sexta-feira, janeiro 04, 2008

O Galo de Barcelos ao Poder!...

Como se sabe, o Presidente da República ocupa o vértice da pirâmide do poder de Estado e o lugar simbólico de representatividade do Povo e da sua História. E também a soberania do Estado e o espaço mítico que lhe define os contornos e lhe plasma a razão de ser. Esta vocação transcende a própria individualidade de quem, em cada momento, desempenha a função presidencial.

Como conta Fernando Pessoa, na sua "Mensagem”, o homem do leme exclama ante o Adamastor: “...aqui ao leme sou mais que eu/sou um Povo que quer o mar que é teu/(...) sou a vontade que me ata ao leme/ de El-Rei D. João II...”. Quer dizer, a vontade da Povo, fonte da soberania e do poder, que coloca ao leme da Pátria os seus legítimos representantes, escolhidos por sufrágio universal, como é de bom timbre, em democrático sistema republicano. Para prosseguirem na senda do progresso social e da justiça...

Nem sequer, na actualidade, se esperam mares "nunca antes navegados" – basta-nos o respeito pela História e pelo Povo que representam... De facto, nesta crise deletéria da nossa individualidade como País, os símbolos nacionais pouco valem. A bandeira, mais que símbolo de Pátria, é apenas ícone pop, que o futebol projecta; e o hino há muito que deixou de ser escutado, fora das pífias cerimónias oficiais que mereçam a presença do chefe do Estado, ou em eventos desportivos, receando-se que as palavras e o seu significado histórico sejam debitados sem se lhes perceberem o sentido...

Assim, a valorização simbólica da função presidencial, deveria ser cultivada com esmero, sabido que estamos a ficar, cada vez mais, órfãos nacionalidade, face à deriva federalista da integração europeia e ao sistema sócio-político dominante, que a promove. Doutra forma, corremos o risco de sermos, cada vez mais, expatriados na própria Pátria, sem referências, nem valores que nos fortaleçam ante as (in)esperadas procelas... Por outras palavras, a perfeita osmose com os anseios do Povo deveria ser razão e fundamento do magistério presidencial...

Neste contexto, que dizer da mensagem do senhor Presidente da República, proferida por ocasião do Ano Novo?!...

Não constituem surpresa os pródigos elogios à recente presidência da União Europeia e ao Tratado de Lisboa. É conhecido o pensamento político de Sua Excelência e não será em matéria europeia, certamente, que o governo deixará de ter todo o apoio presidencial.

Contudo, face ao crescente divórcio dos cidadãos da vida pública, talvez a dignidade da função de Presidente da República – preso ao leme de capitão – exigisse, para além do seu próprio pensamento, que fosse recordada a promessa eleitoral do primeiro-ministro e do partido socialista de promoverem o referendo para ratificação do Tratado, conhecida como é a evidente transferência de soberania para os órgãos comunitários. Pois não é Presidente da República o primeiro provedor da vontade do Povo e o principal garante da soberania nacional?!..

Seria exigir muito, dir-me-ão. Estou tentado a concordar e a acentuar a ironia...

Mas não é verdade que a mensagem presidencial se referiu às angústias do nosso quotidiano – os males da saúde, da educação, da pobreza e do desemprego? Não se mostrou Sua Excelência insatisfeito com a performance do desempenho da economia? Porventura, não apelou o Presidente à caridadezinha da inclusão social? E – chovam hossanas e graças! – não se indignou com os “altos salários de dirigentes de algumas empresas”, face a média dos salários dos trabalhadores portugueses?...

E, claro, qualificou o nosso tempo como “tempo de esperança”...

Contudo, ainda antes da mensagem presidencial, o país era confrontado com o aumento de bens e serviços essenciais, muito acima da taxa da inflação, prevista pelo Governo, na base da qual se definem os salários. Aumentos do pão, dos transportes, da prestação da casa, os preços da electricidade, da água, das taxas moderadoras do sistema de saúde? Enfim, aumentos nos preços dessas “miudezas” que são bens essenciais a milhares de famílias portuguesas, excluídas de qualquer esperança...

Pretenderá o professor de Economia fazer-nos acreditar que estas questões se resolvem com no escândalo dos altos salários dos gestores?!...

Demagogia, portanto? Sintoma do indisfarçável mal-estar do país, que obriga o Presidente da República a demarcar-se? Estou tentado a subscrever... Para além disso, porém, são cócegas políticas que fazem o gozo do engenheiro Sócrates, mais que incómodo!...

Querem melhor legitimação que um grilo, na orquestra, em toada dissonante?!...

Claro que para tanto, não necessitamos de um Presidente da República! Bastava-nos um qualquer "cabeça de abóbora" ou o galo de Barcelos!... Sempre era mais genuíno. E cantaria melhor e mais alto!...

26 comentários:

Maria disse...

Para onde caminhamos?
Por quanto tempo mais aguentamos?
Bom fim-de-semana........

pentelho real disse...

por quanto tempo mais aguentamos?

indefinidamente, desde que haja futebol.

mdsol disse...

Dupont et Dupond (o vértice e o 1º)

:))

(e desculpe-me o anterior mensageiro mas o futebol (jogo) tem as costas largas...)

mdsol disse...

é evidente que o comentário anterior tem (pelo menos) uma gralha.

:)

Oliver Pickwick disse...

A fina ironia associada ao conhecimento das entranhas dos problemas. Excelente texto, caro Herético.
A propósito, se acaso tiveres mais algum desses galos de Barcelos sobrando por aí, será que poderia enviá-lo para nós, aqui no Brasil?
Abraços, e o melhor fim de semana!

Maria P. disse...

Que venha o Galo de Barcelos!

Beijinho e bom fim-de-semana*

isabel mendes ferreira disse...

:))))))))))))))))))
_____________________
_____________________.



Barcelos é em Portugal?


rss.


___________________.bom fim de semana...com galos e galinhas...ao poder.
assim como assim já nada se estranha.

______________________. (de comer e chorar por mais...? dixit...)
:))))

un dress disse...

o galito é mais etnográfico...e
mais genuíno...isso é verdade!

sem contar que pode ter a utilidade de...despertador!!? :)






beijO

Outonodesconhecido disse...

gosto muito do galo de Barcelos ;)
Bom fim de semana

Marinha de Allegue disse...

Feliz Ano Novo!!!.

Unha aperta grande.
:)

alexia disse...

Li o homem do leme e só me lembrei dos xutos...ainda bem que só passo aqui de vez em quando, ia acabar por te endoidecer:)

Bom Ano!

Graça Pires disse...

Eu diria também: o galo de Barcelos ao poder! Mas por que motivo isso me angustia? Gostava que o nosso país tivesse outra sorte, que não esta...
Um abraço.

Licínia Quitério disse...

Tempo de esperança?! E de fé?! Ah... e de caridade! Virtudes teologais. Quem as invoca? Porque não terminar a alocução com "mea culpa, mea maxima culpa"? Já agora...

Bom fim-de-semana.

Maria Laura disse...

Bem, eu não esperava nada diferente. Com todo o respeito que me meerce o cargo que ocupa, conheço a peça de outros carnavais... Mas, na verdade, quando ouvi as reacções dos diferentes quadrantes políticos concluí que, entre uns e outros, aquilo que foi dito foi realmente nada de nada em relação aos verdadeiros problemas da maior parte dos portugueses.
Então estou contigo: antes o galo de Barcelos! Tem muito mais cor... :))

hfm disse...

e assim vai este país sempre acomodado...

Paulo disse...

«Cum tacent clamant» - O silêncio é clamor. Significa que "quem cala consente".
Somos um país com humor ou plebeízado ou absurdo, como se pode aferir pelas figuras que representam a Patria e/ou o Estado: "técnicos de encantamentos"..qual flautista de Hemelim...
O galo de Barcelos e aquele «objecto» das Caldas, fazem parte do imaginário popular logo...têm direito ao "festim dos deuses" lá nos "corredores" do poder.
Entretanto os argumentos demagógicos dos heróis (?) da política,vão jogando com as paixões populares, vão captando-lhes mordomias, sinecuras, privilégios em troca de expectativas sempre defraudadas.
Abraço
Paulo

Flor de Tília disse...

Deixa ficar comigo a madrugada
É noite de lua cheia

abracinho

*
xi
*

Anónimo disse...

Entre o Galo de Barcelos e a figurinha desse senhor, venha o diabo e escolha!

Eu já não sou capaz... Mas, devo acrescentar, estão bem um para o outro!...

M. disse...

Gostei muito.

Jorge Castro (OrCa) disse...

Sim, também achei o discurso bastante pífio... Uma no cravo, outra na ditadura, dir-se-ia.

Não que me defraudasse expectativas, pois a sementeira de ventos que a personagem, enquanto primeiro-ministro, fez aqui há uns anos, promoveu muitas das actuais tempestades de areia socrática.

No entanto, fica sempre a esperança desse encarnar o símbolo e, nessa óptica, tudo ficou muito aquém do que seria devido.

Ainda que não seja despiciendo aproveitar as bandeirolas entremostradas, por onde talvez se divisem as 'contradições dentro do sistema', quem sabe?

Afinal, a esperança há-de ser a última a morrer.

Um abraço.

Peter disse...

Herético

Vou referendar o quê? Quando fui referendar a prática livre do aborto, sabia ao que ia. Aqui não sei.
Parece haver umas 20 pessoas que leram e compreenderam o texto do Tratado de Lisboa.
Como eu não me incluo nesse grupo dos 20 sábios ...

São disse...

Que nunca o os dedos te doam nem o computador se avarie!!
Que 2008 te seja leve!

Maria Queve disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
uivomania disse...

Socrates, governa o povo que o elegeu.
Abraço.

Gi disse...

Mais um excelente texto que coloca o dedo na ferida !

"cantar de galo" já ele canta apenas é menos colorido que o outro, o genuíno!

Um beijinho

Flor de Tília disse...

A lua quis inundar
a noite de prata feita
E encontrou no teu olhar
Laivos de paixão liquefeita

Os búzios sonantes de amor
Aos teus ouvidos cantavam
És feliz, meu sonhador
E os seus beijos soavam

*
abracinho
*

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