segunda-feira, dezembro 18, 2006

A anatomia da culpa (solteira)

Esta crónica era para não existir. Explico-me. Tinha decidido que não iria meter as mãos no tema da corrupção. Pela prosaica razão que há temas que quanto mais neles se fala mais se banalizam e não quero, à minha modesta escala, contribuir para esta febre do “agarra que é ladrão” que mais não visa que dissimular os verdadeiros interesses de um sistema sócio-económico, essencialmente, corrupto. De facto, os dramas de faca e alguidar de pintos, galinhas e outros galináceos que enxameiam o mundo do futebol, são epifenómenos que valem, sobretudo, pelo cheiro fétido que exalam, reveladores, por isso, da podridão do sistema em que ocorrem. Sintomas, portanto, mais do que a verdadeira causa da epidemia. Por outras palavras, receio bem que os propalados casos do ”Apito Dourado” façam esquecer os casos do “Operação Furacão”, que envolve insuspeitos banqueiros, potentados da construção civil e empresários emblemáticos...

Esta crónica, vem assim a contragosto. Acontece, porém, que o suplemento “Local” do jornal “Público”, de 16.12.07 narra um caso paradigmático de corrupção institucional que, seguindo a notícia, me permite dissecar a natureza da epidemia.

Trata-se do célebre caso de aprovação pela Câmara Municipal de Lisboa do loteamento dos terrenos de uma antiga fábrica, sobre os quais impende reserva de interesse público. Dispenso-me, dos pormenores picantes e do jogo de ping pong entre a Câmara e o Governo, nada inocentes. Para o objectivo que me proponho interessa apenas a “maquinaria” do processo de decisão da Câmara Municipal.

Vejamos. Diz o jornal, chamando os nomes às coisas, isto é, identificando os responsáveis, que o Director Municipal de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Lisboa é sócio do atelier de arquitectura que elaborou o projecto de loteamento em causa. Curioso, não acham? Mas atentem!.. Por alturas de 2004, a empresa promotora do empreendimento não encontrava maneira de ver a sua pretensão autorizada, sendo que o processo se arrastava há anos. Porém, para grandes males grandes remédios. A empresa mudou de projectista e entregou o “tabalhinho” a projectistas mais adequados, quer dizer, à empresa pertencente ao Director Municipal de Gestão Urbanística da Câmara Municipal. Que esperavam? Capital não brinca em serviço. Uma forma expedita de resolver o problema, sem dúvida. Mas não ficamos por aqui.

Descendo aos pormenores, esclarece o jornal que, em Junho deste ano, o arquitecto que analisou, em primeiro lugar, o projecto de loteamento, elaborou extenso parecer que apontava, após a reformulação do projecto pelos “adequados” projectistas, para a viabilização do empreendimento, condicionando, porém, a alguns aspectos técnicos que iriam dificultar a aprovação.

Nada que não se resolvesse, porém. Perante as dúvidas e condições técnicas apresentadas, o Director de Projectos Estratégicos excluiu algumas condicionantes expressas no anterior parecer e qualificou as restantes como “aspectos residuais” que poderiam ser supridos, após a aprovação do projecto. Reparem na metamorfose do “antes” para depois. Os directores de “projectos estratégicos”, foram instituidos exactamente para isso: fazer tábua rasa dos “pormenores” que só empatam e “fundamentar” as decisões “estratégicas”. Assim, que poderia o “incauto” Director Municipal fazer, se não seguir o preclaro parecer do seu subordinado? E dito e feito, apresentou o assunto a vereadora do respectivo pelouro que, por sua vez, não teve quaisquer dúvidas em o submeter a deliberação da Câmara.

Ouvido pelo jornalista, o Director Municipal afirma categórico que não teve qualquer influência na gestão do processo. Resume a sua intervenção – imaginem! – a uma “espécie de placa giratória” entre o Director de Director de Projectos Estratégicos e a Vereadora!... Temos assim que o topo da hierarquia da Câmara Municipal de Lisboa é composta por “placas giratórias” que se limitam a levar e trazer processos. Mas pergunto, para tal não bastaria um qualquer contínuo ou moço de recados, que ficariam bem mais baratos? Nada grave, porém, na perspectiva da senhora vereadora que, perante este quadro, afirma não alimentar “climas de suspeição”. Nem mais!...

Como se sabe, dado o sussuru da oposição, a deliberação em causa foi revogada. Uma coisa porém, tenho como certa: os interesses imobiliários em causa não sairão a perder. Ainda agora a procissão vai no adro. Não é impunemente, que se concedem direitos, por deliberação de Câmara, para posteriormente serem retirados...

E, assim, se fecha o circulo de conivências e responsabilidades públicas na defesa dos interesses privados... Em glória e a bem do povo de Lisboa. Valha-nos a espada justiceira de Santa Joana d`Arc e o fogo da cruzada da procuradora Morgado..

Quem me dera poder acreditar em milagres!...

17 comentários:

uivomania disse...

Este comentário era para não existir pela mesmissima razão que dás no início do post. Contudo, quanto a mais uma trama tortuosa de aparente corrupção, talvez valha a pena bater na mesma tecla.

Dafne disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Dafne disse...

Passei por aqui para dar um olá!:))
Não tenho conseguido aceder à net com a frequência desejada....
Por isso, aqui estou deliciada com as tuas análises do quotidiano.
Um b

Peter disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Peter disse...

Li o artigo e espero que tudo se esclareça, quer no Porto, quer em Lisboa, o que duvido.

Mais uma vez a "culpa irá morrer solteira", como irá acontecer no "Apito Dourado" (somos todos cegos e parvos, quando assistimos a desafios de futebol pela TV), no "Casa Pia", na "Operação Furacão" ...

BOAS FESTAS

P.S. - Deixo um pedido ao Pai Natal:

Que a UEFA suspenda a Selecção Nacional e todos os Clubes de Futebol Portugueses, durante 5 anos, de participarem em Competições Europeias.

Cris disse...

Que falta nos faz a Padeira de Aljubarrota!!!! Milagres? Nop, não há...

Cris

hfm disse...

Pela mesma razão não comento - se calhar em 2008 ainda estaria a comentar ;)

Obrigada pela visita. Um abraço

laurisilva disse...

Também li e tive o palpite de que este tema não te escaparia.
Porque me lembrei também da palavra "atoleiro"? Eu devo andar cheia de más vontades. E dizem-me que não é nada próprio desta quadra festiva (!).

Beijinhos.

Anónimo disse...

a anatomia da inteligência. Aqui.


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beijo.
________________

obrigada.


:))))))))))))

Piano/Ysa.

JPD disse...

FELIZ NATAL!

vida de vidro disse...

O habitual empurrar de responsabilidades para que, no fim, ninguém tenha a culpa. E todos ficam a ganhar... eles, claro, que nós ficamos com cara de parvos.
Mas é quase Natal... paz na Terra aos homens de boa vontade, não é? **

isabel mendes ferreira disse...

milagres????????????




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um beijo.

Poesia Portuguesa disse...

Olha que eu deixei de acreditar em milagres há muito. E nos políticos também... e naõ só!

Um abraço e Feliz Natal ;)

M. disse...

Enquanto há vida há esperança. Quem sabe? Pode ser que...

nunocavaco disse...

Pois, milagres. Às vezes parece que ocorrem, outras nem por isso. Chamemos-lhe o que quisermos, mas era bom acreditarmos e ainda melhor se acreditassemos em nós, no homem.

Diafragma disse...

Pois é, e esta tinha-me escapado. Vale-nos o teu olho atento (e herético!) para nos recordar que o Natal também é isto!

Jorge Castro (OrCa) disse...

Ora, pois, pelo sonho é que nós vamos! De preferência acordados mas, mesmo a dormir, havemos de ir!

É sempre um prazer arrumar ideias através da leitura dos teus "posts". Ainda bem que este, estando para não existir, existiu.

Os gases do pântano, ao evolarem-se, é que nos permitem experimentar o prazer do odor das rosas.

Um grande abraço.

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...