terça-feira, outubro 31, 2006

Todos os caminhos vão dar a Roma...

Costuma dizer-se que todos os caminhos levam a Roma. O exagero da expressão remete-nos para tempos históricos e para a vocação imperial dos romanos na difusão do seu domínio sobre os povos conquistados.

Como se sabe, o poderio do império romano manteve-se, durante séculos, em grande parte, devido a poderosa rede estradas, que ligavam as províncias mais remotas ao centro do poder imperial, em Roma. O poder das legiões imperiais seria nulo sem a possibilidade de acorrer a qualquer ponto do império. Da mesma forma, o fluxo de comércio ou a circulação das ideias...

O paradigma de domínio imperial mantém-se vivo nos tempos actuais. Tal como os romanos, ao longo da história os “novos impérios” têm utilizados as redes de comunicações como instrumento de domínio. Portugal foi grande, enquanto dominou as rotas marítimas. Hoje em dia, é conhecida a importância dos transportes e das comunicações no fomento da economia e na mobilidade das sociedades.

Porém, face ao inegável relevo das insfraestruturas de comunicações, parece nada ter comparação, ao potencial que a Internet vem trazer à Humanidade, neste domínio. De um momento para o outro, tornou-se possível o envio e a recepção instantâneos de informação. A Internet abriu, assim, um vasto e novo mercado de ideias e está a transformar o comércio e a fruição de bens culturais.

Bom seria que também pudesse revitalizar a democracia... A Internet é revolucionária porque é o mais democrático dos media. De facto, todos nós, vulgares cidadãos, não nos limitamos apenas a assistir passivamente. Participamos, colaboramos e criamos. Ao contrário da televisão, da rádio e do cabo, com a Internet todo cidadão é potencialmente um produtor. A prática da democracia pertence-nos. Um meio poderoso, portanto...

Poderá dizer-se que a Internet não se compara com o Império Romano. Não há “César” electrónico, nem nenhum centro a controlar a utilização da World Wide Web. É verdade, pelo menos até agora...

De facto, aquilo que é chamado neutralidade da rede está sob o assédio de forças poderosas. É sabido que a Administração de Bush tem instado as grandes companhias de cabo e de telefone no sentido de esvaziar, ou desfazer, o “DNA” básico da Internet, ou seja, a abertura e não a discriminação. A exemplo, aliás, do que aconteceu há 10 anos, quando através do “Telecommunications Act”, aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos, que permitiu às grandes companhias de media tornarem-se ainda maiores, com a entrega, pelos poderes públicos do espectro das ondas magnéticas.

E se a manobra, desta vez, ainda não resultou é porque organizações de todo o espectro político americano - desde a Coligação Cristã até a MoveOn.org – se juntaram em protesto, inundando o Congresso com mais de um milhão de cartas e petições para restaurar a neutralidade da rede. Assim, a Internet está a ficar prisioneira nesta encruzilhada da sua espantosa evolução.

Será que a sociedade poderá modelar a Internet no sentido alargar a democracia, a liberdade e participação cívica e cultural? Ou pelo contrário, serão os grandes interesses económicos mundiais a “colonizar” as suas enormes potencialidades?

Os Estados dizem-nos para não nos preocuparmos. Eles cuidarão que o interesse público seja preservado e tão poderosa tecnologia colocada ao serviço da democracia e dos cidadãos... Mas eles disseram o mesmo acerca da rádio. E da televisão. E acerca do cabo...

Façamos, portanto, votos para que a Internet não seja breve luzeiro democrático, condenado a extinguir-se mal irrompeu. Ou um poderoso trofeu, doirando a carruagem dos novos “Césares”...

(Fonte: “Contra uma Internet Imperial”, por Bill Moyers e Scott Fogdal – in resistir.info)

17 comentários:

Anónimo disse...

Os seis países mais populosos da U E terão aprovado já um conjunto de medidas para prevenir ataques terroristas.

Será que se ficam por aí..?

Peter disse...

Demasiado técnico. Mas aquilo que estou fazendo neste preciso momento não está já a ser seguido pelo Big Brother?
Julgo que sim e julgo que é isso que receias que aconteça.

JPD disse...

Quando começámos a preparar a viagem a Itália, de carro, há uns anitos atrás, dei por mim a constatar que as principais vias rodoviárias sobrepunham a ancestrais vias romanas.
A celebrada Rota da Seda, com outro fulgor, bem entendido, permanece activa.
A celebrada Rout66 norte americana, já não é o que era no tempo do Jack Karouac;
A importância dos servidores da net franceses é tão diminuta quanto os portugueses no contexto europeu e, menor ainda, no contexto mundial, malgré a nostalgia imperial.
O que é facto -- quem não o lamentará -- é que o motor de pesquisa europeu .eu (diteu) não funciona ou a sua utulidade é desconhecida, face aos motores norte americanos.
Os indianos e paquistaneses voam para os EUA e não para a Europa para desenvolver software.
Factos.
A denocracia da net é saudável até certo ponto. O rigor das edições é muitas vezes descutível.
Nada disto contraria a validade do conteúdo do teu post que levanta uma questão que raramente é abordada.
Bom texto
Um abraço

Anónimo disse...

nada como uma boa e velha discussão sobre um tema instigante!

no abraço que te envio, a certeza da minha amizade.

hfm disse...

Gostei de ler, um texto para reflectir e para pensarmos naquilo que, como cidadãos pudemos fazer.

Paulo disse...

hoje, quando todos duvidam de tudo, mesmo de Deus e do Diabo, quando rareiam os defensores do património ancestral dos povos, ergue-se o Papa Bento XVI para nos lembrar, urbi et orbe, que o «Diabo existe»!..Se existe! simplesmente mudou de figura: O Diabo é hoje um «homem» sem rosto: carapaça inox - saido do Simplex? -em vez de pêlos e circuitos integrados em vez de chamas. A tecnocracia e as ameaças nucleares e INTERNETE podem bem vir a ser o próximo Diabo . As suas acções não irão variar no fundo, relativamente às do diabo antigo ...folclórico; cerceamento das liberdades individuais, solidão, medo do outro, ameaça de aniquilamento ...Sem poder contar com Deus - a fé há muito que se esvaneceu - o homem pode, assim, ter que se encontrar face a face (ou na Webcam) com o seu próprio demónio, tal como o aprendiz de feiteceiro que construiu e armou o seu monstro, sem contudo ter meios para o controlar e dominar.

Um grande abraço.
Paulo

vida de vidro disse...

A Internet é provavelmente o meio de comunicação mais poderoso. Tende até a deixar para trás a caixinha mágica, fonte de todas as alienações (ou, pelo menos, assim se costuma dizer).
A tentação de controlar esse poder tem que ser muito grande, forçosamente. E muitos pretextos se vão alegar, desde esse tal "terrorismo global" até à perversa influência sobre as mentes juvenis. Parece-me que controle sobre os conteúdos da Internet já existe em muitos países e, se calhar, muita gente concorda. Onde está o equilíbrio entre essse "controle" e a real censura que permite manipular a informação e usar a net em proveito de quem a "agarrar"?
Eu não tenho respostas. Mas talvez seja ingénuo pensar que esta liberdade (mesmo que, em alguns casos, aparente) vai continuar para sempre...

Maria P. disse...

Por vezes fica a dúvida se não haverá "César"...

De qualquer forma devemos "aproveitar" ao máximo enquanto podemos navegar e divulgar sem o lápis azul.

M. disse...

Assuntos para pensar. Como sempre... Certezas não há, perguntas e inquietações sim. E o comentário da Vida de Vidro um complemento muito interessante ao texto de base.

Anónimo disse...

tudo vai acontecendo. temos medo.


temos?


somos?


quanto?


Abraço!
_____________________

Licínia Quitério disse...

Nunca deixámos tantos rastos da nossa existência como hoje, com a Net. Claro que há o temor de que alguém faça com eles o que bem lhe aprouver. Não consigo imaginar o que está a acontecer por aí. Decerto as eternas lutas pela apropriação dos meios, para o domínio, desta vez ainda mais sedutor, de um território global.
Novos tempos, novos demónios, mas também novas esperanças em Homens melhores.
Eu teimo nesta ingenuidade (burrice, podem dizer).
E vou navegando, mas sempre atenta a vozes como a tua que me trazem notícias. Precisas, úteis, bem-vindas.

mfc disse...

Nenhuma liberdade, e consequentemente nenhum direito, é um dado adquirido.
A sua manutenção pressupõe uma luta permanente.

Anónimo disse...

Venho a este blogue, recomendado por uma sua, pelos vistos, assídua visitante, a Licínia Quitério.
Pois gostei do que li. Assim vale a pena perder algum tempo na net. Com as minhas más condições oftamolóficas,não viajo muito na blogosfera (tadinhos dos meus olhos), mas quando o produto é bom, vale a pena insistir. Voltarei
abr.
António Melenas

isabel mendes ferreira disse...

"Façamos, portanto, votos para que a Internet não seja breve luzeiro democrático, condenado a extinguir-se mal irrompeu."


________________junto a minha à sua voz.


beijo.

Nilson Barcelli disse...

A menos que alguma coisa se altere drasticamente, não estou a ver como é que se pode controlar a internet.
Isto é, se por um lado há apetite político em controlar, também há muitos interesses instalados que vivem à custa dos utilizadores enquanto consumidores mais ou menos passivos de publicidade. Enquanto se mantiver o interesse na publicidade, continuaremos a ter servidores à borla para e-mails, blogs, etc. De contrário teríamos de começar a pagar por todos os serviços. Isso seria uma catástrofe...
Julgo, por isso, que não há que ter medo dos políticos. Só o capital é que pode acabar com as vias romanas actuais...
Mesmo nos países onde não há liberdade de acesso à net (a China, por exemplo), o poder político terá de ceder mais cedo ou mais tarde por imposição do capital.
Neste caso o capital é nosso aliado, mas só porque lucra imenso com a net.
Um abraço.

Jorge Castro (OrCa) disse...

Primeiro, o louvor: deixa-me sublinhar, uma vez mais - e nunca será demais, nestes tempos de confusões tão deliberadas - a cristalinidade do teu raciocínio.

Antes de me preocupar com concordâncias ou discordâncias, louvo a clareza da explanação que tanto auxilia os teus leitores, depois, na construção e formulação de tese própria.

Quanto aos caminhos por onde te meteste hoje... bem, massificação e lógicas de mercado versus indivíduo e lógicas de afectos... Tremenda esta guerra, da qual é imperioso que seja o indivíduo o vencedor. Caso contrário...

É na diversidade que nos redimimos e por ela nos enriquecemos, mas sem a arte do encontro de permeio, a criar o tal cimento dos afectos, o indivíduo isolado estará "feito".

Pouco se me dá se cada passo meu estiver controlado (e o de tantos milhões) se, num momento de retaliação, esses milhões se levantarem numa corrente em redor do mundo. Lírico? Claro, como sempre. Mas não é verdade? Então, de que estamos à espera?

Ontem, as vias romanas permitiam o fácil acesso a qualquer parte do império, tanto quanto permitiram o fácil acesso a Roma. E Roma acabou por não se dar bem com isso, no processo histórico. Porventura, porque essas vias eram também caminhos por onde circulava mais célere a informação, pedra de toque para a salvaguarda do indivíduo.

Tudo contém, afinal, o bem e o mal. É sempre a mesma história, velha como o mundo.

Um grande abraço.

Diafragma disse...

Não creio que alguém possa já controlar a Net, para o bem e para o mal.
Há um livro muito recente de um conhecido estudioso e historiador da era moderna que vale a pena ler. Chama-se Smart Mobs, do Rheingold, e leva-nos a um passeio recentíssimo por 3 países onde tudo se está a decidir: Japão, USA e Finlandia. Aconselho vivamente.

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...