sábado, março 29, 2008

Um cidadão exemplar e a eterna espera dos comboios

O relógio da placa de desembarque da estação do Oriente, marcava 18 horas e 07 minutos. Era habitual ter que esperar um determinado comboio rápido, naquele horário e naquela estação, dez, quinze, vinte minutos, devidamente assinalados no painel electrónico, pelo que daquela vez estranhou a falta de informação adicional sobre o provável atraso. E o pacato cidadão, abrindo as comportas do seu optimismo impenitente, diz para os seus botões: - “Querem ver que, desta vez, o comboio cumpre o horário!...”

Mal houvera tempo de acariciar tão gratificante ideia e uma voz feminina, aliás agradável e bem timbrada, solta-se dos altifalantes, ecoando no branco-sujo da tarde e da espera : - “Senhores passageiros por motivo de avaria eléctrica entre as estações x e y, o combóio que tinha a sua hora de chegada prevista a esta estação às dezoito horas e sete minutos circula com atraso”...

Repetiu duas ou três vezes, a menina dos altifalantes, na sua voz aveludada e impessoal, com o correspondente pedido de desculpas “pelo incómodo causado” a informação, sem qualquer outro esclarecimento que pudesse atenuar a angústia da espera, já que proclamado atraso tanto poderia ser de alguns breves minutos, ou de horas ou – sabe-se lá! - ter a dimensão da eternidade...

Nos altaneiros painéis, também nada!... Lá continuava, gloriosa e seca, a indicação do horário oficial : 18 horas e 07 minutos!...

Que pode um cidadão fazer em semelhante emergência?!... Ou aceita paciente o seu destino, ou contraria a incomodidade, procurando saber o tempo disponível para o ocupar, de forma mais agradável do que percorrer, de um lado para o outro, a plataforma de desembarque duma estação dos caminhos-de-ferro...

Aliás, “ver passar os comboios”, como os leitores bem sabem, pode provocar vertigens perigosas. E, por enquanto, o pacato cidadão em causa não quer correr o risco de apanhar o primeiro comboio e nunca mais regressar, em desencantada imitação do “Homem Que Via Passar os Comboios”, tão brilhantemente descrito pelo escritor belga George Simenon... Eis, portanto, a razão íntima, por que desceu ao piso inferior, procurando indagar “de quem de direito” o tempo de previsível de atraso do comboio.

E, nestas coisas, há sempre que começar pelo princípio, sabido como é, de ciência certa, que ultrapassar, na cadeia do poder burocrático, um escalão, por pequeno que seja, queimar uma etapa, por irrisória que apresente, pode deitar por terra o paladino esforço de pretender, não melhor o mundo, mas tão só o modesto dever de emergir do caos...

À bilheteira, pois! - esse local mítico e (in)humano, aberto a todos os destinos e possibilidades. Felizmente, àquela hora havia pouca afluência. Que não, que não poderiam esclarecer, porém, metros adiante, encontraria o cidadão o “Gabinete do Utente (?)”, onde ficaria devidamente informado...

Agradeceu, então, como o melhor dos seus sorrisos, ao funcionário que o atendeu e seguiu, passos à frente, conforme indicado, para o reluzente e aprumado Gabinete do Utente.

Atravessou as portas envidraçadas, num estranho mal estar de quem pressente o seu estatuto de cidadão (embora pacato) degradar-se em simples utente e, à menina emoldurada em luzidia farda, que passados minutos se perfilou à sua frente, disse das razões da sua vinda, isto é, pretendia “saber qual o tempo previsível de atraso do comboio, que tinha a sua hora de chegada para ás 18 horas e 07 minutos, pois que...”

Preparava-se o pacato cidadão para aduzir razões, não sei se reais se inventadas, da sua vida pessoal para tornar mais premente a necessidade do esclarecimento, mas foi abruptamente interrompido, numa voz de falsete, deslocada naquele corpinho bem apessoado:

- “Então o senhor não ouvi os altifalantes?.. Se estivesse estado atento, saberia que se verificou uma avaria no sistema eléctrico...”

- “É justamente isso... – atalhou, num sorriso divertido o cidadão– o que pretendo saber é quanto tempo vou ter de estar à espera do comboio, já que os painéis de informação não esclarecem e a sua colega do microfone nada disse sobre o assunto...”

Que não sabia a hora da chegada, nem ninguém, naquelas condições, poderia desejar conhecer, mas ela “podia garantir que logo que a avaria fosse reparada os comboios entrariam de novo em circulação”, preparando-se a menina com voz de falsete para debitar, mais uma vez, a razão do atraso do comboio, que estava na avaria do sistema eléctrico...

- “Muito bem! – ironizou o cidadão – fico confortado com a ideia de que logo que a avaria esteja reparada os comboios voltarão a circular, mas há ainda um pequeno detalhe para esclarecer: qual o tempo previsível da reparação da avaria?!...E se a menina não tem essa previsão, faça o favor de a solicitar, pois não saio daqui sem ela ... “ – acentuou firme, num sorriso felino, o pacato cidadão...

Nesta fase do diálogo, a menina da reluzente farda, virou costas, balbuciando, por entre dentes, que não estaria para aturar não se sabe bem quem e desandou para o interior das instalações.

Resumindo, que o tempo não é elástico, nem a vossa paciência infinita: saiu, então, das alfurjas do Gabinete do Utente, um engravatado e distinto cavalheiro, que em roncar de mastim mal adestrado, se propunha “esclarecer de vez o assunto”, repetindo, “de uma vez por todas”, que não podia fornecer a informação solicitada sobre a hora de chegada do comboio e que, depois disso, o pacato cidadão sairia daquele espaço, “nem que fosse pela gola do casaco”...

Houve então necessidade de esclarecer o simpático cavalheiro, que cidadão em causa tinha carne velha e rija, pelo que, se fosse engolido, seria, necessariamente, muito indigesto;

que a empresa, com o atraso dos comboios, prestava mau serviço público, pelo que qualquer pessoa tem não só o direito, mas o dever de protestar;

que ele funcionário estava ao serviço dos passageiros e do público em geral, que não era dono daquele espaço e que tem o dever de tratar com urbanidade todos os ditos utentes, sendo certo que, no caso, apenas com firmeza, mas com correcção, foi pedida uma informação razoável...

E, afivelando o nó da gravata (que raramente usa) o pacato cidadão, saiu calmamente, não sem antes esclarecer que a comunicação social iria ter conhecimento do incidente.

Pasmem, criaturas! Momentos depois, gloriosamente, os painéis electrónicos anunciavam que o atraso do comboio seria de 40 minutos... Uma vitória de pirro?!.. Nem isso. Passaram de 40 para mais 40, os minutos, antes do comboio chegar...

-“Haja Deus!... Valha-nos a eterna espera dos comboios!...”, - desabafou para si, rendido, o pacato cidadão!...
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Bom fim-de-semana! Não percam a pacatez!... Caminhem a pé e por perto. Sem a espera de míticos comboios, que não há maneira de chegarem...

terça-feira, março 25, 2008

"O Tecido do Diabo"...

Sabemos que o traje faz o monge, ou que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Por outras palavras, o vestuário “fala” de nós e a moda é uma linguagem, a exprimir pulsões, desejos e interdições, individuais ou colectivas, explicitando tantas vezes o inconsciente na afirmação do gosto e das formas escolhidas, ou revelando as margens subversivas das atitudes públicas...

Com Barthes, (entre outros) aprendemos que todas as coisas “significam” e o mundo é uma linguagem ávida de decifrações: na arte, na política, na literatura, na música, na cozinha, no desporto...

Desde confins da Idade Média, as riscas transversais nas peças de vestuário – “o tecido do diabo” – tem uma explosiva carga simbólica, que apesar das múltiplas transmutações de sentido ao longo da história, ainda hoje se encontram impregnadas de múltiplas significações.

Deixaram de ser diabólicas, mas as riscas permanecem, como marca desvalorizante e, como tal, exibi-las, sobretudo no corpo, é ainda acto de “escândalo”, ou pretexto e estímulo de transgressão. Enfim, o “tecido do diabo” é manifestamente subversivo...

Dispenso-vos da longa itinerância das significações dos tecidos listrados. Limito-me a referir alguns dos aspectos mais marcantes...

A partir de meados do Séc. XIII, a longa lista de personagens (necessariamente más”), vestidas de riscas horizontais englobava todos aqueles que eram colocados fora da ordem social, quer devido a uma condenação (falsários, falsos moedeiros, perjuros, etc.), quer em virtude de enfermidades (leprosos, sarnentos, pobres de espírito, loucos), quer os que exerciam uma profissão inferior (lacaios, criados) ou profissão infamante (jograis, prostitutas, carrascos, ferreiros - que são feiticeiros! – carniceiros – que são sanguinários! – moleiros – que são armazenistas e causadores de fome!).

Todos estes indivíduos, por razões diversas, transgrediam a ordem social, “como a risca transgride a ordem cromática e a ordem do vestuário”.

Na heráldica, os escudos e brasões listrados são quase todos testemunhos de valores “negativos” e atribuídos a cavaleiros desleais, a príncipes usurpadores e aqueles cujo comportamento é cruel, desonesto ou ímpio... No Antigo Regime, a risca vertical torna-se aristocrática, enquanto a risca horizontal continua servil e infamante...

Tudo muda a partir de 1775. Com a revolução americana, a risca invade o universo do vestuário, da decoração e dos emblemas. É o início a risca romântica e revolucionária, nascida no Novo Mundo, mas que breve se expande a Europa, onde encontra terreno fértil, como símbolo de liberdade e ideias novas...

A bandeira “tricolor” é um tecido listrado... Esta qualidade nova, perdura até nossos dias, sem que, no entanto, a risca má desapareça. Bastará, a propósito, lembrar as riscas nos uniformes penitenciários. E, por outro lado, não é verdade, que tantas vezes riscamos de nossas vidas aquilo (ou quem) que nos faz mal, ou quem simplesmente nos é incómodo?...

Quer dizer, portanto, que hoje em dia, as riscas poderão ser valorizantes ou desvalorizantes, mas nunca serão neutras. Diz-se que Picasso, iconoclasta e subversivo, gostava de se exibir vestido de riscas e proclamar alto e bom som que, para boa pintura fazer, era necessário suar as estopinhas, em francês “se zébrer le cul” (à letra, “zebrar” o cú).

Adiantando caminho: o significado das riscas não desapareceu nos nossos dias. Já não designa o Diabo, como na Idade Média. Mas evoca, ainda o perigo (nos sinais de trânsito) e mantém a sua marca de exclusão, transgressiva da ordem e dos valores dominantes, quer na moda, quer na política, que em outras esferas sociais.

Recordo, por exemplo, o ineditismo do presidente da Bolívia, o cocalero Evo Morales, que tomou posse do seu cargo com as coloridas vestes da sua origem ameríndia e da etnia aymará. E levou a ousadia do gesto, ao ponto de ser recebido nas capitais europeias, não de casaca ou smoking, nem sequer de fato e gravata, mas com de vistosa camisola listrada com as cores de seu País...

(Em contraponto, lembram-se, porventura, de Sócrates na suas "corridinhas"?! Tão asséptico que ele corre!...)

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Na falta de melhor inspiração, depois das amêndoas da Páscoa, deixo-vos este texto, vagamente herético, inspirado na leitura do livrinho “O tecido do Diabo – uma história de riscas e dos tecidos riscados" - Michel Pastoureau – Editorial Estampa.

segunda-feira, março 17, 2008

De vez em quando um Poema!...

“DESCIDA DE CRISTO AOS INFERNOS”

“Por fim farto de dor, escapou-se o seu ser ao terrível
corpo das dores. Lá cima. Deixou-o.

E a escuridão aterrou-se sozinha (...)
- ainda agora vacila ao anoitecer

no seu esvoaçar o medo do choque
com o tormento esfriado. Escuro ar inquieto

perdeu o ânimo ao tocar o cadáver; e nos fortes
vigilantes bichos da noite havia letárgica aversão.

Seu espírito despedido pensava talvez ficar

inactuante na paisagem. Pois o acontecer do seu sofrer
era ainda bastante. Cheia de medida
lhe parecia a presença nocturna das coisas,
e como um espaço triste ele se expandia
por sobre elas...

Mas a Terra, ressequida na sede das suas chagas,

a Terra rasgou-se, e houve gritos no abismo.
Ele, conhecedor dos martírios, ouviu os Infernos

a uivar, ansiando consciência
da sua aflição consumada: que sobre o fim da tortura

(infinda) dele, a deles, contínua, se aterrasse,
pressentisse.

E ele precipitou-se, o Espírito, com o peso total

da sua exaustão: avançou apressado
através do olhar surpreso de sombras pascentes,

ergueu os olhos para Adão, apressado,
desceu apressado, desapareceu, brilhou e

apagou-se na queda
de profundas mais brutas. De repente (mais alto
mais alto) por sobre o centro de gritos espumantes, sobre a longa
torre do seu sofrer surgiu: sem fôlego,
parou, sem parapeito, proprietário das Dores.

E calou-se”.

Rainer Maria Rilke – Poemas – Atlântica Editora
(Tradução de Paulo Quintela)
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As divindades, calam-se!... E nós, humanos, também calaremos?!...

Boa Páscoa. Até breve...

sexta-feira, março 14, 2008

Revista da Imprensa - "O Céu Cada Vez Mais Longe"

“O Vaticano acaba de acrescentar mais seis ou sete pecados mortais à já longa lista de Gregório Magno. Ser santo nunca foi fácil...

Mesmo assim, desde que o Papa Sisto V decidiu, como hoje se diria, centralizar a santidade, criando um sistema de avaliação de Santos, já foram aprovados 2932. Num livro recente, intitulado “Como se faz um Santo”, o cardeal Saraiva Martins, perfeito da Congregação para as Causas dos Santos, explica o sistema de avaliação da santidade adoptado pelo Vaticano, que é ainda mais “científico” que todas as grelhas e quadros sinópticos “ma­de in ISCTE” com que o Ministério da Educação pretende, entre nós, avaliar a santidade dos professores.

Só que, se até aqui, para se ser santo titular não se podia ser guloso, preguiçoso, invejoso, avaro, orgulhoso, lascivo ou iracundo, a partir de agora passa a ser preciso, além disso, entre outras condições, não causar danos ambientais, não criar desigualdades sociais e não acumular riqueza excessiva...

Então e os empresários e banqueiros católicos bem sucedidos? O C02 dos carros de alta cilindrada?

E os despedimentos? E as “deslocalizações”? E os dividendos? Agora, para chegarem ao topo da carreira da santidade, os ricos vão ter que trazer sempre consigo um padre assessor que os absolva de cada vez que fazem um negócio”.

Manuel António Pina – in “Jornal de Notícias” de 14.03.2008
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Bom fim-de-semana! Cuide da vossa santidade que a vida está difícil!... Até para os santos!

Seven... or Else

Sete pecados? apenas?...

terça-feira, março 11, 2008

In Memoria...


Rogério Ribeiro morreu Segunda-Feira, dia 10 de Março, com 77 anos, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, devido a complicações cardíacas, revelou à Agência Lusa. O Partido Comunista Português, em comunicado público, recorda Rogério Ribeiro como “uma das figuras maiores da arte portuguesa, de excepcional e multifacetada personalidade criadora".

“Ao legado da sua imensa obra plástica junta-se o do seu incansável trabalho de construtor e dinamizador cultural, o do pedagogo entusiasta, o do combatente político pelas causas da emancipação humana, o do resistente e dirigente comunista", - acrescenta o comunicado.

Natural de Estremoz, onde nasceu a 31 de Março de 1930, Rogério Ribeiro formou-se em Pintura na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa.

Antifascista, foi preso em 1958 pela PIDE e foi-lhe então negada autorização para exercer o cargo de assistente na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, onde mais tarde veio a dar aulas.
O escultor e pintor participou no Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil e nas lutas estudantis de 1962. Em 1975, aderiu ao PCP, tendo sido membro do Comité Central. entre 1983 e 1992.
Desde 1993, era director da Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea de Almada.
Do artista, existem pinturas em azulejo no Fórum Municipal Romeu Correia, em Almada, na estação dos comboios de Sete Rios, em Lisboa, na estação do metro de Santa Lucía, em Santiago do Chile e no Arquivo Histórico Municipal de Usuqui, no Japão.

São da sua autoria as ilustrações do livro "Até Amanhã Camaradas", de Manuel Tiago, pseudónimo do antigo líder comunista Álvaro Cunhal. Ilustrou também obras de Fernando Namora e Alves Redol.


Foi sócio-fundador da Gravura — Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, onde desenvolveu intensa actividade como gravador. Trabalhou em cerâmica e tapeçaria por encomenda de particulares, empresas e organismos oficiais.


A sua obra, caracterizada pela permanente busca de novos caminhos expressivos, “nunca se afastou do essencial de um compromisso que marcou toda a sua vida e que foi com a liberdade e com os valores que mais genuinamente a simbolizam”, afirma, por sua vez, a Sociedade Portuguesa de Autores.



domingo, março 09, 2008

Uma história perversa...

Gosto de histórias perversas. Ou se quiserem de histórias sublimes, arrancadas ao luto da história, ou decifradas nas regiões ocultas do coração humano, malditas tantas vezes, sofridas como gestos luminosos, sublimando o tempo futuro... E, nelas, a Mulher, exorcista do amor e transgressora da norma e dos poderes masculinos...

Tantas vezes pela morte redentora ...

Ora, escutem “ la Lai d´Ignaure”, a história da vida e da morte de um cavaleiro medieval e de seus amores.

Ignaure vive no castelo de Riol e apaixona-se por dozes senhoras casadas que também aí moravam, com seus maridos. Amor correspondido por todas elas em segredo. Certo dia, as damas resolveram jogar a um jogo e escolheram uma, entre as dozes, para fazer de padre a quem as restantes confessarão o nome do amante secreto. Uma após outra, pronunciaram o nome do seu amado e todas nomeiam Ignaure.

Descoberta a identidade do único amante secreto, as damas da corte decidem vingar seu amor e preparam uma armadilha para Ignaure. Todas concordam em participar no que se advinha vir a ser uma vingança cruel e sangrenta. Por fim chega o dia em que Ignaure cai na armadilha e é cercado por doze mulheres em fúria, empunhado facas afiadas.

Porém graças ao seu belo porte e à sua inteligência, Ignaure consegue escapar da morte. Primeiro, confessa amar de igual modo cada uma das doze damas e depois aceita escolher apenas uma delas. Ignaure escolhe a que fez de padre, a mesma a propor o desfecho para o dilema.

Pouco tempo depois, um espião da castelão descobre o segredo de Ignaure e conta a história aos maridos que, por seu turno, decidem levar a cabo a sus própria vingança. Um dia os maridos surpreendem Ignaure com a dama que escolhera e prendem-no numa cela do castelo. Após deliberação entre eles, os maridos decidem cozinhar servir às esposas o coração e o pénis de Ignaure.

Ao saberem do trágico destino de Ignaure, as mulheres, na sua dor, recusaram-se a comer daí em diante e acabam por morrer, balbuciando o doce nome de Ignaure”.

in “História Perversa do Coração Humano “ - Milad Doueihi – Ed. Terramar
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Cuidado, minhas amigas, não deixem os vossos queridos maridos (ou namorados) atreverem-se na cozinha... Sabe-se lá o que poderão comer... rsss

Boa semana! Espero que se divirtam...

(Mas porque estranha heresia me lembrei eu desta história por ocasião do Dia Internacional de Mulher?!..)

quinta-feira, março 06, 2008

"Panelinhas"...

Sabem o que é “fazer panelinha”?!... Não?! Então, o professor explica. Ora, esguardai!...

Conforme as doutas opiniões do professor-comentador da RTP1, da noite de Domingo, 02.03.2008, terá havido uma “panelinha” (sem a designar como tal) entre o Presidente do CDS e o Secretário Geral do Partido Socialista, que, entretanto, foi desfeita, no ímpeto panfletário-parlamentar do deputado Paulo Portas, ao “perder o respeito” pelo Primeiro-ministro.

Fazendo fé no preclaríssimo catedrático, o compromisso seria, nem mais - tu não me chateias com as minhas trapalhadas políticas e eu ignoro as tuas minudências sócio-profissionais. E, assim, rolaria o Mundo... Esta, portanto, a panelinha entre as duas figuras públicas...

Porém, esta coisa de panelinhas tem o seu quê de regras. Deslaça-se um nó e desfaz-se toda a teia...

E o nó, no caso em questão, terá sido a circunstância do Ministro da Agricultura não estar pelos ajustes com ganância da agricultores da CAP - coutada política do CDS – sobre não sei que fundos comunitários, mas que se traduzem, certamente, em milhões de euros lançados na voragem insaciável da “lavoura” latifundiária...

Dai que o senhor Portas tenha chamado “caloteiro” (político, está bom de ver!) ao ministro da Agricultura, Jaime Silva. Claro que o ministro teve o arroubo de lembrar que ele, Paulo Portas, deve ao País explicações sobre vários casos suspeitos, que o CDS acumulou durante a sua permanência no Governo e que andam nas bocas do (pequeno) mundo português...

Gritou, então, o senhor Portas. Bateu o pé no Parlamento e, por entre anúncio de processo judicial ao ministro e alegações de “conversas de taverna”, exigiu do Primeiro-ministro que redimisse o Governo, desautorizando o senhor Jaime Silva.

O senhor Sócrates parece não se ter ficado excessivamente impressionado. E retorquiu que o senhor Portas, mais que ninguém, é dado a “conversas de taverna” e peixeiradas de mercado. Nada que o País não conheça...

Enfim, o caldo entornou-se. E, então, o senhor Paulo Portas “perdeu o respeito” pelo Primeiro-ministro. Estão a topar?!... Óbvia evidência que a “panelinha” entrou em pane, no dizer do mestre comentador...

E por aqui ficaríamos. Desta “panelinha”, para além do inevitável impulso no descrédito da política, nada de substancial que os portugueses pudessem cuidar-(se)! Enfim, a espuma dos dias que correm...

A questão, porém, é que, ao que parece, o senhor Paulo Portas é useiro e vezeiro em “panelinhas” com outra substância. De facto, os casos em que CDS vê envolvido, em razão da sua curta passagem pelo Governo, não saiem das páginas dos jornais.

E já não é apenas o “caso Portucale” e os sobreiros arrancados, ou os fantasiosos dos nomes dos mecenas do seu partido. Querem encontrar explicação sobre as razões das alterações legislativas, feitas por medida, para satisfazer os interesses do casino de Lisboa, promovidas e aprovadas por destacados dirigentes do CDS, então membros de um Governo da República...

No mínimo, como aliás tens sido feito por pessoas insuspeitas, é legitimo perguntar qual a razão de Estado que determinou o apoio ao chorudo negócio dos casinos. E quanto custou esse apoio. E saber, se no caso do casino de Lisboa, foram accionados os mecanismos e procedimentos sobre a concorrência e contratação pública.

Perguntas tanto mais legítimas e inquietantes, quando agora se conhece que as minutas de instrumentos decisivos para a decisão andaram de heródes para pilatos, quer dizer, dos gabinetes da Administração Pública para a sede da sociedade interessada, antes da assinatura do Ministro.

É lamentável, claro. Mas é esta a “moderna” forma de governação – a permanente negociação com os interesses privados, sem cuidar devidamente do interesse público e o mínimo escrutínio dos cidadãos, nem sequer dos restantes órgãos do Estado.

Porque uns senhores acham que o Estado é uma coutada ou património pessoal, que podem usá-lo a seu belo prazer...

Com franqueza, já nem sei que vos diga. Mais do que de panelinhas, se calhar trata-se de grandes caldeirões!...

domingo, março 02, 2008

Finis Patriae?!...

Um povo

imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso de alma nacional - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)

Uma burguesia

cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira e da falsificação, da violência e do roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)

Um poder legislativo

esfregão de cozinha do executivo; este, criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre - como da roda de uma lotaria (...)


Dois partidos

sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar”

Guerra Junqueiro - in “Pátria”

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Finis Patriae?!...
Nem tanto. Quero acreditar que País tem reservas de patriotismo para resistir. E mudar de vida...

"o que faz falta é avisar a malta/
o que faz falta é dar poder à malta"!...

Jose Afonso - O Que Faz Falta

... o que faz falta é acordar a malta!

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...