terça-feira, novembro 28, 2006

Um tema requentado...

Sei que o tema está um pouco requentado. Mas que querem? Acabadinho de chegar da província, o meu tempo (político) é ainda um tempo retardado. Quero referir-me à celebrada entrevista do Presidente da República e às loas tecidas ao governo do senhor Sócrates (que alguns me desculpem o respeitoso “senhor” antecedido do certamente respeitável nome do Primeiro Ministro, mas não é um qualquer esforçado título académico, que me fará esquecer a saudável máxima que, em matéria de títulos, académicos ou outros ,“mais vale sê-lo, que parecê-lo”...)

E fechado o parêntesis, vamos ao assunto. Como, certamente, se recordam, um dia destes, o Presidente da República deu uma entrevista à televisão oficial. A primeira, ao que consta. Claro que optei pelo canal 1, ignorando o insigne Dr. Lopes na concorrência, avesso como sou a ajustes de contas, ou a pungentes exercícios de autocomiseração, ou ao espectáculo de feridas sangrando em público. Por isso, optei por ouvir o Presidente da República, quase como fatalidade, em noite sem parceiros para o conhaque e o póquer.

Que disse Sua Excelência? O que todos sabem e que, há muito, era anunciado. Deixando descair, pelo queixo martelado, um esgar de indisfarçável de gozo, como quem se desfruta ao espelho, o Presidente da República espalhou urbe et orbe a boa nova de que era “reformista” o governo presidido (aliás doutamente) pelo senhor José Sócrates. Pouca coisa, dir-me-ão. O mesmo já houvéramos escutado aos epígonos do capital e aos cavaleiros da indústria, em beatíficos compromissos com Portugal, que as trombetas da comunicação social de referência haviam solenemente proclamado.

Salvou, porém, a entrevista um refulgente clarão, um daqueles rasgos de inteligência política e produtiva acção prática, destinados a iluminar o futuro de gerações e gerações de portugueses. Refiro-me aquele momento grandioso, quando Sua Excelência esclareceu os portugueses (e o Mundo) que a eleiçoeira “cooperação estratégica” era afinal “cooperação silenciosa”! ... Nem mais, “cooperação silenciosa”! ... Oh, heróis da minha história! Oh, mártires de meus altares! Cale-se tudo o que a antiga musa canta: os mais altos responsáveis políticos do meu País, cooperam “em silêncio”!... Nem uma palavra para dizerem?!... Nem ao menos um murmúrio, no gabinete presidencial, nas intermináveis reuniões das Quintas-feiras?!... Não me digam que os mais altos assuntos do Estado são tratados, mano a mano, por baixo da mesa! ... Fico sem palavras ...

Antes assim fora, sem nada dizerem!... Mas tudo leva a admitir o contrário. A acreditar na veemente a afirmação, declinada no plural majestático, de “que estamos a fazer as reformas que é necessário fazer”, o Presidente da República não se coibirá, certamente, de meter a mão na sopa da governação. E não pouco. Naturalmente, em grande recato, pois assim o exigem os meandros de uma política “transvestida” de socialista, consagrada no altar do liberalismo económico e da globalização, na qual o Presidente da República se assume como o líder natural e o Primeiro Ministro oficiante da mesma política de direita. O senhor Marques Mendes que se cuide...

E sobre Portugal e as dificuldades dos portugueses, que diz a entrevista? E sobre a Europa? E sobre o este Mundo conturbado, o que esclarece ? Serei duro de ouvido por não ter dado por nada?!... Ao menos, como verdadeiro apóstolo das ”reformas necessárias”, Sua Excelência poderia ter esclarecido, que a globalização de que é ardoroso defensor, tem as suas vítimas e que a parcela da riqueza transferidas para os salários não pára de cair, mesmo nos países desenvolvidos, a favor dos lucros. Mas para tanto não chega a Sua Excelência a sua presidencial voz. Nem sequer numa tremura. Valha-nos a santa “inclusão”...

Tão mais necessárias, por isso, outras vozes, clamando nas ruas e em todos os espaços públicos, que façam estalar os conúbios presidenciais, (silenciosos bem sabe) da política à portuguesa...

21 comentários:

JPD disse...

Olá!
Congratulo-me com o teu regresso.
Quanto à entrevista do Sr. PR, distraído, nem dei conta dela (Sem Ironia) e tanto pelo que vi e ouvi -- o teu comentário vale por isso também -- a entrevista não acrescentou nada a relação institucional entre os Órgãos de Soberania: claro e total acordo entre PR, AR, Gov...Tribunais (Magistrados) ainda digerem as sequelas da "hostilização" governamental e estarão menos consonantes!!!! Concluamos então que não será pela via institucional que Portugal deixará de ser reformável.
Quanto ao apoio silente de Belem a S. Bento...quero apenas comentar que já em 28 de Setembro de 1994 também uma maioria silente pretendeu ir a Belem apoiar
O teu texto está seguramente construido...Pena ter a entrevista ocorrido sem conteúdo!
Um abraço

JPD disse...

Claro que quis referir o 28 de Setembro de 1974.
Um abraço

Anónimo disse...

Parafraseando essa falta de parceiros para o jogo de poker, sempre admito que tudo não passou de uma jogatina de batoteiros…

Peter disse...

Penso seres a pessoa indicada e o local indicado para abordares os dois grandes sorvedouros de dinheiro que são a Ota e o TGV. Rapam-se todas as migalhas para os alimentarem, até indo buscá-los aos "ricos" deficientes, como se houvesse dinheiro que pagasse o não poderem viver a vida como qualquer cidadão.
Será o preço a pagar aos grandes grupos económicos que irão construir mais 2 "elefantes brancos"? Somos todos estúpidos neste país que não vejamos os inconvenientes de toda a ordem, tanto para os viajantes, como para os tripulantes e para o comercio e restauração da Capital, em ir construir um aeroporto a 50 kms.

Quanto aos encontros do PR com o 1º Ministro, encontram-se?

Espero que este comentário não seja estranhamente "engolido" como foi o anterior, o que já não é a primeira vez que sucede. Mas desta vez dei-me ao trabalho de escrever outro.

batista filho disse...

Meu amigo-irmão: bem-vindo!
Bom te ver de volta!
Um abração. E ao trabalho!

vida de vidro disse...

Tem vindo a tornar-se óbvio que este é o presidente que mais convinha a Sócrates. Afinal, até os acho parecidos nos métodos e na arrogância. E naquele jeitinho de dizer: "o povo tem todo o direito de se manifestar, mas o governo não anda a reboque das manifestações de rua". Isto lembra tanto o Cavaco primeiro-ministro...
Cosmeticamente, Sócrates só é (ou parece) mais "fashion", mais polido. Bem podes clamar nas ruas, sim, que este parzinho tem os ouvidos bem protegidos... **

hfm disse...

Dizes bem - da política à portuguesa!

Dafne disse...

Olá
Já sentiamos a tua falta e a acutilância das tuas palavras.
Pois cá para mim o nosso Presidente da República não é mais que o n.º 2 do Eng.º Sócrates.
Boring, very boring, indeed...
Um bj

Anónimo disse...

Belo texto! É de malhar nestes figurões. Também já abordei este assunto, no meu outro blogue, mas não com este desenvolvimento. Dou apenas umas bicadas,
Obrigado pela visita aos meus "escritos outonais"
Um abraço

isabel mendes ferreira disse...

oh feliz herética voz que assim dizes o que me vai na alma àcerca de sua excelência....:))))


___________bendito!


___________e obrigada por tamAnha lucidez.

__________beijo.

Licínia Quitério disse...

Não ouvi o Senhor P.R. Não tive pachorra, mesmo. Mas ainda bem que me contas. Não. Mais uma vez não posso estar de acordo com o Senhor P.R.. É que a "cooperação" está aos ouvidos de todos. De silenciosa nada tem. Mas quem sou eu para opinar em temas de tal monta?!

Ainda bem que já te temos de volta.

Anónimo disse...

Vim ler-te mais uma vez... e, dizer-te que estou a actualizar os linkes das minhas "casas" que estavam abandonadas. O Inverno faz disto. Gosto de estar no cantinho, especialmente com quem estimo...

O nick é o mesmo, mas a casa é diferente...


Ah... e quanto à entrevista... bem... eu ando mesmo é virada para a Poesia...e, sinceramente não é neles (políticos) que me inspiro... ;)

Um abraço e continuação de boa semana ;)

Anónimo disse...

Ah, mas tu fizeste o retrato perfeito dos modinhos afectados que, engraçado, agora que penso nisso, ambos partilham. São inflexões de voz, trejeitos gestuais afectados, uma certa candura no arregalar dos olhos, como se... marginassem a idade da inocência bordejada de cândidas flores. Aliás, a confluência do pensamento (político) é tal, como tu dizes, que nem precisam de abrir a boca para um dizer "dito" e o outro "feito"... Odeio coisas silenciosas, apoios, minorias, maiorias, afasias... Meu caro amigo, é um prazer ler-te nesta tua ironia pendular. Ainda bem que regressaste. Bom fim de semana!

M. disse...

É um prazer ler-te de novo.

damularussa disse...

Surpresa , desta vez estás de entrada e em grande!!
Bem vindo e continua a malhar neles que eu venho ler:-)

Abraço

Bandida disse...

curvo-me perante tamanha lucidez.

o que sinto por aqui. também.

quem sabe esses silêncios serão de ouro, para que mais não (nos)desfaçam...




Brilhante!

_______________

Anónimo disse...

Depois de alguma ausência – estive de férias e “retirado” numa serra do Alto Minho -, volto às lides e com agrado visito esta interessante página, também para desejar bom fim-de-semana. E valeu a pena visitar o blogue, pelo tema e abordagem ao rebanho socrático-cavaquista. Mas o povo é sereno, e desta vez nem sequer é fumaça.

maria disse...

Foi bom voltar a ler-te
Bj

Nilson Barcelli disse...

Não vi a entrevista.
Mas é normal que o Prof. Cavaco não diga nada. Para além de frases elementares sobre economia, ele nunca disse nada de relevante.
Deixando de lado as relações Presidência/Governo, cujos contornos são sempre pouco objectivos, direi que acerca do Primeiro Ministro não estou de acordo contigo.
Certamente que a governação poderia ser melhor (pode sempre...), mas ele está a fazer o que devia ter sido feito há muito tempo. O país não produz riqueza suficiente para a despesa que tem.
Qualquer governo, do PC ao CDS, no quadro da CE actual e se governasse com competência, tomaria medidas idênticas.
Os trabalhadores em geral (não Funcionários Públicos) já contribuiram há anos para a melhoria das contas públicas com a perda definitiva de várias regalias. E nem sequer fizeram tanto alarido...
Um abraço.

uivomania disse...

Não foi precisamente no tempo do Cavaco primeiro ministro, que os milhões chegavam à pazada e foram distribuídos pelos compadres sem que a ninguém tenham sido pedidas contas? Onde tinha o Cavaco o rigor nesses tempos?

Jorge Castro (OrCa) disse...

O silêncio é de oiro, não se diz? Mas de q'oiro se fala? Ah, estão então de núpcias os cúmplices? É a comunhão global...

E sempre pela nação, venha a nós o vosso reino...

Meu amigo, hereticamente, aquela chapelada!

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...