segunda-feira, maio 07, 2007

Deixem o homem trabalhar...

Como se sabe, o Presidente da República, último garante da Constituição e do regime democrático, proclamou, perante o País, em sessão solene na Assembleia da República, a tese de que as comemorações da Revolução de Abril, seriam uma penosa rotina. E que, portanto, importaria “inovar”...

Ao presidencial bocejo, respondeu solícito, o Primeiro-Ministro, garantindo que o discurso do Presidente fora “adequado às circunstâncias”, o que deixa advinhar que, também para ele, Eng.º José Sócrates, as comemorações do “25 de Abril” são uma democrática sensaboria...

Compreende-se o enfado do Presidente, acolitado pelo Primeiro-ministro, na circunstância!... E, no entanto, “malgré lui”, a Assembleia da República é o local privilegiado da política, onde a vontade soberana do Povo se exprime na legitimidade da representação parlamentar. Mais do que isso: é o lugar simbólico da democracia em todo o seu esplendor...

Ao que tudo indica, porém, Sua Excelência considera a política, não como expressão nobre de devoção ao País, ou um desígnio de serviço público, mas antes o “mal necessário”, que os espíritos iluminados pela beatitude das virtudes do mercado, não poderão dispensar.

Sintomático, neste plano, que o Presidente se considere “não político”, quer dizer, um político “não profissional”, ignorando a velha máxima romana de que a política, na sua mais nobre expressão, é “otium”, mas nunca “negotium”. (Não quero cometer a indelicadeza de chamar à atenção presidencial para a utilidade em saber-se latim - como alguém, em tempos, terá lembrado - mas seria espectável um pouco mais de história... política!)

Que ele, Presidente, não goste como o 25 de Abril tem andado a ser celebrado, compreende-se, portanto. Se bem analisarmos, há muitos como ele. Com a vantagem, porém, de ter a comunicação a seu favor, para chamar a necessidade de “inovar”, em nome da juventude, pois claro!...

Entendo-o, perfeitamente, acreditem!... Querem coisa mais passadista que uns jovens capitães derrubarem um regime a cair de podre?!... Que Sua Excelência, consequentemente, teve o cuidado de ignorar na sua sapiente oração...

Acresce que, na Assembleia da República, apesar das gravatas e dos salamaleques, ainda se vêem nas lapelas muitos cravos vermelhos... Orquídeas, senhores, são bem mais expressivas da ideologia pequeno burguesa do sucesso a todo o custo, em que estamos mergulhados. Abaixo, portanto, os cravos vermelhos!

E, mais a mais, há discursos, na Assembleia da República, imagem!...

Discursos diversos, desencontrados nos seus objectivos e propósitos, cada um dos partidos teimando em dizer das suas razões, sem maneira de dizerem todos a mesma coisa! Como, por certo, mais agradaria a Sua Excelência, desde que, naturalmente, todos dissessem o que ele, presidente, entende que deveria ser dito, pois, bem se sabe, a diversidade gera confusão nas cabeças e as revoluções são sempre uma desarrumação da ordem bem alinhadinha.

E justiça se lhe faça, o nosso presidente é por um País arrumadinho, como demonstra no afã dos seus roteiros da inclusão. Sem lugar para heróicos capitães, nem para a pulsão libertadora e igualitária da Revolução de Abril...

Uma chatice, de facto, esta persistência nas comemorações do 25 de Abril!...

Sobretudo, nas ruas, nas escolas, nas agremiações de cultura e de recreio, nas autarquias locais, nas cidades e nos bairros, ampliando a celebração da memória, mas também o impulso para o futuro... Ali, ao lado, onde mora a juventude desempregada e sem rumo, o reverso dos jovens “topo de gama” com que a Sua Excelência nos acena...

Como eu compreendo, pois, o Presidente da República nesta sua cruzada de “inovação”...

Aliás este fervor estará certamente alicerçado em sólidas opções de juventude. Como se sabe, na altura própria, Sua Excelência não esteve implicado no 25 de Abril, nem nos seus antecedentes, nem nos seus imediatos consequentes. Teve para tal boas razões: estava a estudar!...

Talvez, por isso, não goste dos festejos de Abril tal como se têm realizado. Com discursos plurais na Assembleia da República, com muita gente nas ruas, com muito barulho e palavras de ordem reivindicativas e irreverentes...

Desta forma, como poderá o homem trabalhar, não me dizem?!...

18 comentários:

Peter disse...

Talvez Sua Excelência preferisse comemorar o 25 de Novembro ...

MS disse...

Sensibilizada pela tua visita!

Excelente semana!

Licínia Quitério disse...

E sua Excelência não assistiu à transmissão, na TV Galicia, do revigorante espectáculo de homenagem a Zeca Afonso onde portugueses e galegos celebravam o cantor de Abril, empunhando cravos bem vermelhos, cantando, pulando, abraçando-se. A FESTA que tanto enfada suas Excelências.


Deixo-te um cravo. Sempre.

hfm disse...

Gostei da fina ironia e concordo com ela. Transcrevo, contudo, esta frase:

" a Assembleia da República é o local privilegiado da política, onde a vontade soberana do Povo se exprime na legitimidade da representação parlamentar. "

e subscrevo-a mas, sinceramente, estamos a falar de uma VERDADEIRA Assembleia da República não da que existe no nosso país, verdade?

Klatuu o embuçado disse...

Eu já sabia que o senhor Aníbal ia dar um Presidente-corta-fitas... mas nunca pensei que o fosse tanto!

... e ainda mais gigantone de feira que o Ramalho Eanes! :)

Abraço.

isabel mendes ferreira disse...

desculpa.me: mas o homem trabalha??????????????



onde?

a fazer o quê?


:))))))))))))))))))



_________________beijos. preguiçosos....
______________________!

Maria disse...

Da próxima vez que me cruzar com ele (?) dou-lhe um cravo vermelho.
Só para ver a reacção....
Mastigar bolo rei eu sei que ele faz bem, e com uma bocarra. Agora trabalhar...
Que fará ele ao cravo?

Jorge Castro (OrCa) disse...

Não... Sim! Deixemos o homem trabalhar nessa labuta imensa da produção de representatividade... Enquanto entregue aos mecanismos acrisolados por onde vagueiam as suas circunvoluções cerebrais, talvez não fale!

Sim, que se ele fala é que é um desastre! Nem um bolo-rei o entope!

Ah, presidência representativa, quanto eu daria para assim representar, também eu, no meu labor diário: ponderando o que de mau foi, para o que de pior há-de vir!

Entretanto, caem as pétalas à roseira, como se diria nalgum poema chinês ancestral.

(É, é... Falando no Aníbal, ocorrem-me logo chinesices!...)

SÓNIA P. R. disse...

Festejar Abril já não faz sentido nenhum.
Lembra a brigada do reumático.

Anónimo disse...

O "porblema" é que Cavaco não é homem de Abril, nem de mês nenhum.
Aliás, nem ele nem a sua Maria conseguem distinguir um "calendário" de parede de uma reprodução da Maluda que têm na marquise da travessa do Possolo.

vida de vidro disse...

Como vês, já te disseram aqui que festejar Abril lembra a brigada do reumático. Pronto, eu até nem gosto de me meter com os outros comentadores. Mas penso que fala alguém que nasceu com todas as liberdades garantidas e que delas faz o uso que bem quer (desde que não agrida minguém).
Por esta vez, eu incluo-me orgulhosamente na brigada do reumático. A daqueles que sempre festejarão Abril da forma que bem entendem, no exercício da política ou na rua, independentemente da opinião do PR e das provocações de alguma juventude faz, de barriga cheia, como se costuma dizer. Pelo menos cheia de liberdade, ainda que talvez não o seja de outros direitos fundamentais. **

Bernardo Kolbl disse...

Que se dane a ranchada de 74 mais esta democracia podre.
Boa tarde e um abraço.

Cris disse...

E o nosso Jardim na Madeira, hein? há coisas que nunca mudam.

Beijinho
C.

Manuel Veiga disse...

agradeço à "Vida de Vidro" a generosidade do seu comentário...

que fazer, num espaço livre como se pretende este blog?

todos sabemos que até os rios das águas mais cristalinas - como é o 25 de Abril! - têm nas margens alguns detritos...

uivomania disse...

Diz-se que Portugal não soube aplicar o dinheiro vindo de Bruxelas. Ora, foi justamente nos governos de Cavaco que mais dinheiro entrou! Seria de questionar sobre o apregoado rigor e competência?!... O certo, é que o povo se chateou com ele e já não o quis mais no governo...
Passados estes anos, afinal, reconsiderando, o povo depositou novamente neste homem as suas esperanças e, eleva-o a presidente de todos os Portugueses!
... Quanto mais me bates mais eu gosto de ti?!...

Nilson Barcelli disse...

Percebo os teus argumentos e até subscrevo a maioria deles.
Mas... (tinha que haver um mas...)
A verdade é que, cada vez mais, há um divórcio entre as comemorações e uma parte significativa das pessoas, principalmente dos jovens, levando a que o espírito das comemorações e o verdadeiro significado e importância da revolução esteja progressivamente mais longe dessas pessoas. E tudo isto acontece apesar das inúmeras realizações que se fazem no 25 de Abril, conforme referes.
Se o diagnóstico é verdadeiro, isso implica a necessidade de serem feitas alterações, nomeadamente nas comemorações.
Mesmo não sendo um exemplo de virtudes, o Presidente talvez tenha querido dizer apenas que se poderia melhorar para que as comemorações tivessem maior impacto na população.
Houve uma altura (talvez 76/77) em que alguma esquerda, nomeadamente a sindical e o PCP, deu a entender que seria muito mais importante a comemoração do 1º de Maio do que a do 25 de Abril. Será que percebi mal?
De qualquer modo, eventuais alterações devem ser feitas com o consenso de todos, nomeadamente do parlamento e dos partidos.
Um abraço.

Manuel Veiga disse...

grato, Nilson, pelo teu inteligente comentário.

não sei se percebeste, bem ou mal, a importância do "25 de Abril" e do "1º de Maio" atribuída pelas entidades que referes.

sempre considerei que são sequência e "consequência" uma da outra data comemorativa. tão simples quanto isto!

abraços

PintoRibeiro disse...

Passei para deixar boa noite e um abraço.

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