quinta-feira, março 29, 2007

Soberania Alimentar?!... Que é isso?

Realizou-se no Mali, em Fevereiro de 2007, o “Fórum Mundial de Soberania Alimentar "Nyéléni". O Mali, como se sabe, é um dos dez países mais pobres do mundo, se a pobreza for medida em dinheiro. No entanto, o país tem recursos naturais, como ouro e algodão – do qual é um dos principais produtores do continente.

Porém, a maior riqueza está no facto de 80% da população continuar a exercer, quotidianamente, a sabedoria de cuidar e produzir os seus alimentos, ou os remédios, ou os seus animais, ou as fibras para o vestuário, ou os materiais das suas habitações, apesar da inegável vulnerabilidade dos seus recursos, face aos mercados e às mudanças tecnológicas,...

Uma forma de resistência à globalização? Certamente!... Mas dir-se-ia, sobretudo, uma forma de sobrevivência... Contra quem?

Contra o imperialismo, o neoliberalismo, o neocolonialismo e todo sistema que empobrece a vida e os recursos naturais, bem assim como os agentes que os promovem, as multinacionais, as instituições financeiras internacionais e a Organização Mundial do Comércio.

Contra as tecnologias e as práticas que causam erosão na capacidade de produção alimentar no futuro, danificam o meio ambiente e põem em perigo a saúde das populações, designadamente, a agricultura e pecuária transgénicos, a aquacultura industrial, as monoculturas dos bio-combustíveis industriais e as práticas pesqueiras destrutivas.

Talvez, pela imensa riqueza de contrastes, o Mali tenha sido o cenário ideal para esta iniciativa, que juntou mais de 500 delegados de 118 países e de diversos movimentos sociais, constituídos por camponeses, trabalhadores sem terra, migrantes, mulheres, pastores, pescadores artesanais, consumidores e ecologistas.

Em Nyélény se encontraram gentes variadas, mistura de saberes ancestrais e modernas técnicas, miscigenadas no nobre propósito de definir estratégias comuns tendo em vista a soberania alimentar, concebida como o direito e a capacidade dos povos, a partir de bases locais, poderem produzir alimentos de qualidade, suficientes e acessíveis à sua população. Um direito fundamental, sem dúvida alguma...

Uma jornada de estudo e de luta em Nyélény!... Para quê? Para quem?

Para que todos os Povos do globo possam decidir do seu sistema alimentar...

Uma jornada de estudo e de luta em Nyélény para que, à escala planetária, se reconheçam e respeitem os direitos das mulheres na produção de alimentos, bem como em todos os órgãos de tomada de decisões...

Uma jornada de estudo e luta para que os povos, em todo o Mundo, vivam com dignidade e possam subsistir nos seus locais de origem.

Uma jornada de estudo e luta para que a soberania alimentar seja um direito humano básico, reconhecido e respeitado pelas comunidades, pelos Povos, pelos Estados e pelas instituições internacionais.

Uma jornada de estudo e de luta tendo em vista uma verdadeira Reforma Agrária que garanta aos camponeses plenos direitos sobre a terra que cultivam...

Bom seria que a “Declaração de Nyélény sobre Soberania Alimentar” pudesse servir de inspiração política aos nossos governantes, sobretudo, porque muito se ufanam de pertencerem a anafada Europa, mau grado o elevado deficit alimentar do País, a desertificação do interior e a ruína da nossa agricultura e das nossas pescas...

Ou então, porque Portugal, eufórico, se apresta para presidir aos destinos da União Europeia, que tantas responsabilidades tem nesta matéria, designadamente, nos desbragados apoios financeiros à sua agricultura industrial, que sufoca as livres trocas comerciais e os preços agrícolas nos países do Terceiro Mundo...

Bom seria!... Mas não me atrevo à ingenuidade de acreditar. Conforta-me, porém, a certeza – para além deste voto piedoso – que nos locais mais inesperados “o mundo pula e avança”!... Em Nyélény, por exemplo...



ver: Nyélény 2007

segunda-feira, março 26, 2007

Outras Leituras XIV - Os Filhos de Salazar...

Leio este texto como um grito de insubmissão. Por isso aqui fica, ilustrando este espaço. Agradeço à Lique ter escolhido este blog para de novo se fazer ouvir.Honra-me a sua preferência.

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"Dizia o meu pai que todos éramos “filhos de Salazar”. Esta expressão, vinda do lutador contra o Estado Novo que ele sempre foi, chocava-me e tenho que confessar que, durante algum tempo, não a compreendi.

Quando terminou o programa “Os Grandes Portugueses”, ouvi da boca de uma das minhas filhas aquilo que eu sabia mas que me fez ter orgulho e, apesar de tudo, alguma esperança: “Porque é que não veio aqui ninguém dizer, a esta gente que votou nele, que muito do que lhes desagrada no que somos hoje, a ele o devemos?”.

Durante muito tempo, no pós-25 de Abril, falou-se da pesada herança do fascismo. Também não me lembro de ter ouvido alguém explicar que essa herança não era só o atraso, as cicatrizes das perseguições, os horrores da guerra colonial, etc.

Não sei se alguém disse que a pior herança estava na demissão do direito de cidadania, na falta de ambição, na eterna espera de homens providenciais, naquele jeito de sermos sempre “pequeninos”, no nosso terrível complexo de inferioridade que, por não assumido, nos leva sempre a culpá-los, a “eles”, de tudo o que acontece. Eles, somos nós. E, enquanto isto não estiver interiorizado neste povo, seremos filhos de Salazar. E correremos para a imagem do pai quando tudo parece correr mal.

Não me interpretem mal. Eu sei que a direita explorou o sentimento de frustração dos portugueses e que o voto foi militante e organizado. Mas, mais uma vez, não houve resposta digna de um povo que se quer livre desses fantasmas, para poder progredir. Dir-me-ão que é só um programa de televisão.

Mas, neste país, é grande o impacto dum programa de televisão. Esperemos que, pelo menos, a RTP saiba corrigir este “branqueamento” da imagem do pai com informação suficientemente esclarecida para que os filhos o “matem” (ai, Freud, se não fosses tu…) e tomem nas mãos as rédeas do seu destino. Isso sim, seria serviço público".

(A Lique está desaparecida da net. Mas ontem, com a indignação sentida depois do programa, renasceu. Agradeço ao Herético acolher este texto, neste espaço onde a informação e a opinião reinam)

sexta-feira, março 23, 2007

Outras Personagens I - Susan Sarandon

A actriz Susan Sarandon denunciou, recentemente, em Las Palmas, a repressão que, no seu País, os Estados Unidos da América, se exerce contra todos os que não pensam como o Governo de Bush.

Laureada, em 1995, com o “Oscar” de melhor actriz no filme de Tim Robbins, “A Última Caminhada”, Susan Sarandon afirmou que "quando alguém expressa opiniões políticas ou sociais diferentes, é condenado em Hollywood a uma espécie de ostracismo e a imprensa chama-lhe coisas tão simpáticas e amistosas como amiguinho de Bin Laden".

Estas afirmações de Susan Sarandon foram proferidas no decurso do VIII Festival Internacional de Cinema de Las Palmas, nas Canárias, onde foi homenageada com o galardão Lady Harimaguada de Honor, em reconhecimento da sua trajectória profissional.

E, com respeito a este ambiente repressivo, que denuncia,responsabilizou não apenas os políticos, mas também aos artistas que se auto censuram, e os jornalistas, que nunca fazem perguntas sobre temas de conteúdo social ou político.

A actriz referiu também as dificuldades do cinema independente no seu País, que qualificou de "desafio ainda maior que antes, porque estamos passando por um período em que debate social não está a ser muito promovido".

Susan Sarandon considerou-se afortunada por poder viajar e falar com os jornalistas estrangeiros, porque nos Estados Unidos "os cidadãos não têm uma ideia do que passa no mundo ou de como as pessoas nos vêem de fora dos Estados Unidos".

Acerca do presidente George W. Bush, limitou-se a afirmar que "muito me agradaria que fosse às casas das famílias dos soldados mortos no Iraque".

Estas afirmações desassombradas vêm na lógica da sua vida de activista dos direitos humanos e de outras afirmações anteriores, denunciando os delitos e abusos da Administração norte-americana.

Acho que nunca estivemos tão próximos de "1984" de George Orwell. Vivemos numa sociedade em que os direitos individuais e a legalidade estão definitivamente ameaçados, e isso me dá medo." – declarou ela à “Folha de Sículos”, em 31.3.2006

E noutro passo da mesma: "Cheguei a um ponto da minha carreira que já não dou ouvidos ao que os outros pensam de mim. Tenho sobrevivido à indústria (do cinema)procurando fazer escolhas que respeitem minhas ideias. Continuo acreditando que podemos fazer diferença nesse mundo. Faço o que está ao meu alcance e não me importo com o que dizem os cínicos...”

Pelo seu empenhamento nas causas mais nobres da humanidade, pelo desassombro das suas atitudes e afirmações, pela qualidade do seu trabalho artístico e porque representa, como poucas actrizes nas últimas décadas, o melhor do cinema independente, Susan Sarandon abre, neste espaço, a galeria “Outras Personagens”!



Fonte: Pesquisa WEB

Susan Sarandon speaks in Washington (1/27/07)

terça-feira, março 20, 2007

Outras Paisagens II - Saara Ocidental

Línguas oficiais - Árabe e castelhano
Capital - El Aaiún
Presidente(no exílio)- Mohamed Abdelaziz
Primeiro-ministro (no exílio)- Abdelkader Taleb Oumar
Área - 286 000 km²
População - 261 794 (Julho 2003)
Proclamação da Independência - em 1976
Anexado por Marrocos
Moeda - Dirham

1 - O Saara Ocidental é um país que existe de jure, mas não existe de facto. Quer dizer, as Nações Unidas consideram-no como um país independente ocupado, mas Marrocos mantém que o Saara Ocidental é parte integrante do seu território.

Também denominado como República Árabe Saarauí Democrática (RASD), o Saara Ocidental é uma região árida e quase desértica, situada junto à costa noroeste de África, constituída por desertos pedregosos, em certas áreas, e arenosos, em outras. É limitado norte por Marrocos, a leste pela Argélia, a leste e sul pela Mauritânia e a oeste pelo Oceano Atlântico, por onde faz fronteira (marítima) com a região autónoma espanhola das Canárias.

Como o nome indica, este país integra o deserto do Saará. É composto de oásis dispersos e pequenas manchas de pastagem pobre. Está dividido em duas regiões: Saguia al-Hamra e Rio de Oro. Por outro, lado possui uma das maiores reservas pesqueiras do mundo; e também possui as maiores jazidas de fosfatos, além de jazidas de cobre, urânio e ferro. A economia do Saara Ocidental é baseada principalmente na extracção e exportação de fosfato, cobre, ferro e urânio.

Em 2003, tinha cerca de 262 mil habitantes. A maioria dos sarauís - incluindo os refugiados na Argélia constitui uma mistura de árabes e berberes, quase todos muçulmanos. Falam árabe, berbere e castelhano. A sociedade do Saara Ocidental é essencialmente igualitária, não conhece outra autoridade para além da do chefe de família. As funções deste são principalmente sócio-religiosas. Não existe, portanto, o Estado como estrutura formal.

2 - O povo saraui encontra as suas origens em vasto mosaico de tribos nómadas, berberes e árabes, de enraizadas tradições guerreiras, convertidas ao islamismo em no Sec. VIII d. C. Entre os seus mais célebres antepassados encontram-se os almorávidas que, entre o Sec. XI e o Sec. XII, se expandiram por vasto império e dominaram o Magreb ocidental e grande parte da Península Ibérica.

O seu grande sentido de independência levou este povo, ao longo dos tempos, a resistir a todas as tentativas de dominação, quer dos portugueses (os primeiros colonizadores), quer dos sultões marroquinos, quer dos espanhóis, que apenas em 1936, com a ajuda de forças expedicionárias francesas, conseguiram submeter todo o território do Saara Ocidental. Até 1936, a colonização espanhola limitava-se a três pontos no litoral: El Aaiún, Cabo Juby, na província de Trafaya e Villa Cisneros.

Em 1958, verificou-se uma insurreição generalizada no território; para enfrentar a rebelião, a Espanha, em conjunto com a França, organizou uma poderosa expedição militar, de mais de 14 mil homens e 130 aviões. E, se os objectivos dos espanhóis eram claros, ou seja, dominar o território, os desígnios do governo de França eram porventura mais sofisticados, mas porém não menos claros. Tinha em vista a França atingir a Argélia pela retaguarda, impedindo os independentistas argelinos de instalarem bases naquela colónia espanhola. Para compensar a colaboração nesta intervenção militar franco-espanhola, a Espanha cedeu a Marrocos Trafaya, a mais setentrional província do Saara Ocidental.

Estimulados pelas pela independência dos países árabes do Magreb (Argélia, Líbia, Mauritânia e Tunísia) os nacionalistas saaruis, promoveram uma série de manifestações pacíficas, violentamente reprimidas, o que convenceu os dirigentes mais lúcidos da inevitabilidade da luta armada. Assim, em 10 de Maio de 1973, foi constituída a Frente Popular de Saguia el Hamra e Rio de Oiro – Frente Polisario - sob a direcção de El Uah Mustafá, posteriormente morto em combate.

Entretanto, incentivada pelo sonho de um “Grande Marrocos”, as riquezas económicas descobertas no território saaurí (ferro, petróleo, gás natural e urânio) estimularam a cobiça da monarquia marroquina, que passou a reivindicar a soberania sobre o Saara Ocidental perante o Tribunal Internacional de Justiça de Haia. Porém, a alegação de Marrocos foi rejeitada pelo Tribunal Internacional de Justiça. Apesar disso, numa operação de propaganda, o rei Hassan de Marrocos promoveu uma alegada “marcha verde” sobre o território saaurí, ao abrigo da qual, em conivência com o governo espanhol, introduziu naquele território 11 batalhões de infantaria e blindados.

Seis dias antes da morte de Franco, em 14 de Novembro de 1975, por acordo assinado em Madrid, a Espanha cedeu a Marrocos e à Mauritânia o Saara Ocidental, atraiçoando as aspirações do povo saraui, num acto que não encontra paralelo em toda a negra história do colonialismo europeu em África.

3 - Quando, em 1975, a Espanha abandonou a sua antiga colónia, deixou atrás de si um país sem quaisquer infra-estruturas, com uma população completamente analfabeta e desprovida de tudo. O vazio criado pela Espanha foi aproveitado pela Mauritânia (que se se assenhorou de 1/3 do território) e por Marrocos (que ficou com o restante), ambos invocando direitos históricos.

Os sarauís haviam, porém, fundado a Frente Polisário, que iria expulsar o pequeno exército da Mauritânia, numa guerra que arruinou aquele país. Em consequência, os militares mauritanos, em Junho de 1978, derrubaram o presidente do país e firmaram, poucos meses depois, um acordo de paz com a Frente Polisario. Escasso anos depois, a Mauritânia reconheceu a República Árabe Saarui Democrática (RASD), proclamada em 27 de Fevereiro de 1976.

Frente a frente ficariam, nas areias do deserto, os guerrilheiros da Frente Polisário e as forças marroquinas de Hassan II. O exército marroquino retirou-se para uma zona restrita do deserto, mais próxima da sua fronteira e constituindo o chamado "triângulo de segurança", que compreende as duas únicas cidades costeiras e a zona dos fosfatos. A engenharia militar construiu aí um imenso muro de betão armado, por trás do qual os soldados marroquinos vivem entrincheirados, protegendo a extracção do minério.

4 – No plano diplomático, em 1983, a Organização da Unidade Africana (OUA) reconheceu o direito do Saara Ocidental à autodeterminação e, um ano depois aceitou a RASD como membro, tendo, entretanto, sido reconhecida por 30 países africanos, 16 latino-americanos, 8 asiáticos, 6 da Oceânia e 1 europeu (a ex-Jugoslávia), no total de 61 países.

Marrocos e a Frente Polisario disputam as simpatias europeias. Os saaruis recordam que os acordos de pesca celebrados pela União Europeia com Marrocos incluem as águas territoriais do Saara Ocidental, o que significa que tacitamente estão a reconhecer a marroquinização do território, mesmo antes da realização do referendo de autodeterminação, preconizado pela ONU, o que não deixa de ser condenável apesar da importância estratégica de Marrocos para a União Europeia.

A verdade, porém, é que a Frente Polisario e Marrocos não se entenderam na questão do referendo: a Frente Polisario quer votação na base do último recenseamento, (74 500 eleitores) realizado pelos espanhóis; Marrocos pretende impor 120 000 eleitores (marroquinos no dizer da Frente Polisario) pretensamente refugiados sarauis em Marrocos e reinstalados no Saara sob a protecção das forças armadas marroquinas.

O processo de recenseamento eleitoral tem tido pois o calcanhar de Aquiles do referendo, tendo sido objecto de diversos encontros bilaterais e conversações sob a égide da Organização das Nações Unidas sem que, até à data, pareça ter solução, no quadro de uma população fundamentalmente nómada e com interesses políticos opostos entre a Frente Polisario e Marrocos e a importância geoestratégica da região para o União Europeia e os Estados Unidos.



Fonte:
Wikipédia
Guia do Mundo

sexta-feira, março 16, 2007

... " e nós aqui neste deserto!.."

Soube-se que o Presidente do Governo espanhol, José Rodriguez Zapatero, no passado dia 6 p.p, aceitou o plano marroquino para o Saara Ocidental, que nega a independência do Povo Saraui, prevendo apenas a autonomia “como base para impulsionar o diálogo entre as partes e encontrar uma solução definitiva.”

A posição de Rodriguez Zapatero foi já criticada pela Argélia e pelo Presidente da República Saaraui (no exílio), Mohamed Adelaziz, que a qualificou como destabilizadora.

Não certamente por acaso, Madrid firmou recentemente um acordo de fornecimento de armas Rabat, recebendo como contrapartida o acesso dos barcos de pesca espanhóis às águas saarauis, que Marrocos ocupa, violando princípios elementares do direito internacional.

Como se sabe, seis dias antes da morte de Franco, em 14 de Novembro de 1975, por acordo assinado em Madrid, a Espanha cedeu a Marrocos e à Mauritânia o Saara Ocidental, atraiçoando as aspirações do povo saraui, num acto que não encontra paralelo em toda a negra história do colonialismo europeu em África.

Entretanto, a Mauritânia já reconheceu a República Árabe Saaraui Democrática, bem como mais de sessenta Países de todo o Mundo.

O povo saraui leva, portanto, mais de 30 anos de luta pelo reconhecimento de direitos fundamentais, a começar pela autodeterminação nacional e o fim da ocupação marroquina. Em concreto, no passado dia 26 de Fevereiro cumpriram-se três décadas da chamada "Marcha Verde" com que o imperialismo marroquino impôs a ocupação do Saara Ocidental, com a colaboração da Espanha franquista.

No dia seguinte, 27 de Fevereiro de 1976, em Bir Lahlou, Secretário-Geral da Frente Polisario proclamou a independência da República Árabe Saaraui Democrática, impedida, até hoje, de exercer os seus direitos colectivos e individuais, como povo livre.

Coincidindo com o trigésimo aniversário da luta armada e, agora, com a Espanha em regime democrático, a Frente Polisario mantém que "Espanha continua a ser responsável legal e política pelo sofrimento do povo saraui e continuará a ser até o Saara Ocidental poder exercer o direito de autodeterminação".

O líder da Frente Polisario e Presidente da República no exílio, Mohamed Abdelaziz, definiu como "vergonhosa" a actuação espanhola retirando-se da ex-colónia sem cumprir o seu compromisso de garantir um referendo de autodeterminação e cedendo às forças de ocupação marroquinas o controlo e a repressão do povo saraui.

Também os organismos internacionais e, em especial, os organismos da União Europeia, estão a permitir o sofrimento de todo um povo, sob o domínio da monarquia autocrática marroquina.

Apesar dos contínuos apelos da Frente Polisario a um processo autodeterminação com base em referendo, a verdade é que a passividade da ONU e da União Europeia e a complacência interessada do Estado espanhol contribuem diariamente para a violenta anexação marroquina e a exploração desenfreada da riqueza pesqueira e os jazigos de hidrocarbonetos existentes no subsolo do Saara Ocidental

A actuação espanhola em todos estes anos, através dos diferentes governos, desde os franquistas aos da UCD, PSOE, PP e novamente PSOE, foi sintetizada, num comentário recente do representante da imigração saaraui em Lanzarote (Canárias), Hammudi Iselmo, como "a traição mais vergonhosa ao nosso povo".

Porém, com grande sentido de independência, ao longo dos tempos, o Povo Saaraui resistiu a todas as tentativas de dominação, quer dos portugueses (os primeiros colonizadores), quer dos sultões marroquinos, quer dos espanhóis. Não será certamente, apesar dos ventos contrários, que o Povo Saaraui irá claudicar, ainda desta vez... Assim tenha a solidariedade activa das pessoas e dos Povos...

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Ocorrem-me à memória ressonâncias antigas: “... a vida aqui tão perto e nós aqui neste deserto”! Vá lá saber-se porquê!...

quarta-feira, março 14, 2007

No rescaldo de uma visita (indesejada)

O Presidente dos Estados Unidos da América, George W. Bush terminou vista de alguns países à América Latina. Depois de seis anos de ausência, bem como de quaisquer políticas benéficas para a região e perante às medidas repressivas contra milhões de emigrantes mexicanos e centro-americanos, (nas quais sobressai o recente construção do “muro da vergonha”, na fronteira sul do Texas), o Presidente Bush não teve pudor em afirmar, antes de partir, na Câmara Hispânica de Comércio, que a América Latina e os Estados Unidos estão ligados por fortes "interesses mútuos e laços crescentes que têm ajudado a paz e a prosperidade da região”.

Porém, como referem comentadores latino-americanos, o senhor Bush deveria estar a pensar noutra América Latina, porque – como a vista comprovou – a actual despreza-o profundamente...

Vejamos.

Bush viajou pelo Brasil, Uruguai, Colômbia, Guatemala e México, bem sabendo ele que, nos próprios Estados Unidos, o seu poder político se esfuma, dia a dia, enredada como está a sua administração em múltiplos escândalos políticos e legais.

Por outro lado, a actual política externa norte americana, cujo máximos expoentes são o atoleiro da invasão do Iraque e a permanente matança no Médio Oriente, para além das persistentes intervenções na política dos países sul-americanos, fazem de Bush um dos presidentes norte-americanos mais odiados em toda a América Latina, como aliás em todo o Mundo.

Não admira assim que, conforme revelam sondagens publicadas, 85% da população do Brasil e 80% da população da Argentina repudiem Bush e o modelo económico liberal que ele representa...

Como se sabe, a chegada de George Bush a América do Sul provocou reacções fortíssimas de repúdio em todos os países visitados - Uruguai, Brasil e Colômbia, e também a Guatemala e o México – todos estrategicamente escolhidos pela“permeabilidade” dos governos daqueles países aos desígnios de Washington...

Proclamadamente, porém, Bush foi à América Latina a assinar acordos bilaterais com os países visitados. Entretanto, a nossa comunicação social apressou-se a destacar a importância do acordo com o Brasil em matéria de “bio combustíveis”, que, sem se negar importância ao assunto, tem o picante de uma pirraça a Hugo Chávez e ao petróleo venezuelano.

Tudo leva a crer, porém, que a preocupação fundamental de Bush esteve, sobretudo, na busca de alternativas para o fracasso da instituição da “Área de Comércio das Américas", (ALCA), que a Argentina, na última cimeira do MERCOSUL, enterrou definitivamente... Como se sabe, a ALCA é uma “invenção” norte-americana para contrapor à integração económica da América do Sul no quadro do Mercosul.

Paralelamente à visita de Bush, o presidente de Venezuela, Hugo Chávez, deslocou-se à Argentina, onde encabeçou, o repúdio sul-americano pela digressão George W. Bush, numa vibrante manifestação anti-imperialista, convocada pela Associação as Mães de Praça de Maio. E, como se compreende, teve também importantes conversações com o Presidente daquele País, Néstor Kirchner.

Nas reuniões com Néstor Kirchner, foi ratificada a “aliança estratégica” entre os dois países, Venezuela e Argentina... Como foi sublinhado, na oportunidade, aquela aliança destina-se não apenas a promover o interesse mútuo dois países subscritores, mas pretende sobretudo o benefício de toda América Latina, sendo de destacar, no seu âmbito, o funcionamento do “Banco do Sul”, os acordos em matéria alimentar e energética e a independência perante Fundo Monetário Internacional e os Estados Unidos, conforme foi sublinhado por Kirchner.

Chávez, no seu melhor estilo, assegurou que Bush “tem um plano visível e outro invisível, com o que intenta lavar a cara do império, mas é demasiado tarde para isso”...

Quanto ao celebrado acordo com o Brasil sobre os “bio combustíveis”, Chávez foi claro: “O tema do etanol é irracional e anti-ético; é imoral pretender substituir a produção de alimentos para seres humanos e animais para alimentar os sector (energético) dos países ricos; resulta agora que vamos produzir alimentos para os automóveis e ocupar enormes extensões de terra para esse cultivo...” Enquanto na América do Sul se continua a morrer de fome, deduz-se...

Difícil não lhe dar razão, acrescento de minha lavra...

sábado, março 10, 2007

Outras Leituras XIII - Autismo, autismos!

“A Confederação Nacional dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) fez uma manifestação que paralisou Lisboa. Ao que parece, a CGTP tornou-se a organização social que melhor enquadra o descontentamento social e que mais oposição faz ao Governo.

Mobilizar mais de cem mil pessoas não é fácil, mas a CGTP apenas está a dar voz e enquadramento legal ao descontentamento gerado pela acção do Governo, como, aliás, deve ser feito nas sociedades democráticas. Num país onde é hábito concluir que não há sociedade civil actuante, afinal quando o “dumping” social atinge as pessoas estas reagem e manifestam-se.

É estranho que, em resposta, o Partido Socialista venha radicalizando um discurso anti-sindical. É dos livros que os partidos existem enquanto organizações políticas e têm representatividade enquanto têm ligação à sociedade. É dos livros que também os partidos devem manter laços com a sociedade, através da sua ligação a organizações da sociedade civil.

É ainda dos livros que a forma clássica dessa ligação se fazer nos partidos de esquerda é através das organizações sindicais. Acresce que, (...) historicamente, os partidos socialistas democráticos têm as suas relações profundas com o mundo do trabalho ou mesmo raízes nele. É certo que o PS não nasceu do sindicalismo. Está até estudado que é essa a razão para que o PS seja historicamente um dos partidos mais à direita da Internacional Socialista.

Mas também é sabido que essa ausência de raiz sindical e as circunstâncias históricas que ligam ao Partido Comunista a única central sindical à época do 25 de Abril, levaram logo após a Revolução, o PS, através de Salgado Zenha, a protagonizar a luta contra a “unicidade sindical” e a criar a UGT. O PS colmatava assim a sua falta de costela sindical (...).

Ora, o partido que tem na sua história estes factos dificilmente consegue fazer perceber que o seu adversário principal seja os sindicatos (...), dado que são as organizações sindicais a única forma orgânica de enquadrar socialmente o trabalho e as sua reivindicações.

E quando um partido, que se diz socialista, acha que não só pode ignorar a voz da rua, como eleger como adversário os sindicatos que enquadram os protestos sociais, podemos estar perante um grave problema de autismo no PS e no seu Governo em relação ao pulsar da sociedade...”


São José Almeida – in “Público” – 10 de Março de 2007

Compreendam-me. Diria eu melhor que estas palavras insuspeitas?!...

segunda-feira, março 05, 2007

Culpados são os pobres?...

Como se sabe, o número de pobres, a nível mundial, está a crescer em proporção maior que o aumento da população. O que concluir disto?! Será que a riqueza está a causar a pobreza no Mundo? Como é possível?!... A resposta para mim é simples: pelo carácter predador do capitalismo e a cumplicidade activa dos governos e instituições internacionais.

É conhecido que, desde a segunda metade do século passado, os países do chamado mundo ocidental têm vindo a investir significativamente, nas regiões mais pobres da Ásia, de África e da América Latina. Como compreender então que a pobreza, a fome e as doenças endémicas, que assolam esses países?!...

Pois bem, julgo estar sobejamente demonstrado que o capital multinacional não tem como objectivo o desenvolvimento da economia do Terceiro Mundo, nem o bem-estar dos Povos. Move-se, sobretudo, segundo a lógica dos seus interesses, motivado pelos recursos naturais, pelos elevados lucros, pelos baixos salários, pela quase completa ausência de impostos e de regulamentos ambientais, ou direitos laborais e custos de segurança social nos países em que investe...

Mais grave, porém, é que os países dão cobertura, (quando não estimulam), as predadoras práticas do capital internacional. Por exemplo, o governo dos EUA subsidia o investimento externo, mediante a concessão de isenções fiscais e o pagamento de parte dos custos de transferências financeiras. Note-se, porém, que não é, em primeira linha, para que os consumidores tenham melhores produtos e mais baixos preços que as empresas multinacionais contratam força de trabalho barata em regiões remotas; investem, tão simplesmente, para aumentarem a sua margem de lucro.

No ano de 1990, por exemplo, os sapatos feitos por crianças indonésias, que trabalhavam 12 horas diárias, por 13 centavos à hora, tinham custo de produção de apenas 2,60 dólares, mas eram vendidos por 100 dólares ou mais nos EUA... Este o primeiro dado da questão: investimentos e lucros em função de mão-de-obra barata e desqualificada.

O outro (a)braço asfixiante das economias do Terceiro Mundo está na produção agro-industrial.

Tanto quanto é permitido conhecer, o cartel da indústria agropecuária dos Estados Unidos é generosamente subsidiado, pelo que se permite inundar o mercado mundial com os seus produtos excedentários e lançar na miséria milhares de agricultores dos países subdesenvolvidos. Com a agravante de que as melhores terras destes países são expropriadas e entregues a essas mesmas multinacionais agro-alimentares, que geralmente as convertem em terras monocultura e reduzem as áreas de cultivo tradicionais, base de alimentação das populações locais.

Mediante a deslocação das populações das suas terras e do saqueio das suas fontes de auto-suficiência alimentar, as empresas criam mercados de trabalho saturados de gente desesperada e forçada a viver em bairros de lata, a trabalhar por salários de miséria (quando podem trabalhar), violando tantas vezes as leis destes países sobre salário mínimo e a segurança social.

No Haiti, por exemplo, empresas gigantes como Disney, Wal-Mart e J.C. Penny pagam aos trabalhadores 11 centavos por hora, fundamentalmente, mulheres e crianças sem qualquer protecção social. Será, por acaso, que os EUA se recusam a assinar a convenção internacional para a abolição do trabalho infantil e do trabalho forçado? Ou serão antes pelas práticas de trabalho infantil das suas empresas, particularmente, daquelas que operam no Terceiro Mundo?!...

Mas também as instituições internacionais são responsáveis, ao menos indirectamente, pela espoliação de recursos e a miséria nos países considerados. Não podem por isso lavar as mãos e remeter o problema para o “funcionamento” das leis do mercado. Pelo contrário, as próprias instituições internacionais estão ao serviço da exploração pelo capital financeiro.

Vejamos.

Em 1944, as Nações Unidas criaram o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, sendo pressuposto que ambas prestem assistência e fomentem o desenvolvimento económico dos países necessitados. A realidade, porém, é outra.

Desde logo, pelo “modelo” de organização. Como se sabe, o direito de voto é conforme as contribuições financeiras de cada país. Como é o maior "doador", os EUA têm voz dominante no Banco Mundial, seguida pela Alemanha, Japão, França e Grã-Bretanha.

Por outro lado, estas instituições são dirigidas, quase em segredo, por um grupo selecto de banqueiros e altos funcionários dos países ricos. O que significa que os principais interessados, ou seja, os países que são objecto da acção e programas destas instituições são completamente arredados da definição das políticas destas instituições.

Qual o “modus operandi” destes organismos? A receita é a mesma em todo o lado. Por exemplo, um país solicita um empréstimo ao Banco Mundial. O mais provável é que o País em causa, já endividado, não possa pagar os altos juros impostos nas condições do empréstimo; em sequência, porque não consegue equilibrar a sua balança comercial, mediante o aumento das exportações, ou por qualquer outra razão, vê-se constrangido a pedir um novo empréstimo.

Desta vez, porém, o FMI entra em cena e impõe um "programa de ajuste estrutural". Pressionam-se, então, os países devedores para que privatizem as suas economias e vendam, a preços escandalosamente baixos, os recursos naturais (minérios ou outros), os caminhos-de-ferro e outras infra estruturas, bem como muitos dos serviços públicos.

E são pressionados também a cortar os subsídios para a saúde, a educação, os transportes ou os alimentos, bem como a diminuir as despesas sociais, em nome do sacrossanto “deficit, quer dizer, com a finalidade de dispor de mais dinheiro para satisfazer os pagamentos aos credores e financeiros internacionais...

Pressionados, assim, a aumentar a produção para a exportação e a “cativar” os rendimentos disponíveis para pagamento da dívida, estes países tornam-se cada vez dependentes e incapazes de alimentar a sua própria população, num círculo vicioso de dependência. Os salários reais diminuem, a dívida externa cresce vertiginosamente, a ponto de absorver a totalidade dos rendimentos disponíveis, com o consequente empobrecimento colectivo e impossibilidade dos países satisfazerem as necessidades da sua população...

Claro que para justificar tudo isto se criam bodes expiatórios e alguns mitos. Entre eles, a corrupção e falta de democracia, iludindo-se a questão de que os países do Terceiro Mundo foram, durante séculos, colónias dos países ocidentais. Falta de democracia e corrupção?! Talvez... Mas então, se assim é, pobre “herança” a que o ocidente deixou nesses países...



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