segunda-feira, maio 26, 2008

Um (certo) olhar sobre a pobreza...

Retenho, da imprensa do fim-de-semana, uma notável entrevista do Prof. Alfredo Bruto da Costa ao jornal “Público” de Sexta-Feira, 23.05.08, na sequência do estudo por ele coordenado “Um olhar sobre a Pobreza”. Ficamos então a conhecer melhor algumas verdades que suspeitámos, ou que todos sabemos, mas que, expeditamente, varremos para debaixo do tapete, não vão as visitas enegrecer os nossos pergaminhos de País desenvolvido.

De facto, não se podem ter veleidades de progresso económico e social, quando, para além das elevadas taxas de desemprego, se fica a saber que 52,4 por cento dos pobres em Portugal vivem dos rendimentos do trabalho, muitos dos quais com contratos escritos nas empresas em que laboram. Não quero invocar, em contraponto, a “imoralidade” dos altos salários de gestores. Interessa-me apenas acentuar o que outros têm dito e que, pela voz digna e insuspeita de Bruto da Costa, ganha agora expressão mediática – a economia formal e o modelo económico, assente nos baixos salários, constituem as causas maiores da pobreza endémica no nosso País.

Bem sei, bem sei... Conheço o argumento da produtividade e da qualificação dos trabalhadores. "Os salários são aqueles que a economia permite, face ao seu perfil de produtividade", não se cansam de gritar ministros e os nossos (salvo seja) cavallieri da economia e da especulação financeira. E, de tanto repetido, o argumento colhe. Porém, não tem sustentação. Funciona apenas como filtro ideológico...

Faz ou não sentido a pergunta ingénua, quer dizer, a pergunta empírica, que tantas vezes se faz, de que os trabalhadores portugueses são bons lá fora e maus cá dentro. Porquê?!... Os trabalhadores, no processo produtivo, apenas dispõem a sua força de trabalho e a sua inteligência. Será que serão eles quem maneja os processos de organização do trabalho? Digam isso aos nossos empresários e serão, todos vocês que me lêem, imediatamente despedidos... Democracia na empresas?!... Pfff... “Patrão há apenas um; eu e mais nenhum” - essa a cultura de muitos nossos empresários, cujos quadros mentais se mantêm no alvores do século XIX.

E a formação profissional? Não foram milhões que entraram no País com vista a “elevar a competitividade da economia portuguesa”? Em vez disso, engrossaram os cofres e a especulação financeira de nomes sonantes, que viram multiplicadas, enquanto o diabo esfrega um olho, suas escandalosas fortunas. Quem sabe se não serão os mesmos que, hoje, alcandorados nos lucros de alguma empresa petrolífera, continuam sugar, até ao tutano, os fracos rendimentos dos portugueses, no preço dos combustíveis!...

Por isso, não me venham hoje com as tretas da produtividade! Quem, nas últimas décadas, mantém o País a saque, tem a produtividade que melhor o serve – a da exploração desenfreada ao mínimo custo económico. A ganância como princípio universal...

Pois não é verdade que uma das razões da baixa produtividade é os baixos salários?... “Ou se resolve o problema do rendimento das famílias de outra forma ou se declara que nos próximos 20 ou 50 anos os salários continuarão baixos” – refere, com ênfase, Bruto da Costa para acrescentar que (...) “os pobres que estão empregados, por conta própria ou por outrem (são problema) que não se resolve com política social, é um problema económico...”

Pois é. É, portanto, uma questão de paradigma social e de um modelo de desenvolvimento económico, que há muito que se esgotou - acrescento de minha lavra...

Recomendo a entrevista, enquanto o estudo não é divulgado (será que vai ser?). Ainda há pessoas assim. Que “não se resignam” e são consequentes com o que pensam. E que rompem com modelos oficiais da “inclusão social” e da caridadezinha reinantes, colocando o dedo na ferida e nunca deixando que a árvore esconda a floresta...

Boa semana!...

34 comentários:

dona tela disse...

Olhe, eu tenho estado a ler com muita atenção o que o senhor escreveu. E não é que entendi que não tarda nada estou sem emprego? Isto faz-me muita aflição.
Mas que o diabo leve as tristezas. Venha lá dar uma voltinha ao meu blog.

Até já.

Unknown disse...

Não querendo mudar de assunto [creio que não será grande mudança...], no Público, de hoje, vem um artigo que me deixou curiosa: "Os professores vão muito ao psiquiatra mas, o seu principal medo é de ordem económica".

Depois, é ler...

Parece que, de um estudo realizado, o medo de ter alunos violentos, não está no topo da lista [afinal]...

O medo de ter esgotamentos, também não...

Medo é: o desemprego [como o mais comum dos operários e operárias]!

[Beijo... apreensivo, como o medo!]

Justine disse...

Excelente e importante, este teu post, H.! Necessário desmascarar por todos os meios a hipocrisia reinante, esclarecer para fortalecer,e tu estás a fazê-lo.Bem.

mdsol disse...

:)

Licínia Quitério disse...

São significativos e prestáveis estes "olhares", mas daí a exibir na íntegra o filme da devastação vai um largo caminho. É tão urgente dizer a VERDADE. E não me venham falar agora de metafísica. VERDADE é que as misérias estão a entrar pela nossa porta.

Obrigada por este espaço de informação e desabafo.

un dress disse...

beijO

[

sobre o tapete rasteiro da pobreza

e dos medos

e das suas mais que próximas asas


~

andorinha disse...

Só não vê o descalabro em que este país se encontra, quem não quer ver.
As desigualdades sociais são cada vez maiores, mas isso pouco apoquenta os nossos (des)governantes.

Tristes tempos os que vivemos.

Isamar disse...

Não foi publicado recentemente um relatório da União Europeia onde se dizia que Portugal era um dos países ou o país onde as desigualdades sociais eram mais acentuadas? Este teu post é bem claro sobre este tema. Caminhamos para o descalabro total, para a servidão dos tempos medievais onde uns só tinham privilégios e outros obrigações. Onde pagavam impostos os que pouco ou nada tinham, os que trabalhavam nos diferentes sectores da economia, os mais miseráveis.
Actualmente, o fosso entre amos e "servos" está a acentuar-se de forma assustadora e temo pelo panorama social, económico e político do século XXI.
Beijinhos

jrd disse...

O preço dos ricos está pela hora da morte. Cada vez são precisos mais pobres para obter um rico.

Mar Arável disse...

Nesta sociedade

o dinheiro está cada vez mais caro

e os valores

em baixa

isabel mendes ferreira disse...

apenas para dizer que gosto muito de o ver na minha amiga M.(Citadel).

é bom saber que aprecia uma escrita assim: poderosa.
_______________________.


cumprimentos.

_______________________.
( e dos ricos reza a história. ricos de alma e sabedoria)

Anónimo disse...

e penso que esta situação só tem tendência a piorar :( beijinhos *

Maria disse...

Excelente post!
É este o país em que o leque salarial vai de 1 para 80 ou 90, sendo que na sonae é de 1 para 196.....

Beijos, beijos

Anónimo disse...

Pués...
Ainda ontem o Medina Carreira as arreou no 'Pros e Contras', mas, ao q parece, o óbvio é um cão a uivar à lua!...
Faria bem um discurso empírico aos teóricos da floresta, q menosprezam a árvore.
No debate q atrás referi, foi proferida uma expressão q retive: «sendo a força laboral um produto económico em si, amiúde se esquece o invólucro: o ser humano»!
--
[Sou exemplo vivo de como as empresas desclassificam potencialidades. Pasme-se! Foi-me dito q a inteligência não era uma mais-valia, mas sim um empecilho, dado q as funções q desempenho exigem força bruta e não força fina!... Nunca antes me tinham tão certeiramente acertado nos brios.
Como diria outro irónico incomodativo "E esta, hein?!"]

Kisses da baby

manhã disse...

há quem diga que o problema da produtividade é das chefias e não dos que verdadeiramente produzem.concordo.
tens um desafio lá no blog.

com senso disse...

Seria bom mesmo que não nos resignassemos relativamente à pobreza e ao fatalismo de continuarmos a ser um país de grande passado, mas com pouco futuro.

luis lourenço disse...

Uma análise actualíssima e incontornável. Para onde caminhamos? O diagnóstico é dramático, mas as soluções ou não existem, ou são remendos, ou coisas de comédia...que não nos podem fazer rir, dada a seriedade da questões.

Abraço

Maria Laura disse...

Infelizmente, este é o tema do momento. Só é de lamentar que os principais partidos desta triste cena política utilizem este assunto como arma de arremesso, culpando-se um ao outro. Soluções inventivas, não "resignadas", precisam-se com urgência. Aqui e em todo o mundo.

Tinta Azul disse...

quanto a produtividade só posso, em rigor, falar por mim. De forma breve e pouco cuidada digo que tem, concerteza, muito a ver com as chefias - a todos os níveis - e com a cultura organizacional que são capazes de criar; com a inteligência de pôr cada um a fazer o que faz melhor e não tudo ao molho e fé em Deus.... e, evidentemente, com uma relação adequada entre o que se faz/como se faz/quanto se faz e o que se ganha; com distribuição de lucros por todos os trabalhadores nas devidas proporções.

O Puma disse...

É sempre bom constatar

que neste burgo

à gente séria

mariam [Maria Martins] disse...

dramático...(muito)
por divulgar/comentar/esclarecer...
(obrigada)

realmente... de brandos costumes somos...

um sorriso :)
(ps. e obrigª p`las palavras deixadas)

hfm disse...

1 abraco de Strasburgo.

batista disse...

a ganância se vale dos mais variados discursos - econômicos, religiosos... - para esconder sua face horrenda. a ignorância e/ou o desânimo de muitos impedem que a exploração do homem pelo homem se perpetue. o teu espaço, Amigo, areja, encoraja, incentiva - quem inda crê na luta contra o impossível: a possibilidade de um mundo diferente, melhor, onde todos possam apreciar, verdadeiramente, o quanto a vida é bela!
um abraço fraterno.

batista disse...

Errata:

a ignorância e/ou o desânimo de muitos impedem que a exploração do homem pelo homem TENHA FIM.

Graça Pires disse...

Ficamos sem palavras e a única coisa que me ocorre é que magoa um país assim.
Um abraço.

José Pires F. disse...

O problema é estrutural, e é, porque o busílis disto andar assim não são os trabalhadores, mas sim e sobretudo, os ineptos e incompetentes gestores deste carnaval porque, da eficiência trabalho-capital resulta a produtividade, onde a organização e qualidade de gestão se reflectem e que, muito deixa a desejar na maioria das empresas sendo o podium das PME. Ou seja, a globalização dos mercados, a rápida transformação da economia e a evolução tecnológica, determinam hoje em dia a relação cliente-fornecedor nos mercados e, é este desafio, complexo e sofisticado, que determina a sustentabilidade das empresas e o seu sucesso ou insucesso no assegurar ganhos de produtividade. Só que, isto implica gerir com excelência, com estratégia de longo prazo, desenvolvendo vantagem competitiva, explorando toda uma gama de factores para aumentar o crescimento endógeno que através das novas tecnologias é auto-alimentado e, aproveitando para competir nos sectores expostos à concorrência internacional numa economia de escala, em detrimento do turvo sucesso competitivo à custa do “Zé”.

Segundo o Publico, O preço do petróleo valia hoje quase menos nove dólares (5,75 euros) em Nova Iorque, face ao recorde histórico de 135,09 dólares (86,31 euros) atingido a 22 de Maio, reagindo ao efeito da queda do consumo de combustíveis nos EUA.

Veremos como a Galp e a Bp vão reagir.

bettips disse...

AINDA HÁ PESSOAS! (maiúscula é propósito, gritado), interrogado - sempre. Ao ler-te, uma espécie de alívio irmão.
(às vezes a gente sente-se só por repetir e encontrar o "que queres? é a vida..").
Bjinhos, meu caro
(por isso também volto sempre, a palavra e pela companhia...)

bettips disse...

Ah...esse tempo de anos 80... o saque! Em 90, foi o tempo da não-vergonha: instalar os filhos e afilhados, ratos de esgoto, à saída das empresas. Agora, é só tocar alaúde, que como dizem "não há oposição"... Deve ser para gozar!

Rui Caetano disse...

Um texto realista e profundo no seu dizer...

Oliver Pickwick disse...

Sob a égide do pré-falido neoliberalismo, amigo Herético, para contemplar a real extensão da pobreza é necessário um par de óculos tão potente, tão potente que ainda nem foi inventado.
Contudo, o diagnóstico exposto no seu artigo é certeiro.
Um abraço!

Mel de Carvalho disse...

"Pois é. É, portanto, uma questão de paradigma social e de um modelo de desenvolvimento económico, que há muito que se esgotou - acrescento de minha lavra..."

E acrescentou muito bem, em meu modesto entender. Penso que muito passa por aqui: um esgotar de modelo.

E nós, ficamos impávidos e serenos? Afinal ainda vamos estando empregados/subsidiados/entediados e amorfos? ... ou talvez não!!!

Obrigado Herético, por esta sua reflexão!

Excelente fim de semana, fraterno abraço,
Mel

Jorge Castro (OrCa) disse...

Como é evidente, a dura realidade é que importa.

Mas não deixo de me abismar com a pseudo-arrogância de formatados «analistas» da súcia neo-liberal, que todos se arrepiam quando alguém lhes vem dizer que já Marx e Engels bem diziam... Nem deixam acabar o raciocínio, arvorando aquele arzinho idiota de superioridade balofa, invocando a perda de actualidade de tais teorias. Eles, que trazem à arreata tanto conceito medievo, para levarem a água aos seus moinhos!

É uma batalha sem fim, meu caro. Mas há que travá-la.

Grande abraço.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Herético
É como dizes. Estamos em sintonia mas tu dizes melhor que eu. Os baixos salários e o desemprego são as grandes chagas das desigualdades. Mas há mais.

Abraço

M. disse...

Medonha, esta pobreza que prende com algemas a vida de muitos, excepto a sua grande coragem para sobreviver.

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...