terça-feira, janeiro 13, 2009

O CULTO DA ÁGUA

a Terra. o Ar. o Fogo. a Água.

Destaco a Água. Pelo gosto da água. Pelo prazer da água. Pela presença da água: elemento essencial de Vida!

Dizem-me velhos tratados, (decifrados pela mão de uma feiticeira que em noites de lua cheia me visita) que é grande o homem, tão só quando mergulha nos dons da natureza. Que da água primordial, se solta o sopro divino. Mátria, que não Pátria, deveria celebrar o culto. E nela soltar-se o lado luminoso da História.

Terra e Água. A fecundidade perene. O encantamento e o milagre. Surpreendo-me, às vezes, especulando quão diferentes seriam nossos dias, se o lado errado fosse o certo e a história nos legasse, o que ficou calado. Se a água triunfasse e límpida corresse. Na sêde e nas lágrimas, claro. Mas também nas torrentes caudalosas que abrem sulcos definitivos.

“Água azul: ei-la.
Entrei nela,
E fiquei todo azul”...


Mas quem se espanta com o espanto do índio das Montanhas Rochosas? E quem, de seu canto, guarda a magia do seu banho matinal?... Perdeu-(se). Agora apenas os poetas e os bêbedos de utopia lhe perseguem o rasto...

“Agora não há terra.
Há apenas água sem fim
Até aos quatro cantos do nada...
(...)
A água move-se em silêncio
De sons ainda por ouvir... “


Poesia pura. Mas quem das margens do Eufrastes, escuta hoje os “sons ainda por ouvir” no barro das letras balbuciantes?... Babilónia está a arder. Os sons, os terríveis sons do império, esfacelam o eco milenar de civilizações fecundas...

Águas, sois vós quem nos traz a força vital. Ajudai-nos a encontrar alimento para que possamos encontrar grandes alegrias. Deixai-nos partilhar da seiva mais deliciosa que possuas, como fôsseis mães delicadas...”

Mas quem escuta a exortação? Quem das águas do Ganges faz alimento para o esfarrapado pária? Quem?!... Milhões sob a água que a história arrasta, descartáveis...

E aqui, ontem, onde tudo para nós começa? Iniciática a água e redentora na lenta ascese do Caos em direcção à Luz. Água de vida. Sabedoria escondida no âmago. Sopro.

... “e dei-lhe de beber a Água da Vida que o despe do caos que existe no mais completo das trevas, dentro de todo o abismo”,

Assim falam, nos vãos esquecidos da história, os manuscritos gnósticos de primitivos cristãos.

Mas quem hoje a espiritualidade dos tempos?!...

Mátria e Pátria da Terra Prometida, que pela água (e pelo fogo) se faz luz sobre as trevas.

Pela água (...)

somos salvos pelo conhecimento do oculto, por meio da luz incomensurável e inefável. E aquele que se esconde entre nós (o reino das trevas) paga tributo de seu fruto à Agua de Vida. ”

... E no fogo latente do Verbo e da Palavra (inter)dita dos vencidos...

Assim fala o poeta, oficiante do culto da água...

............................................

Os textos em itálico são extraídos da Colectânea “A Rosa do Mundo” – Edição Assírio e Alvim

29 comentários:

jrd disse...

Um texto liquido e puro. Uma sede desejada.
Abraço

Peter disse...

Há muitos e muitos milhares de anos, a poesia aproximou-se do homem e tão próximos ficaram, que ela se instalou no seu coração.
«Rosa do Mundo ? 2001 Poemas Para o Futuro» é uma obra colectiva feita por muitas dezenas de pessoas com sensibilidades diferentes, mas tendo em comum o grande amor pela poesia. Trata-se de uma obra ambiciosa, procurando abarcar a poesia conhecida ao longo da História, desde as civilizações mais remotas até aos autores nascidos em 1945.
Como o leitor constatará ao longo do livro a rosa atravessa a poesia universal de todas as
épocas. E Rosa do Mundo foi a expressão que propositada e silenciosamente veio ter connosco para dizer Poesia.» (Manuel Hermínio Monteiro, Abril de 2001)

A considerar numa próxima visita à Bertrand, na 2ª segunda-feira de cada mês, para beneficiar do desconto.

Abraço

Maria disse...

A água, sempre.
Sempre, a vida...

beijos, e beijos

vida de vidro disse...

A água. Sempre... Adorei o post. Tenho mesmo que comprar essa colectânea.
Deixo-te um sorriso. Boa noite. **

jawaa disse...

A água é o meu mundo, tu sabes disso.
Belas as tuas palavras.
Um abraço

Jorge Castro (OrCa) disse...

... e as palavras são tais quais as gotas de água
que se fundem na torrente de um olhar
num crescendo em turbilhão de poesia
que de gota em gota fazem de nós mar...

;-)

Abraço.

isabel mendes ferreira disse...

elementar os elementos assim aplicados! como se tudo na vida fosse belo :) sendo que por aqui a água corre. escorre. envolvida. envolvente.




bom diA!!!!!!

mariab disse...

Água, origem e purificação. Um belo texto enquadrando as citações. Beijos

Mare Liberum disse...

Um texto sempre belo. Fico refém da leitura dos teus posts até beber a última palavra. E continuo com sede. De mais. Isto é que é escrever bem, amigo!

Beijos

Nilson Barcelli disse...

Excelente texto caro amigo.
A água fascina-me e equilibra-me em qualquer estado (sólido, líquido ou gasoso).
Abraço.

MS disse...

A água! Entraste num elemento que me atrai infinitamente!

A água, purificadora água! Nada tranquiliza mais minh'alma do que a água!
Gosto dela com movimento, caindo, vaievem, circulando... renova meu pensamento, meu olhar, minha paisagem!

'...Mas quem hoje a espiritualidade dos tempos?!...'
- ainda há quem olhe as 'cousas do mundo' com muita espiritualidade!
Sempre...

Sensibilizada pelo teu olhar em 'fragmentos'!

Um beijo,

... continuas com uma sensibilidade de 'escrita' linda!

mdsol disse...

Belo texto. Oportuno o tema!
:)

Mar Arável disse...

Um excelente concerto

de palavras mágicas

Uma flor

porque não uma rosa

que seja

nos jardins

Frioleiras disse...

lindo !...........

casa de passe disse...

passeando e voando por aqui...

(nini)

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

que texto tão agradavel de ler.

parabéns!

bei

Unknown disse...

Pura poesia este texto!

Beijo grande

casa de passe disse...

bjnhs roucos
(à espera da água...)


nini

Arábica disse...

Escrita de água no barro deste tempo.

Pela água se luta e pela terra se morre...


Belissima escrita!


Beijo

bettips disse...

Ontem vi na 2 e parei: no Peru, os homens das aldeias que voltaram ao seus cumes, reconstruíram os canais dos seus antepassados, os Incas. Era belo, as crianças a rir da água que corria e lhes permitiu a primeira colheita.
Nascemos e desenvolvemo-nos em água: em última análise, a ela voltaremos, pela erosão da terra.
Tolos são os que se apoderam do invólucro dos corpos para matar. Fazer mal. Doridos de ver, as terras e as felicidades prometidas e sempre adiadas.
Abç

José Leite disse...

Tenho sede, cada vez mais sede, de justiça social e de beber esta poesia pura e cristalina que sacia a alma do mais herético!

vieira calado disse...

Que texto tão bem escrito!

A "nossa água", mãe do que somos, agradece.

Um abraço

Graça Pires disse...

Palavras que fazem sede. Um texto lindíssimo e purificador.
Beijos.

Eme disse...

a nascente leva-a ao altar. como montanha ou corpo. a água escorre força da vida ou criação como seiva essência [de mulher].

belo. belo e erótico.

beijo

mariam [Maria Martins] disse...

Herético,

excelente! ... áqua ... fonte de vida!
passar aqui é um gosto e é aprender sempre mais um pouco ..

um grande abraço e o meu sorriso :)
(ainda emgripado!)
mariam

batista disse...

lavar com água, doce água, os males provinientes da insânia humana...

... quanta beleza e solicitude nas tuas palavras, meu Amigo!

Licínia Quitério disse...

Quem? Quem? Quem? O Poeta descalço no seu caminho de água.

Lindo! Lindo!
Um beijo.

Tinta Azul disse...

de água - salgada - nos olhos.
de água - doce - na boca.


:)

luis lourenço disse...

Meu caro herético!

comovente esta brisa poética sobre os elementos primordiais...Rosa do Mundo...que tantas x o desleixo humano desperdiça estupidamente...
Bem hajas por esta narrativa tão profunda e poética que nos ofereces.
abraços

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