - como o direito a férias para todos os trabalhadores?! ...

O direito a férias pagas tem um registo comovente: proporcionou a “festa” de milhares de franceses terem visto o mar pela primeira vez, como a obra de Robert Cappa, Cartier-Bresson (fotógrafos), ou cineastas como Jean Renoir documentam, com tanta sensibilidade...

Outras razões não houvera, portanto!...

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Em França, milhares de franceses, durante os meses de Março e Abril deste ano, encheram as ruas, batendo-se contra o contrato de primeiro emprego. E ganharam... E agora assinalam a experiência de um Governo de Unidade Popular!

E nós?!... Nós, por cá, tudo bem!

12 comentários:

Ant disse...

Agradeço o comentário nas conversas.
Nós por cá andamos tão bem que bares e dicos estão cheios todos os dias.
Como é que sei? É fácil, basta regressar a casa à hora de enchimento...

lique disse...

Sabes o que penso sinceramente? Para a actual geração "de esquerda", isso é história antiga. É evidente que nós, os ligeiramente mais velhos :-), sabemos da importância da efeméride. Mas falar agora de unidade de esquerda? Ó meu querido amigo, estás esquecido das recentes eleições presidenciais? Isto para só citar um exemplo.
Entendo a "mágoa" que o teu post encerra mas não seria, de facto, de esperar que nenhuma esuqerda se fosse "lembrar". E é nenhuma mesmo.
E olha, o Mundial já começou. Vamos buscar as bandeirinhas? :-)
Beijos

Diafragma disse...

Fiquei impressionado com o teu texto de que desconhecia a quase totalidade, e onde apenas me é familiar o trabalho de Cappa e Bresson, este último uma referência para mim.
Pensando um pouco mais no assunto e ressalvando as respectivas diferenças, quem se lembra já hoje do que era Portugal antes do 25 de Abril? Nunca fui militante de partido nenhum, mas impressiona-me a forma como se esqueceram factos como a censura, para citar apenas um. Se calhar os historiadores sabem que é assim que as coisas funcionam, mas é de facto impressionante. Isto para te dizer que se já ninguém se lembra do que era a censura há trinta e poucos anos, se calhar não é tão surpreendente (em termos puramente históricos, o esquecimento que tu relatas.
Mas continua a ser muito importante que alguém como tu nos lembre isso.

M. disse...

Há tanta coisa que eu não sei!... :-(

Diafragma disse...

Em tempo: Numa entrevista ao Mil Folhas de hoje, 10 de Junho, Mário Cláudio diz uma coisa que me lembrou de novo o teu excelente post, e que transcrevo:

"Nós prendemo-nos muito àquilo que passou, precisamente porque este país nunca chega a ser presente. Quando se diz a um autor que devia escrever sobre o que se passa hoje em dia em Portugal, a verdade é que hoje em dia não se passa nada em Portugal"

Licínia Quitério disse...

Permito-me discordar do Mário Cláudio. Em Portugal está tudo a acontecer. E coisas gravíssimas: o esquecimento, o branqueamento, o faz-de-conta, o "isso não é comigo", o "depois logo se vê", o "eles são todos os mesmos" e, pior ainda, o "se fosse eu que lá estivesse fazia o mesmo".Todos, penso, temos muito a fazer e um escritor não se pode demitir. Bem fazes tu, Amigo Herético. Não deixas cair a memória e pões o dedo nas feridas do presente. Trabalho de muito mérito.
Abraço. Amizade.
Licínia

Menina Marota disse...

"...Nós, por cá, tudo bem! "

... pois é... está um dia lindo de sol, não sou a pessoa indicada para falar de política, porque já não acredito em políticos. Temos que os aguentar. De um lado e de outro.
O que eles pretendem?
Ajudar o Povo?
Ah... pois...
Mas que "Povo"?

Como dizia o meu Pai: "ouço-os, ouço-os, mas não me convencem”

Um abraço ;)

Jorge Castro (OrCa) disse...

Uma vez mais, oportuno e contundente, meu caro. Não interessa a memória? Vamos para onde, apenas com o dia de hoje ao colo?

Embrulhamo-nos em bandeiras, numa anestesia colectiva que talvez até tenha algum "fundo bom", mas própria de quem se encontra perdido de si mesmo.

E, depois, por cá não há direitas nem esquerdas, quando se fala de poder. Há um salve-se quem puder, bem regadinho ao "venha-a-nós-o-vosso-reino", alicerçado pelo Estado Novo e que deixou raízes e escola por tudo quanto é sítio neste jardim à beira-mar.

Memória(s)? Mas que grande incomodidade, quando a fuga para a frente é a palavra de ordem... E se no horizonte estiver um precipício, não interessa. Primeiro, porque o horizonte é uma linha virtual e, depois, porque mesmo que exista, daqui até lá havemos de ganhar asinhas...

Para trás, como diria a minha avozinha, mija a burra!

De tanta diáspora e de tanta "mudança de sítio" quem sabe (ou quer saber) de onde veio, porventura para escolher o caminho para onde vai?

Talvez seja esse o nosso grande problema, enquanto nação. Ou talvez eu esteja hoje especialmente amargo.

Um abraço.

Júlia Coutinho disse...

Soube-me muito bem ler este teu magnifico post a lembrar-nos que estas coisas da memória dependem, e muito, de todos nós.
Enquanto houver pessoas como tu, atentas e esclarecedoras, nem tudo está perdido.
Autêntico serviço público, meu amigo.

Klatuu o embuçado disse...

GRANDE E INTELIGENTE POST!
Felizmente ainda há gente lúcida neste País!"
Abraço.

batista filho disse...

Cotidianamente há que se lutar, inclusive contra nosso próprio comodismo! - pois quando achamos que a humanidade dá um salto direcionado à evolução, os de sempre, não perdem tempo para minar qualquer tipo de avanço social.
Um abraço fraterno.

Diafragma disse...

Completamente fora de contexto, e por isso num post mais antigo queria deixar um desabafo: soube, por pessoa amiga que lá trabalha, que a ANACOM, que toda a vida teve 3 administradores, pois é uma casa pequena, passou a ter 5!
Custa muito a perceber que uma empresa do Estado que não alterou em nada as suas competências, passe de repente a necessitar de 5 administradores, todos com carro, secretárias, cartões de crédito e imensos etcs., sobretudo quando se fala em contenção da despesa pública.

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

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