quinta-feira, julho 19, 2007

Outras Leituras: Erasmo de Roterdão - "Elogio da Loucura"

(...)

“Graças a mim - a Loucura – podeis ver por toda a parte homens que atingiram a idade de Nestor e já mal parecem homens, balbuciando senis, desdentados, de cabelos brancos, ou calvos – melhor nas palavras de Aristófanes “sujos, curvados, desprezíveis, enrugados, calvos, desdentados, impotentes". No entanto, continuam tão contentes com a vida que, na ânsia de “serem jovens”, um pinta o cabelo, outro cobre a calvície com uma peruca, um outro usa dentes postiços, eventualmente de porco, outro ainda é louco por uma rapariga e supera qualquer jovem na sua patetice amorosa. Qualquer velho esquelético com pés para a cova pode hoje casar com uma jovem de tenra idade, mesmo que esta não tenha dote e esteja pronta para satisfazer outros – é prática comum, algo de que quase se vangloriam.

E é ainda mais divertido ver mulheres velhas, que mal podem arrastar os pés, com ar de cadáveres, que parecem ter-se erguido da campa. Continuam a dizer “a vida é boa”, sempre com cio, “farejando o bode”, como dizem os Gregos e contratando, por meio de grandes somas de dinheiro, algum jovem atraente. Passam a vida a pintar-se, a mirar-se ao espelho, a depilar as partes púbicas, expondo os seios flácidos e tentando despertar o desejo frustre com vozes trémulas e gemidas, enquanto bebem, dançam entre as mais jovens e rabiscam os seus bilhetes amorosos.

Tudo isto provoca o riso geral por ser uma absoluta loucura; mas, entretanto, vivem plenamente satisfeitas, numa doce fantasia e é a mim, a Loucura, que devem toda a felicidade. Quem considera isto é ridículo deve considerar se prefere passar uma vida adocicada por esta loucura ou andar à procura do proverbial ramo para a forca.

O facto de uma tal conduta ser mal vista em nada afecta os meus loucos, pois, ou não se apercebem de que algo esteja errado ou, se tal acontece, não dão importância. Se uma pedra nos cai na cabeça, provoca sérios danos, mas a vergonha, a desgraça, o opróbrio e os insultos não fazem mal, se deles tivermos consciência. Caso contrário, não nos sentimos minimamente beliscados. Que mal é que faz sermos vaiados por toda a assistência, se nós próprios nos aplaudimos? E só a Loucura torna isso possível... “

(...)

Erasmo de Roterdão – in “Elogio da Loucura” – Ed. SorpPress – pags. 47 e 48
.................................................................................................

Sejam loucos, mas sem exageros, peço-vos. Pois também a Loucura já não é o que era: a “Silly Season” normalizou-a!...

16 comentários:

vieira calado disse...

Li o Elogio da Loucura quando tinha uns 15 ou 16 anos.
Foi dos livros que mais me marcou, para toda a vida.
Quanto ao que me diz, no comentário ao meu poema A Uma Deusa Terrena, bom!... pois é como diz...
E não digo mais nada.

hfm disse...

E estamos em plena "silly season" e de que maneira...

M. disse...

Chega bem a propósito este texto.

tardes mágicas disse...

"Com o favor da minha inspiração, os príncipes descansam tranquilos sobre o seu destino e sobre os seus ministros (…)
Não se pode negar que usem de cautela na aplicação dos impostos, pois alegam sempre títulos de necessidade, pretextos de urgência, e, embora essas exacções não passem, no fundo, de mera ladroeira, esforçam-se, todavia, por encobri-las com o véu do interesse público, da justiça e da equidade. Dirigem ao povo belas palavras, chamando de bons, fiéis, afeiçoadíssimos os seus súbditos, e, enquanto furtam com uma das mãos, acariciam com a outra, prevenindo assim os seus lamentos e acostumando-os, aos poucos, a suportar o jugo da tirania."

Actual, não? :)

PintoRibeiro disse...

Ah, parecia um retrato da blogo.
Bom fim de semana, abraço.

un dress disse...

que sim:

tudo é apropriável.

no escape...





beijO

manhã disse...

olha, este Erasmus sabe...nós também, que mais vale sê-lo que parecê-lo, e que se daí não vier mal ao mundo que se danem os bons costumes, que possamos todos usufruir da loucura! A consciência é uma forma maquiavélica de normalização!bom texto!

o Reverso disse...

acho que nada é mais importante na vida do que ser-se feliz.
se eles, assim, o conseguirem, que sejam muito felizes....
eu ando a tentar, à minha maneira.
que todos o consigamos.
um abraço.

José Leite disse...

Ao ouvir agora na TV as peripécias das manas Salgado (Carolina e Ana Maria...) não posso deixar de associar este belíssimo texto às peripécias amorosas do d. Juan que está por detrás deste "filme" de contornos tragi-cómicos!

Enfim, "a História repete-se!"...

MS disse...

Uma dose suave, 'sóbria' de loucura... oh God!!... precisamos dela para fazer face a tanto q nos desgasta!

Este texto, q conhecia, é deveras 'corrosivo'... e ñ vejo/sinto Erasmus só como espectador...

Sempre actual!

Muito sensibilizada por todo este tempo último q fraterna companhia me tens feito e por isso, gostaria [se quiseres, se te sentires bem com o gesto] que passasses em 'fragmentos'...

Frioleiras disse...

Sabes, quando andava a estudar...
Erasmo de Roterdão era...
um dos meus ídolos !!!

Bj

F

Frioleiras disse...

E...
na mesma altura...
adorei o Thomas Moore (Morus) ...
"A Utopia"...

Espaços abertos.. disse...

Este livro é uma obra de leitira obrigatória para quem adora ler como eu.
A consciência do Homem é uma faculdad em constante mutação.
Bom fim de semana
Bjs Zita

Mar Arável disse...

QUNTOS SÃO VOCÊS AÍ DENTRO?

Disse alguém do interior das grades do júlio de matos
para um ser dito normal a passear livre na avenida

Pérola disse...

Olá! Peguei na pista quando visitei o António, e aqui estou eu, apoiando o "Elogio da Loucura". Da consciente forma de loucura que todos que se sentem livres de mordaças sociais, sabem aproveitar para ser felizes, não deixando que a crítica altere o seu rumo. Bela escolha.

Menina Marota disse...

Anda muita gente a precisar de ler ou reler Erasmo... diria que continua a ser o retrato fiel de muitos...

:-)))

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...