O célebre “Por qué no te callas?” percorre, com frémito, o mundo lusitano!...
Desde o mais boçal taxista, ao mais sofisticado comentador, não há ninguém que se dispense, na matéria, ter opinião. Para louvar – hélas! – o brioso feito do monarca espanhol, mandando calar o semi-índio que, no outro lado do atlântico, por vontade do seu povo, é presidente da República da Venezuela...
Compreende-se esta pulsão cor de rosa pelo Bourbon de Espanha, feito monarca por decisão do generalíssimo Franco... Hugo Chávez é feio, faz voz grossa e - pecado dos pecados! – não desiste de, por processos democráticos, alcançar uma sociedade mais justa para o seu povo. E para a América Latina. Nem que para isso tenha que enfrentar os poderosos e dizer algumas verdades duras como punhos...
Bom seria que a nossa complacente comunicação social, para além da leitura da imprensa cortesã, que se publica em Espanha, estivesse mais atenta a tudo o que se publica no País vizinho, sobre o incidente verificado no decurso da XVII Cimeira Ibero-americana.
De facto, se é verdade que todos os periódicos espanhóis ligados à corte cerraram fileiras para defender o monarca, importa também conhecer, por exemplo, que o diário El País, em editorial, mostrou preocupação pelo contínuos incidentes que o monarca protagoniza, defendendo que “a figura do rei não deveria estar por mais tempo no primeiro plano político”. Embora, no caso concreto, um pouco contraditoriamente, reconhecesse que o monarca “esteve no seu papel”.
Mas, para além do incidente, o que deveria, sobretudo, fazer reflectir os cidadãos interessados, são as duras acusações de vários representantes de países sul-americanos às empresas espanholas e a determinados comportamentos da diplomacia espanhola, nos respectivos países.
Por exemplo, quanto à intervenção a embaixada espanhola em Caracas no golpe militar contra Chávez, em 2002. Está provado que aquela embaixada recebeu instruções precisas do presidente Aznar, em convergência com os Estados Unidos, para apoiar o golpe. No entanto, Hugo Chávez era na altura, como hoje, presidente legítimo da Venezuela, eleito por sufrágio dos seus concidadãos.
Por outro lado, Daniel Ortega, acusou directamente a diplomacia espanhola de intervir nos processos eleitorais da Nicarágua e de colaborar com a direita naquele País para evitar o triunfo da Frente Sandinista.
Deveriam também ser motivo de grande preocupação as denúncias feitas contra a União Fenosa, acusada de utilizar métodos dignos de gangsters na América latina. Ou a palavra honrada do “moderado” Presidente Néstor Kircher ao criticar, com dureza, a abusiva actuação das empresas espanholas na Argentina.
A nossa comunicação social, que rasga as vestes e se cobre de cinzas, perante o qualificativo de “fascista” lançado por Chávez a Aznar, acha bem que Aznar, então presidente do Governo de Espanha tivesse chamado a Chávez “novo ditador”, ou tivesse falado do “regresso ao nazismo”, ou tivesse acusado o Chávez de ser defensor do “abuso, a tirania e o empobrecimento”, entre outras expressões de igual teor.
Juan Carlos Bourbon, monarca de Espanha, em gesto imperial, pretendeu fazer calar Chávez. Mas porque se sentiu ofendido com as criticas de Chávez a Aznar? Em verdade, como, cada um de nós, deve qualificar alguém que apoia golpes militares para destruir as instituições democráticas? Na Venezuela, ou de qualquer outro País...
Tenho, para mim, que o gesto irado de Juan Carlos de Bourbon, tentando fazer calar o Presidente venezuelano, usurpando as funções de quem presidia à reunião e ausentando-se depois, não abonam a seu favor como chefe de Estado.
Talvez, por essas e outras, se levantem, em Espanha, cada vez mais vozes, reclamando a instituição da III República.