terça-feira, novembro 14, 2006

“Tão parecidos que são estes priminhos!...”

Consta por aí que o senhor João Salgueiro, Presidente da Associação Portuguesa dos Bancos, anda de candeias às avessas com o Governo do senhor José Sócrates. Enfim, o senhor Salgueiro terá, em momento de azedume, afirmado que o Governo, por mister do senhor Teixeira dos Santos, ministro das Finanças do Reino, perdão, Ministro das Finanças da República, terá sido acometido de uma perigosa pulsão peronista. Por uma vez, estou tentado a dar (alguma) razão ao senhor Salgueiro. Na realidade, foi Perón quem, na Argentina, inaugurou a demagógica prática política de, em nome dos “descamisados”, governar à direita. O que apenas prova que o senhor João Salgueiro, ao contrário do senhor Sócrates, possivelmente, conhece bem a História...

Não vos peço, porém, para concordarem comigo. Mas ao menos reconheçam (apesar do tema ter deixado de ser matéria) que, na discussão do orçamento, deu jeito ao senhor Sócrates a “boutade” do senhor Salgueiro. Acossado pela contestação nas ruas e pressionado, no Parlamento, pelos partidos à sua esquerda, a “hostilidade” do senhor Salgueiro veio dar “credibilidade” às programadas medidas orçamentais de agravamento fiscal e redução de salários, de quem sempre pagou todas as crises - os que menos têm e menos podem!... Afinal - dir-se-ia - Sócrates também estaria a atacar os poderosos na sua cruzada de diminuição do déficit...

E - está claro! – lá estariam atentas e venerandas as trombetas da propaganda para darem ao feito proporções épicas. “Sócrates abre guerra aos bancos!” – gritava, por esses dias, em parangonas de primeira página, o proficiente “Diário Económico”...

Julgo, porém, que nesta questão relevam alguns equívocos. Em primeiro lugar, as medidas ficais dirigidas à banca, como a generalidade dos comentadores tem advertido, não produzirão efeitos práticos. São mais políticas que eficazes. O Governo está a fazer “mera propaganda”, com anúncios de mera cosmética, como bem referem insuspeitos especialistas na matéria.

Por outro lado, o Governo mantém uma intolerável situação de privilégio para a banca. Como é sabido, a taxa efectiva de IRC paga pelos bancos é inferior às restantes empresas e, por outro lado, sempre os trabalhadores por conta de outrem pagaram as taxas de IRS fixadas na lei, bem superiores à carga fiscal da banca. Por exemplo, a banca paga IRC à taxa de 15%, enquanto um casal, que tenha um rendimento anual de 30 mil euros, paga IRS à taxa de 23,5%.

Em resumo, o que se exigiria do Governo é que banca pagasse impostos segundo padrões de equidade fiscal. E, talvez assim, pudesse ser aliviada a vida de quem menos pode, designadamente, pensionistas e deficientes, que vêem agravada a sua carga contributiva...

Sem embargo, ao que parece, o senhor Socrátes não se terá coibido de afirmar, em pleno Parlamento, que, em virtude da “novidade” das medidas anunciadas para a banca, os partidos à sua esquerda terão “perdido o discurso”. Não se almejam, pois, os milhões de euros devidos, tão necessários ao déficit, nem a vida real dos cidadãos! Para o senhor Sócrates, questão não passa de mero pretexto para, pretensamente, procurar neutralizar o “discurso” à sua esquerda. E anestesiar o Povo...

Por sua vez, o senhor Salgueiro é, como se sabe, lídimo representante da banca nacional e herdeiro da melhor tradição do “antigamente” marcelista. Traz, consigo, a Pátria na barriga: quando alguém lhe faz cócegas é a Pátria que corre perigo! ...

Nesta tão gritante (des)sintonia, convenhamos que apetece desabafar, como Raúl Proença, noutro contexto: - “Tão parecidos que são estes priminhos, benza-os Deus”!... Tão parecidos, tão parecidos – acrescento por minha conta – que levanta suspeita se o parentesco não será mais chegado...

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Bem vindos(as) de novo! Grato pela vossa presença....

18 comentários:

Anónimo disse...

Sem ter o conhecimento de causa necessário para fazer um comentário à altura do assunto, ouso dizer que as políticas adotadas pelos governantes nos mais diferentes países têm um eixo em comum: o máximo de lucro com o mínimo de custo para a banca. Quanto às pessoas, divididas que estão, vão seguindo - à direita ou à esquerda da torrente... poucas traçando a rota dos próprios destinos... outras, lutando contra a maré... em maior número as que se deixam levar: ou porque não têm consciência, ou porque cansaram de remar contra a corrente, ou simplesmente não acreditam que valha a pena lutar... ou ainda... cada uma cumprindo a "sina" da sua casta ou os ditames da consciência.

Feliz com teu regresso, deixo um abraço fraterno, meu irmão.

Menina Marota disse...

Estamos de acordo!

"...Tão parecidos, tão parecidos – acrescento por minha conta – que levanta suspeita se o parentesco não será mais chegado..."
... pois é , meu Caro, eu ia dizer o mesmo. Tiraste-me as palavras da boca...

Um abraço e bem vindo ;)

Rosa Brava disse...

Grata pela visita e pelas palavras...

Um abraço ;)

JPD disse...

Há um problema colocado à sociedade: uma vez integrados na UE os critérios de convergência real terão de ser cumpridos para que a integração esteja livre de penalizações e, constituindo-se pelna, promova o pais, tornando-o solvente e viável.
A economia portuguesa é débil e está sobrecarregada com problemas financeiros e sociais gravíssimos que têm confrontado uma geração com actividade política e governativa com 30 anos que aparenta exaustão e soluções que, não mobilizando os portugueses, não resolvem as crises.
Actualmente, grande parte das pessoas vê a sua revolta agravar-se por achar que os scrifícios exigidos assentam numa desigualdade de exigências, particularmente na falta da universalidade de aplicação de critérios de fiscalidade.
É verdade e têm razão.
O João Salgueiro está a fazer o seu papel.
Ao governo compete reajustar políticas.
Se muita coisa falhar, tão cedo não haverá hipótese, penso eu.
Achei o teu post muito bom.

hfm disse...

Venho aqui com "o meu ser e a minha circunstância" ;)

vida de vidro disse...

Caramba, tu és mesmo mauzinho! Um pacato cidadão bem quer tentar dar algum crédito ao Governo que tem (condição sine qua non para viver com um mínimo de esperança...) e vens tu... e pronto, lá se vão as nossas ilusões. Assim não vale. Lá vou eu ficar a remoer a minha condição de pagante obrigatória de todos os impostos, além de pertencente aos habituais "bodes expiatórios" de todos os males da nação...
Essa cabeça não pára... :))**

Peter disse...

Ora cá o temos de novo. Concordo que as medidas tomadas pelo Governo, relativamente à Banca, teriam sido "pour épater le bourgeois".
Quanto ao nível de vida é um pouco mais complicado.
Toda a minha vida aqui em Lisboa foi feita utilizando os transportes colectivos e continua a sê-lo, embora tenha automóvel (dantes não tinha). Oiço portanto as conversas à minha volta, normalmente de pessoas vivendo com mais dificuldades e de uma coisa estou certo: as greves, tal como estão a ser feitas, só engordam os cofres do Estado.

Anónimo disse...

Amigo.
Justas as palavras aqui utilizadas.
Mas como dizem que alguém disse, “dai a César o que é de César”.

Paulo disse...

Ponto de vista que sublinho integralmente.
Abraço
Paulo

mfc disse...

A petulância de fazerem de nós pacóvios, tem vindo a ser matriz dos diferentes(!!) governos!
Quando deixarão os portugueses de entender a política como quem raciocina em termos de clubes de futebol?!

david santos disse...

Ó Herético, o relógio funciona?
Muitos parabéns.
Um bom blog e um bom trabalho.
Até sempre

Licínia Quitério disse...

Ouvi algures o Salgueiro dizer que algumas "exigências" do Governo perante a Banca não eram exequíveis. Eu também gostaria de poder afirmar o mesmo quando me obrigam a pagar mais e a receber menos.
A farsa está bem montada. Pois. Essa entidade, cada vez mais abstracta, a que chamam Europa, assim o exige. Para nosso bem, claro...

Ainda bem que voltaste em forma. A bem da nossa sanidade cívica.
Abraço.

M. disse...

Gostei do teu desabafo. Sempre atento, claro.

Thiago Forrest Gump disse...

São irmãos!

lolololololol

Klatuu o embuçado disse...

Merda de banqueiros parasitas!!

Anónimo disse...

Passei para desejar óptimo fim-de-semana e apreciar esta interessante página, onde impera a qualidade e bom gosto. Com papas e bolos se enganam os tolos, e aqueles arrufos são para inglês ver. As medidas contra a classe média, os trabalhadores e os funcionários públicos são para agora; as alterações ao regime especial de aposentação dos políticos e as medidas para a banca são para serem estudadas ainda. Demagogia...

Nilson Barcelli disse...

Se a medida é simbólica, por que razão a banca esperneia tanto?
O que sei é que, como clientes dos bancos, através de empréstimos, fomos roubados durante anos a fio.
Claro que não representa muito dinheiro para cada um de nós individualmente, mas tudo somado...
A acção de Sócrates (não gostei do "senhor Sócrates", fez-me lembrar o João Jardim com o "senhor Cavaco") pode não ser nada de especial, mas ele teve a coragem de avançar, tal como noutras frentes, em áreas em que os antecessores não se atreveram.
Quanto ao IRC, estou convencido que ele vai lá chegar também.
Um abraço.

uivomania disse...

Um antigo ministro de estado e das finanças estar hoje a representar a banca... faz-me azia. Como um antigo ministro da saúde vir a representar os interesses de uma multinacional farmacêutica ou da indústria do diagnóstico! Quanto aos previlégios da banca, bem que poderiam fazer sentido se, ao invés de investirem em negócios especulativos e emprestarem na base de garantias reais inequívocas, pusessem ao dispôr de anónimos empreendedores, capitais de risco, enquanto motor de desenvolvimento da economia do país que lhes permite a actividade. Um pouco de modéstia e humildade, não lhes ficaria mal e, já agora, a todos que lhes metem o dinheiro nas mãos e lhes insuflam o peito, não viria a despropósito um pouco de consciência de que, se a banca que temos é quem é, é porque nós somos quem somos.

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