sexta-feira, novembro 07, 2008

SEARA NOVA ...




Editorial - Portugal e a crise...

“A crise financeira no coração do sistema capitalista mundial é o mais marcante acontecimento do momento presente. A enorme injecção de dinheiros dos contribuintes norte-americanos na Wall Street, as falências de grandes bancos e outras instituições de crédito que já se verificaram nos EUA, as falências e ameaças de outras que ocorrem nalguns países europeus, as “nacionalizações” de emergência contrariando todos os dogmas neoliberais que os respectivos governos defendiam, o “aqui d' el rei” dos grandes da UE, são tímidas expressões da dimensão de tal crise.

É incontestável que a crise que se desenvolve no sistema capitalista tem a sua principal manifestação na esfera financeira, mediante a financeirização da vida económica nesta sua fase da globalização. Mas é ingenuidade situar a crise apenas no sistema financeiro ou atribuir a sua origem à ineficácia dos instrumentos de regulação ou à ganância do capital financeiro. Sem dúvida que aqueles falharam rotundamente e que é chocante ver as fortunas pessoais fabulosas que alguns gestores acumularam ou os elevados lucros especulativos do capital financeiro, umas e outros frequentemente a coberto de fraudes contabilísticas.

As crises capitalistas têm quase sempre a sua primeira manifestação na esfera financeira. Mas se agora olharmos não apenas a realidade superficial, descortinamos que se vem acentuando uma típica crise de superprodução, em que os mecanismos da reprodução capitalista foram alimentados por um artificial crescimento do mercado, principalmente através de uma desmedida e especulativa expansão do crédito.

Que dimensão vai atingir esta crise? Será que as anunciadas injecções de dinheiros públicos nas instituições de crédito privadas serão suficientes para normalizar o sistema financeiro mundial e os dos países mais afectados? Que áreas geográficas serão mais atingidas, quando a Europa parece estar apenas na primeira fase de contaminação e as designadas potências emergentes parecem menos contaminadas?

Num mundo tão globalizado como o actual, a regulação do sistema económico e financeiro, ainda que não ultrapassando contradições, o carácter autofágico ou a enormidade da exploração social de tal sistema, torna-se uma necessidade. A presente crise, especialmente pela sua vertente financeira, evidencia o carácter de tal exigência n
plano global. Será que os países poderosos estão disponíveis para a busca de soluções democráticas que envolvam toda a comunidade internacional? Vem-nos à memória as opções negativas do FMI, do Banco Mundial ou dessa instituição tecnocrática e ultra liberal que é o BCE ... Mas é certo que a mesma comunidade internacional foi capaz de criar a FAO, a OIT, a UNESCO...

E em Portugal?
(...)
Estas dificuldades, que atingem também as classes médias, recaem em especial sobre os trabalhadores e reformados, com os respectivos rendimentos reais médios a baixar e com aumento das situações de insegurança (desemprego, emprego precário, insuficiência dos cuidados de saúde ou da acção social pública, insegurança civil).
(...)
Na política social e nos campos económico e cultural são frustrantes os resultados da governação dos três últimos anos. Quão distantes se encontram as promessas da campanha eleitoral da realidade nos dias de hoje! O aparelho de Estado continua a revelar-se burocrático, pesado e em muitas áreas de escassa eficácia. Temos um país cuja estratégia é imposta pelo neoliberalismo dominante, a qual é responsável pela crescente perda de esperança do povo.

Se a alienação da consciência colectiva tão firmemente estimulada pelos poderes e pela maioria da comunicação social pode conduzir a uma diminuição das defesas perante comportamentos que agridem a democracia, o murmúrio de contestação às injustiças sociais e a resposta laboral firme às agressões dos poderes político e económico são os factores principais que poderão contribuir para a mudança de políticas que permitam melhor defender Portugal perante a crise mundial que se adivinha ainda longe do fim.

Não se subestima que, quaisquer que sejam as opções e as orientações, nunca será fácil vencer as enormes dificuldades que o país atravessa. Não só a crise europeia e mundial é forte condicionante das políticas portuguesas. Também a subordinação à UE, a política neoliberal e anti-social que esta prossegue, o leque de problemas que o alargamento a 27 criou, a dependência do euro, são questões que limitam a busca de caminhos para uma evolução mais favorável de Portugal.

Seja como for, só um alargado consenso social e político em torno da política nacional, do qual os trabalhadores não podem ser arredados, propiciará condições para o renascer da confiança e da esperança. O optimismo não renascerá de palavras de circunstância. Advirá de um conjunto de orientações compatíveis com a matriz constitucional. É tempo de dizer: não agridam mais a Constituição da República”
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22 comentários:

SILÊNCIO CULPADO disse...

Herético

Muito bom este artigo que ajuda a reflectir sobre a realidade do País e o contexto mundial em que a crise ocorre.

Vê a minha ignorância: apesar da Seara Nova ter sido para mim uma referência não sabia como adquiri-la actualmente. Não vou deixar de comprar.Obrigada pela informação.

Abraço

O BAR DO OSSIAN disse...

Podes postar no BAR, nada temos contra bons anúncios... mas se dedicasses um post à história da Seara, como resultante das contradições internas da Renascença Portuguesa - isso é que seria na mouche.

Abraço lusitano!

hfm disse...

Fez-me recordar outros tempos.

O artigo muito bom faz pensar apesar de não estar de acordo com tudo que aí está escrito, mas essa é a grande conquista da democracia.

Licínia Quitério disse...

Que a Seara seja farta e ajude a alimentar esta pobreza "emergente", como agora soi dizer-se.

Abraço.

Oliver Pickwick disse...

Prezado amigo, me permita discordar parcialmente deste texto. A famigerada crise é patrocinada, em primeiro grau, pelo sistema financeiro norte-americano e, em segundo, pelo da UE. A situação da Inglaterra, por exemplo, é quase cópia-carbono daquela dos E.U. (quanta solidariedade, hein?).
Lastrear a economia com títulos podres é um casamento com a falência irreversível, no início, tem até lua de mel, mas, posteriormente, o sabor é amargo.
Outro dia, o premier da Inglaterra sugeriu a participação do Brasil e da Rússia na cúpula da busca de soluções. Esses caras são engraçados, nos barram - em caráter permanente, no Conselho de Segurança da ONU, e agora, de chapéu na mão, querem nos surrupiar ainda mais.
Não tenho idade para isso, mas sou simpatizante da escola antiga: as máquinas das fábricas rodando a todo vapor, e a fumaça das chaminés (com filtros anti-poluição, é claro) criando desenhos de prosperidade nos céus.
Comodities, manufaturados e serviços, estes são os melhores lastros para qualquer economia. E, por consequência, as ações sendo negociadas nas bolsas. Infelizmente, a ganância não sabe disso.
Um abraço!

dona tela disse...

Convido para fazer uma experiência lá no meu sítio. Olhe que é muito giro!
Respeitosos cumprimentos.

Peter disse...

“O que os políticos odeiam nos blogues não são os disparates que às vezes vemos, nem são esses blogger que os políticos mais temem. O que eles receiam mesmo é a opinião livre, aquilo a que eles não estão nada habituados é que o cidadão comum faça chegar a sua opinião a outros cidadãos comuns, sem que essa opinião seja filtrada pelos assessores.”

(“Eles não gostam de blogues”, in blogue “O jumento” - http://jumento.blogspot.com/ Está nos n/links)

É um facto. Mas julgas que os nossos camaradas o comentaram?

Calados que nem ratos. É um facto que o Governo em Portugal é omnipotente e não perdeu oportunidade do demonstrar nacionalizando o BPN.

“A crise financeira no coração do sistema capitalista mundial é o mais marcante acontecimento do momento presente."

É um facto que desabará estrondosamente sobre a cabeça dos nossos incautos concidadãos em 2009.

Não sabia que a Seara Nova dos meus tempos de estudante ainda se publicava.

Manuel Veiga disse...

meu caro Peter,

publica-se, está de saúde e... recomenda-se!

abraços

Manuel Veiga disse...

meu caro Olivier,

O presente nº da "Seara Nova" inclui um interessante artigo de Luciana Lilian de Miranda, Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia (Minas Gerais, Brasil), intitulado “Uma leitura das relações entre Portugal e Brasil no início dos anos de 1920”.

se tiver interesse em ler é com prazer que lhe enviarei a revista.

abraços

Manuel Veiga disse...

meu caro Ossian,

vou pensar na tua sugestão.
grato

luis lourenço disse...

Meu caro herético!

a tua análise é tão lúcida e rigorosa...se as respostas, sobretudo em Portugal, ignorarem essas realidades de fundo que tão bem evidencias...que destino colectivo podemos ter? É urgente criar essa cosciência colectiva de valores sociais e humanos e não admitir que as políticas aplicadas as possam ignorar...

Grande abraço

Frioleiras disse...

muito bom, ler-te.......
chamo-te a atenção para o artigo dp Miguel Sousa Tavares, no Expresso da semana passada.

era excelente, tb...

bj

Unknown disse...

"É tempo de dizer: não agridam mais a Constituição da República”

Manchada está ela até demais...

Beijo

mariam [Maria Martins] disse...

Herético,
a comprar, concerteza!
obrigada p'la divulgaçao do endereço.

bom fim-de-semana
um sorriso
mariam

jrd disse...

Os pressupostos poderão ter sofrido algumas modificações. Mas a orientação deste editorial é de agora e de sempre, tal como é a Seara Nova.

vida de vidro disse...

A Seara Nova foi sempre uma referência para mim, levada que era para casa pelo meu pai... há quanto tempo! Gostei do artigo sobre esta crise que nos afecta a todos e que, na verdade, parece ter ao menos a virtude de nos fazer reflectir sobre o que está mal nos sistemas capitalistas actuais. Se conseguirmos sair desta, concerteza muito terá que ser modificado. Resta saber em que sentido e quais as "resistências" à mudança que se farão sentir.**

mundo azul disse...

Excelente o seu texto!


Beijos de luz e uma semana feliz!!!

éme. disse...

Obrigada!
Vir aqui é mesmo chegar a um lugar de notícias imprescindíveis! Mesmo quando o que é escrito não é, necessariamente, notícia.
Boa semana

Marinha de Allegue disse...

O paso por este o teu "Rélogio de Pêndulo" convida a reflexionar...

Unha aperta grande.
:)

augusto, um entre mil disse...

A crise em tudo e de tudo!

heatchclif disse...

Podemos! Preciso é querer
Vim através do Piano.

Boa tarde
Voltarei

jawaa disse...

Obrigada por nos trazeres estes momentos de lucidez.
Abraço

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