segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Aldina Duarte - 42 anos. Fadista. Mulher...

Revê-se em algum dos partidos políticos portugueses?

“Não, mas ainda me revejo na Esquerda portuguesa. E acho louvável a resistência do PCP”.

Não é um partido demasiado preso aos dogmas do passado?

“Porquê?”

Tendo em conta aquilo que o mundo nos mostrou ...

“... Está lindo o mundo [risos]. O capitalismo está em grande [risos]”.

As experiências comunistas também não correram propriamente bem...

“Aquele comunismo não era comunismo. Foram ditaduras que estiveram muito distantes da doutrina marxista. O problema é que todos acham que não há alternativas ao capitalismo, quando o capitalismo está falido".

Nenhum modelo proporcionou tanto desenvolvimento como o modelo capitalista...

“Até ao fim da Idade Média nenhum outro modelo tinha prevalecido e não foi por isso que se deixou de procurar alternativas. Essa inquietação tem que se manter. Apesar de ainda não sabermos a solução não podemos deixar de nos inquietar e de procurar algo que sirva melhor a todos. A igualdade ainda é algo que está por concretizar”.

Não vivemos melhor hoje do que vivíamos há 150 anos?

“Nós sim, mas “nós” não somos um país. Somos o mundo. Em África estão todos a morrer de fome na mesma. No Médio Oriente continuamos em guerra...”

A eleição de Obama trouxe-lhe mais esperança no futuro?

“Trouxe-me mais esperança no presente, no futuro não. E satisfaz-me pensar no que era a segregação racial e no salto que houve. São estas coisas que alimentam a minha convicção política, porque estas mudanças foram sempre preconizadas pela Esquerda. Se não fosse a Esquerda uns continuavam a nascer para banquetes e outros para trabalhar a terra. Sou pela igualdade e a Direita nunca travou estas lutas”.

Nenhum político da Direita portuguesa defende a desigualdade de oportunidades...

“Por amor de Deus! Basta ver como vivem. Acredito num Estado - hoje isso não acontece - que garanta que todos tenham igualdade no acesso aos bens mais essenciais, como a Saúde e a Educação. Não gosto de um mundo injusto. Não gosto de um mundo onde uns têm melhor saúde, melhor educação e melhor alimentação do que outros. A mim não me incomoda nada que uma senhora que tenha cinco filhos ganhe mais dinheiro a limpar o chão do que eu como fadista que não tenho filhos. Acredito nesse mundo...”

Insisto: os políticos de Direita também lhe dirão que todos devem ter igualdade no acesso à Educação e à Saúde.

“Nunca ouvi. Diga-me quem é o político de Direita que defende essa igualdade. Gostava de falar com essa pessoa”.

E já ouviu o contrário? Já ouviu políticos da Direita portuguesa defenderem a desigualdade no acesso à Educação e à Saúde?

“Também ninguém diz que é pela guerra, mas depois apoiam medidas que levam à guerra. O problema é que a Di­reita não defende as pessoas que não têm acesso à Saúde e apoia medidas desfavoráveis a essas pessoas”...

O PCP é o partido em que mais se revê?

"Não me revejo em nenhum partido, porque todos estão a tentar encontrar uma solução dentro do capitalismo e o problema está no capitalismo. Mas sim, é importante que exista um PCP e um Blo­co de Esquerda com voz suficiente para lembrar que há pessoas a passar fome."

O actual Governo é de Direita?

"Para mim é..."

Que resultado seria melhor nas legislativas?

"Não haver maioria absoluta do PS e haver uma maioria de Esquerda..."

Isso não traria instabilidade governativa?

"Maior instabilidade do que esta? O que é preciso neste momento é exactamente discutir e debater..."

Sente que falta discussão de ideias na política portuguesa?

"Sinto. E isso contaminou os meios de comunicação e enfraqueceu a população. As pessoas sentem-se perdidas, lesadas e não têm capacidade de compreender o que se está a passar"

Está pessimista?

“Não estou, porque, por natureza, não consigo ser pessimista. Mas estou preocupada, claro que sim. É preciso começar a fazer coisas. A malta tem que levantar o rabo da cama. Principalmente a malta mais nova. Os mais velhos cresceram na fome, no analfabetismo, já fizeram a revolução e estão cansados; mas os miúdos com 20 anos têm que lutar, fazer reivindicações e não ser carreiristas. É preciso arriscar e fazer pequenas coisas no dia-a-dia. Eu por exemplo, como não tenho filhos, tenho responsabilidade de arriscar”.

Isso traduz-se em quê no seu caso?

Não deixar de chamar a atenção para injustiças sociais com medo de vender menos discos, por exemplo. E traduz-se também em coisas mais simples (...)”.

Tenta intervir através do fado ou o fado é apolítico?

“Nada é apolítico e muito menos eu. Preocupo-me com as questões humanas e, quando canto, essas preocupações estão lá...”

O que canta pode ser de intervenção?

“Não posso ser pretensiosa a esse ponto. A arte ajuda as pessoas a tornar-se mais pensantes e mais sensíveis, mas não salva o mundo”.
(...)

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Aldina Duarte – in “Entrevistas Imprevistas” – Semanário “Sol” de 07.02.09

12 comentários:

Maria disse...

Nem imaginava. Só a conheço do Fado.
Mas não será por acaso qque gosto dela...
:)))

Obrigada!
Beijos e beijos

Graça Pires disse...

Uma Mulher com opiniões muito interessantes e lúcidas. Gostei. Também gosto de a ouvir cantar o fado.
Um abraço.

Mar Arável disse...

O modo como se expressou

sem medo

nos dias de hoje

revelam uma pessoa livre

de corpo inteiro

Vou de novo tentar o fado

abraço amigo

Bandida disse...

é uma mulher fabulosa!!


beijo

Arábica disse...

Uma mulher saudavelmente acordada.



E com voz.



Poderia ser a voz de muitos :)

Mare Liberum disse...

Gostei. Já tinha lido a entrevista. Além do fado, uma visão do mundo que muito me agrada.
Beijos

Bem-hajas!

Estranho Fulgor disse...

Muito agradecida!

Até sempre.

Maria P. disse...

Fantástica!
Já tinha tido oportunidade de ler.

vida de vidro disse...

Lúcida. Muito lúcida. Bom de ler. **

Alvarez disse...

Amigo Herético,

Como diz o poeta:
"O que faz falta é avisar a malta!.."

Um abraço,

Alvarez

bettips disse...

Já a conhecia (daqui, da net e amigos) mas não sabia ao certo da sua estatura que aqui está Inteira!
Grata, Herético.
Alcina Duarte, Mulher e Grande, acertas em todas e que nunca a voz te esmoreça.
Bjs

Gonçalo Campos disse...

Precisamos de mais Aldinas! A verdadeira princesa!

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