quinta-feira, setembro 28, 2006

"Compre-me isso, Portugal..."

Jogando habilmente com aliteração da consigna “Compromisso Portugal”, o “compre-me isso, Portugal”, em título, remete para outro campo semântico e, como se presume, para novas ”significações” políticas. E, se o jogo de linguagem revela, desde logo, a expressividade da língua pátria, o contexto da modificação do slogan talvez nos leve a reconhecer que se trata afinal de mero “estrondo”, cuja produtividade política se esgota no efeito sonoro, que liberta ...

Procurarei explicar-me. Retiro a expressão em causa – “compre-me isso, Portugal” – de uma carta aberta, com esse título, dirigida à Entidade Reguladora da Comunicação Social, publicada no jornal “Público”, de 27.09.06, subscrita por ilustres personalidades, mais ou menos desconhecidas, mas que não receio identificar como provindas do interior do actual poder socialista ...

Que dizem os ilustres subscritores da carta? Manifestam estranheza, ”face à envergadura, intensidade, duração e ênfase dada por alguns jornais ao evento Compromisso Portugal” e, enquanto “consumidores de jornais económicos”, garantem que “ficaram desiludidos com o baixo nível da análise crítica verificada na reprodução da mensagem do movimento”, existindo uma “desproporção significativa entre a alta cobertura dada ao movimento e o baixo nível das posições veiculadas...”

Enfim, enunciam o óbvio e descobrem (eureka!) que “muitas decisões na economia são informadas por órgãos da comunicação social”, pelo que é necessário que “esse imput informativo seja fiável e não inviesado”. Têm o esmerado cuidado de afirmarem que “não se trata de levantar uma insinuação”, mas antes de “constatar um potencial (?) problema” e, em consequência, pensam os ilustres signatários “que a Entidade Reguladora da Comunicação Social pode ter um papel positivo nesta tarefa”.

Sim, porque – terminam enfáticos - “uma coisa é certa, para nós a transparência não tem preço!”... E por aqui se ficaram! O “Compromisso Portugal” pode seguir, sem rebuço, na sua galopada de “ruptura” com o regime constitucional, pois que para aquelas “alminhas”, afinal, tudo se resume a uma questão de “transparência” dos jornais especializados em economia...

Teria sido, porém, interessante aproveitar a oportunidade da Carta Aberta para interrogarem os promotores do “Compromisso Portugal” do tamanho do seu compromisso, pois que, tanto quanto se percebe, o único compromisso que releva e assumem é o de dizerem ao Governo aquilo que, na sua perspectiva, o Governo deverá fazer. Ou seja, o País só melhora se o Governo despedir 200 mil funcionários públicos, se o Governo baixar os impostos para as empresas, se o Governo flexibilizar a legislação laboral e os despedimentos, se o Governo, enfim, privatizar mais empresas e puser gestores privados a tomar conta de hospitais, escolas, prisões e tribunais...

O meu fundado receio é que, tendo em conta tão rosáceas e descoloridas reacções, o Governo esteja comprometido em semelhante compromisso, sem que os nossos “beatíficos” cavalheiros da indústria e da finança sejam chamados à pedra em duas questões fundamentais, cujo “compromisso” apenas deles depende - o investimento e a produtividade das empresas – já que esses factores são decisivos no crescimento da economia e do progresso do País.

E tanto mais oportuno seria, quanto é certo que as empresas privadas portuguesas têm pior nota que o sector público na análise de competitividade no sacrossanto “Forum de Davos”, como o informado suplemento “Economia” do Diario de Notícias (27.09.06) e o nível de investimento é o mais baixo de toda a década.

Neste contexto, digam-me : faz qualquer sentido desviar as atenções para a “pobre” da Entidade Reguladora da Comunicação Social, apesar das proclamadas e razoáveis preocupações com a transparência da imprensa?!...

Confesso que não me seduzem tiros de pólvora seca. No entanto, se algum dos meus leitores achar por bem ... “compre-me isso”! Por mim, vendo todos por atacado...

11 comentários:

JPD disse...

Desde o anúncio das propostas da primeura edição do Compromisso que fiquei de pé atrás.
Então, o pressuposto seria o de uma boa(?) meia dúzia de cabeças da área da microeconomia, suplantando os execrados políticos, diagnosticareme proporem para Portugal.
Fizeram-no.
Houve alguma que tivesse sido aceite e/ou que merecesse a congratulação do Compromisso por ter sido acolhida?
Desta vez -- seria chato a não haver entusiasmo para realizar uma 2ª edição -- as propostas anunciadas têm, sobretudo, uma enorme pecha: vagas e sem medida do alcance macroeconómico se viessem ser postas em prática.
Há reformas estruturais que terão de fazer-se. Quem nãoi estará de acordo. Porém, seguir uma orientação tão fria e distante levaria a algum lado?
Um amigo meu comentou: porque não tomam muitos daqueles ilustres a iniciativa de criarem uma empresa em um dia e apresentar resultados anualmente?
Um abraço

Diafragma disse...

Delicioso este tema.
Estou morto por ter tempo para aqui deixar a minha opinião/desabafo!

Klatuu o embuçado disse...

É bom que se juntem com frequência... será mais fácil enfiá-los na prisão por atacado!

P. S. Deixa lá a minha Poesia e lê mas é o texto que acabei de postar.

vida de vidro disse...

Tu vendes, mas quem é que os quer comprar? :))
Realmente se a realidade se resumisse às análises, transparentes ou não, dos jornais económicos, estava este pais governado. Nunca percebi grande coisa de economia e, talvez por isso, tendo a "desligar" (on-off, estás a ver?) quando começo a ouvir falar de medidas que sempre me parecem vagas e plenas de boas intenções... daquelas que enchem o inferno. Acho que este Compromisso Portugal á assim uma espécie de véu de poeira, para nos cegar mais um pouco. Eu cito:" O Compromisso Portugal é um contributo para a discussão e concretização de uma visão estratégica de desenvolvimento económico-social para Portugal que transforme, de facto, a forma como a nossa sociedade funciona e está organizada." Pois.... :)**

Anónimo disse...

Em Democracia todos devem ter direito à palavra.
Claro que já sabemos que uns têm mais direitos do que outros, dependendo do valor monetário da palavra.
Mas aqui, creio que não se aplica a máxima, (uma mentira tantas vezes apregoada acaba por se tornar verdade).
Eles afinal representam a história do “Alibabá e dos quarenta ladrões” evidentemente na “versão Portuguesa”

Peter disse...

Será verdade?

- Que a “Caixa de Previdência e Abono de Família dos jornalistas”, aufere regalias e compensações muito superiores às vigentes na função pública ADSE, SNS, SMM e outros subsistemas de saúde, no que respeita ao “reembolso de despesas de acção médico-social”, nomeadamente:
- a quase totalidade das comparticipações oscilam entre 75 e 100%;
- diárias das termas 1/40 SMN e que apenas as “ressonâncias magnéticas”, "próteses dentárias”, “consultas médicas” e “diárias de internamento hospitalar” têm tabelas iguais às da ADSE?

Não acredito. Além disso e a ser verdade, nada tem a ver com o teor do teu artigo.

Nilson Barcelli disse...

Não vamos a lado nenhum com ou sem compromissos.
Para globalmente melhorarmos, toda a população tem que alterar os hábitos, atitudes, etc. Sem isso, nada feito.
Como é óbvio, cada um de nós diz que os outros é que estão mal.
Portanto, não mudamos.
E por aqui vamos ficando na cauda da Europa.
Mas será que vale a pena mudar para sermos mais ricos?
Cada vez tenho mais dúvidas... vejo as pessoas dos países ricos muito infelizes...
Um abraço.

Licínia Quitério disse...

Não compres disso, Portugal.
Não vês que te estás a tornar num país de contrato a prazo, despedido, sem indemnização, sem emprego, sem reforma, sem esperança?
Não vês que nem te vão deixar com dinheiro para ansiolíticos, para anti-depressivos?
Olha, Portugal, de todas as propostas que te fazem esses senhores de olhar frio e poses ridículas, aceita apenas uma:a mobilidade de emprego. Muda de continente, muda de planeta, muda de galáxia, mas leva contigo a gente com valor e vergonha que anda por aqui e que, acredito, ainda é muita e te ama de verdade.

(Escreves artigos destes e depois queres que eu possa acrescentar algo de jeito?...)

Abraço.

M. disse...

Leio-te comendo um chocolate... E gosto do que leio.

Unknown disse...

Tenho-te lido com regularidade e em silêncio. E não é só daqui, sabes disso, que aprecio e admiro o que escreves. Achei por bem "botar discurso" hoje porque o assunto que aqui tão bem analisaste é de uma importancia enorme. Nas intenções desse "Compromisso Portugal" estão quase completamente enunciadas as linhas base que têm orientado a acção deste governo "socialista". E temo bem que elas acabem por ser cumpridas na integra. Por isso, desculpa lá mas não ofereço nada nesta tua OPV :). Um abraço.

Jorge Castro (OrCa) disse...

A estes frescos vendilhões do templo sobra-lhes em despudor o que lhes falta em prudência e é da sabedoria popular que as cadelas apressadas parem os cachorros cegos.

Mas não deixa esta cegueira precipitada de ser preocupante. De alguma forma me fica a sensação de que esta pseudo-crítica feita pelos "comprometidos", tíbia e fruste, ao poder mais não é do que uma tentativa canhestra de teorização e criação de base de apoio das próprias práticas do "centrão" - termo com que nem simpatizo particularmente - procurando, com pouco jeito, dar uma base "credível" aos desmandos governamentais a que vamos (mais ou menos impávidos) assistindo, quase sem estrebuchar.

Por outro lado, um punhado de "gestores", porventura daqueles que fazem currículo em dez empresas em escassos três anos, vir à liça mandar palpites, que ninguém (?) lhes terá encomendado mas em que surgem levemente mais papistas do que o papa nas soluções de milagre preconizadas... ora, isto não é entregar, de mão-beijada, uma oportunidade a um Sócrates (ou qualquer outro) de dar uma de "esquerda" baixa? e, entretanto, prosseguir por entre a nuvem de fumo criada?

Por mais negra que seja esta nuvem, a ela chama-se branqueamento... É terrível isto do contraditório!...

Um grande abraço.

Orquestração de Hinos

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