terça-feira, junho 26, 2007

Anatomia de um perdão fiscal...

A notícia caiu-me na mesa com a imprensa de fim-de-semana. Nas páginas interiores, o jornal “Público” (Sábado, 23 de Junho, página 9) alertava que “uma desempregada quer processar o Estado porque um e-mail privado chegou à administração”... Luta titânica, pensei!... E, como compreendem, li até ao fim...

Em síntese. Uma fábrica, cuja marca ostenta o nome, certamente ilustre, de uma antiga família da alta burguesia do País, entrou em processo de liquidação por falência. Os trabalhadores – apesar de tudo, o “25 de Abril” existiu!... - procuram negociar os “salvados”, fazendo valer os seus direitos de indemnização pelos despedimentos.

E, neste quadro, uma funcionária enviou, em 18 de Março, aos serviços do Ministério das Finanças um e-mail questionando a circunstância de ter sido perdoada à empresa uma dívida fiscal de 600 mil euros. Poucos dias depois, a funcionária foi informada que o assunto fora encaminhado para a Secretaria de Estado do Tesouro e das Finanças. E nunca mais pensou no assunto, convicta de que a sua iniciativa haveria de cair onde acabam quase sempre as iniciativas cívicas deste género – no rol do esquecimento!...

Eis senão quando, a 11 de Maio, uma senhora doutora, administradora da empresa em causa, chamou a funcionária ao seu alcatifado gabinete, mostro-lhe cópia do e-mail, – faço notar! - enviado aos serviços do Ministério das Finanças e acusa a trabalhadora de falta de lealdade. Imaginem a cena e a doutora apopléctica...

A questão, porém, não se ficou pelo raspanete. Conta a trabalhadora ao jornal que “a doutora disse que eu tinha que ser penalizada e retirou 3500 euros à minha indemnização, como castigo pela minha irreverência e pela minha ousadia”...

Assim, sem mais. Para a solícita doutora (será de Direito?), não está em causa a veracidade e, porventura, o ilegítimo do perdão fiscal à empresa. Mas tão só a “irreverência e a ousadia” da funcionária, que pretendeu dos serviços do Estado o cabal esclarecimento. “Delito” que importava punir, com urgência. Por vontade imperial da senhora administradora. Sem ao menos o respeito formal pelas normas disciplinares e o direito constitucional de defesa...

Edificante, não acham?!... Mas existem, na notícia, outros aspectos não menos significativos do estado das coisas no nosso País...

Como admitir-se, por exemplo, sem um frémito de revolta, que o vínculo de confiança entre o Estado e os particulares seja quebrado e a correspondência de uma cidadã trabalhadora, certamente com os impostos em dia, seja conhecida na empresa em que trabalha(va) e colocada ao serviço da prepotência da sua administração?!...

Já se sabia que, hoje em dia – triste sinal dos tempos –, se verifica cada vez mais estreita osmose entre a política e os interesses económicos dominantes. Não surpreende, por isso, que o aparelho do Estado esteja, sobretudo, ao serviço dos grandes interesses dominantes, num processo de corrupção larvar, que vai inquinando a nossa vida colectiva.

Sabia-se mesmo, que, na administração pública, se notam, aqui e além, ressurgências de “bufaria”, de má memória. Para agradar ao chefe ou para ajustar contas com o colega... Mas descer a “bufaria” à pouca-vergonha de violar correspondência individual de uma trabalhadora para a colocar ao serviço dos interesses privados tão mesquinhos, vai uma distância inaudita...

Claro que a funcionária, após 22 anos de trabalho na empresa em questão, se encontra no desemprego. E com uns milhares de euros a menos na sua indemnização. E agora muito justamente se indigna. E brada que irá processar o Estado pelos prejuízos morais e materiais causados...

Esperem-lhe pela sorte...










21 comentários:

Maria P. disse...

Pois...cuidado com a irreverência e a ousadia!
Mas há riscos que se devem correr.

Beijinho*

Maria P. disse...

E com alguma ousadia e sem perdão, digo que a Casa de Maio escolheu o Relógio de Pêndulo como um dos 7 eleitos.

Bjos*

vida de vidro disse...

O caso em si é incrível, sobretudo porque a funcionária estava a exercer um direito, até porque os seus interesses e dos seus colegas estavam em jogo. Se é absolutamente claro que foi o Ministério das Finanças a informar a empresa, então passamos para um caso bem mais grave, de aparente conluio que é inadmissível. **

Anónimo disse...

os parabéns são recíprocos!!!!!!!!!!!!


do coração...


escolher não é fácil.

e "sabia" que serias uma das...


beijo.


e sobre o post...vi tb a notícia...e já tão pouco me espanta

neste desgoverno...

beijossssssssssss.



(piano)

Frioleiras disse...

E... continuo a ler-te !

o Reverso disse...

já tinha conhecimento.
nunca é demais que venham a lume, aqui também.
25 DE Abril, fazer um novo?

PintoRibeiro disse...

Lapidar, lapidar...
Excelente K'mrd.
Bom dia e um abraço,

M. disse...

Desculpas-me se não te disser nada hoje? Já não é mau só espreitar, pois não ?

hfm disse...

Já nada me espante neste nosso Portugal nos pequeninos; mas ainda me arrepia!

Anónimo disse...

afastei-me do mundo dos blogues, por causa dum insulto que sofri dum individuo que tem o ego maior que o Mundo.

Como em determinada altura não visitei o blogue dessa pessoa, teve o desplante de deixar vários comentários negativos, queixas e lamúrias, até na minha caixa de correio.

Como não alimento vaidades, resolvi fazer uma cura sabática e retirar-me.

Eis o motivo da minha ausência. Não é nada consigo, mas agora, aos poucos creio que vou voltar, mas somente para visitar meia dúzia de amigos. Um abraço.

Anónimo disse...

Queres ver que temos que ir buscar alguns PIDES aos lares de terceira idade para darem formação?
Ao menos estes faziam as coisas com profissionalismo e limpeza...
Abraço.

un dress disse...

por acaso acho que já não há como transmitir em palavras tanta indignação ...

o certo é que aí estamos ... sempre possíveis objectos a julgamento ...

mas sim, o pior é o estigma do silêncio. e por isso ainda bem que falamos...


*

Gi disse...

Tive conhecimento da notícia. Não que seja isenta de defeitos mas posso dizer que não tenho vergonha do que quer que seja que tenha feito mas fico envergonhada ao ver determinadas atitudes. Esta foi uma delas.
Depois ainda os há sem vergonha nenhuma. Deverá ser o caso dessa senhora administradora da empresa. Como não ficar indignado? Não deveria agora o Ministério das Finanças pagar à funcionária uma indemnização à laia de desculpa por fuga de informação?

Isto não faz notícia em todos os telejornais. Não é apito dourado ...

Bjs

achama / Sonia R. disse...

Em Portugal tudo é possível.

manhã disse...

essa empresa tem certamente tratos demasiado íntimos com o Estado, parece-me conluio do mais reles, uma espécie de big brother do poder sobre os seus súbditos!

beleza de mulher disse...

é assim mesmo

sonhadora disse...

Passa pelo meu blog.
Tens lá um miminho.
Beijinhos embrulhados em abraços

sonhadora disse...

Passa pelo meu blog.
Tens lá um miminho.
Beijinhos embrulhados em abraços

Maria disse...

Vi a notícia. Nem queria acreditar....
Que o poder económico manda no poder político, já sabíamos.
Que havia bufos, também.
Que o próprio Estado era bufo.... ainda não....
Haja VER-GO-NHA!

Um beijo

Jorge Castro (OrCa) disse...

A bufaria nunca deixou de existir. Hibernou quando os tempos não eram de feição, ou mudou de camisola, buscando outros padrinhos, mas nunca desapareceu.

Claro que esta "cultura" vive muito dos estímulos. E quando é devidamente estimulada, ressurge, refulgente ao sol, qual lesma tardia...

Preocupante está o momento em que vamos mergulhando: o do patrocínio, ao mais alto nível, do bufo, que neste caso paradigmático é o próprio estado!!! O estado a fazer um "jeito" despudorado a quem efectivamente nele manda.

Tristes dias, com tais trastes!

Um abraço.

Klatuu o embuçado disse...

Big Brother!... mas tão «pequenito»... como é próprio dos «grandes» ditadores!

Abraço.

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...