segunda-feira, agosto 03, 2009

A minha Pátria é a língua portuguesa?!...




Frustrados que foram, por razões que não vêem ao caso, outros destinos, desta vez coube-me, em desespero de causa, uns dias de férias no Algarve, sorry... Allgarve! – de que, durante décadas, tenho fugido como o “diabo da cruz...”.

Não vejam nesta minha recusa qualquer manifestação de pedantismo. Assenta a minha caturrice, tão-somente, nesta vaga resistência do meu carácter, não aos percursos trilhados, mas à dissolução que os passos imprimem nos caminhos...

Bem sei que “viver” é em boa medida “dissolver”, que qualquer marca ou sinal traz consigo os gérmenes da sua própria dissipação e que até a água mais cristalina arrasta, na corrente, os detritos do acaso. Mas que querem? Dói-me, por vezes, a decomposição das paisagens e a desconstrução de memórias e símbolos... E, sobretudo, o ímpeto e a arrogância das novas formas e fórmulas, que sabemos também elas precárias...

Ora o turismo, como bem sabemos, é fenómeno predador. E arrogante. Compreenderão assim melhor a minha resistência atávica aos “santuários” do turismo nacional...

Procurei, por isso, afastar-me, tanto quanto possível, dos roteiros mais solicitados e “refugiei-me” (pensava eu) em locais mais discretos, porventura buscando (ingloriamente) nas pegadas dos míticos “índios da Meia Praia”, lenitivo e compensação para as temidas contrariedades...

Assim, intimamente apaziguado, neste balanço de expectativas e dúvidas e confortado pelos afectos centrados em terna criança de pouco mais de dois anos, abri o espírito à disposição de alguns dias de estrito lazer...

Eis-me, pois, no “esplendor” do Algarve!... Cada vez menos “reino” de Portugal, como é minha forte convicção...

Seguindo um método estatístico, que considero infalível por altamente científico, (querem ver que ainda sou chamado para as sondagens políticas!...) de avaliar a nacionalidade dos turistas pela persistência do linguarejar no ouvido, 90% serão manifestamente de proveniência espanhola. Os restantes 10%, seguindo o mesmo critério, serão distribuídos, respectivamente, 5% ingleses, 2% franceses, 2% italianos e 1% de portugueses, incluindo este vosso amigo e a sua prole...

Claro que a minha amostra inclui também turistas do outro lado do Atlântico. Dois exemplares, aliás notáveis!... Um casal cinquentão provindo do Texas, ele na arrogância do seu típico chapéu; ela exibindo as carnes flácidas, em fato de banho pelos corredores, trauteando, empolgada e empolgante, o conhecido paso doble Arriba Espanha...”. (Mas por que raio é que a excelsa senhora não foi antes exibir seus talentos para o Iraque ou para o Afeganistão, a animar tropas?!...).

E, saídos do filme “O Carteiro de Pablo Neruda” para o bar do hotel, como o romantismo literário de minha mulher teima em afirmar, um casal sul-americano, de negro e vermelho vestido, altos e esbeltos, belas cabeças emolduradas em cascata de fios prateados, corpos colados na vibração do tango e do bolero... Tão exímios e tão perfeitos que apenas o sangue e o futuro o justificam!...

Admirei-os, com emoção e apreço. E ficarão guardados...

Dos portugueses, os “karaokes” postiços e esganiçados!...

Triste sina!...

Cá fora, as montras exibem sinais da nossa decadência. E garantem-me que entramos em fase de “permoção de 10% a 50%”...

A minha Pátria é a língua portuguesa?!... Ou seremos, em certo sentido, de novo exilados na nossa própria Pátria?!...

24 comentários:

Leonor disse...

ultimamente despertou-me o interesse por outras culturas. nao sei dos japoneses por exemplo. quer dizer... praticamente nada. e por ai fora.
dos portugueses sei mais qualquer coisa mas confundem-me a cabeça.
beijinhos

mariab disse...

Pois, lá para o Allgarve acontece-nos isso de nos sentirmos estrangeiros na nossa terra. Ainda assim, parece-me que, hoje em dia, quase todos os ditos destinos turísticos nacionais estão cheios de espanhois que, apesar da crise ou talvez mesmo por ela, literalmente nos "invadem" pacificamente :)

Gostei do colorido das descrições. Quase vi os teus confrades turistas nesse hotel onde ainda se dança o tango e o bolero... :))

Beijos

isabel mendes ferreira disse...

exilados. sim.

atravessados pela "estranja" que nos "emborca" de papo para o ar...

texto que apetece subscrever até que o mar volte a ser "lusitano" e a língua uma vela orgulhosa.



beijo.


bem re.vindo. e (obrigada)

Mar Arável disse...

Todos os povos são estranhos

conforme o tempo

e o espaço que ocupam

Não fugimos a regra

mas temos excepções

por nos considerarmos

mais pequeninos

do que somos

Ainda bem que gostaste

da tua volta

cá dentro

Cristina Fernandes disse...

Muitas vezes esquecemos a importância da nossa língua, e a dignificação da mesma por parte do poder político.
Parabéns ao seu texto...
Chris

escarlate.due disse...

"Mas por que raio é que a excelsa senhora não foi antes exibir seus talentos para o Iraque ou para o Afeganistão, a animar tropas?!..."
ahahhahahahahahhaahh sorry não consegui evitar rir

e quem manda ir para o algarve (ups,,, sorry... allgarve) em pleno verão??? só podia sair asneira! :P

quanto a estrangeirismos... já basta cada vez que ponho a minha patinha fora de casa acharem sempre que sou italiana. irra que já irrita, um dia destes andava a passear por sintra entrei numa loja e num português completamente macarrónico perguntou-me a empregada se eu falava português "sim, falo... e pelos vistos 1 pouquinho melhor que a menina..." responde ela "ahhh desculpe, pensei que fosse italiana" não percebi se o "desculpe" era pelo portugues macarronico dela ou pelo equivoco...

Paula Raposo disse...

E às tantas não sabemos onde está o nosso país! Beijos.

Licínia Quitério disse...

Pois, meu caro, tens muita razão. La lengua portuguese anda muito mal tlatada, viu? E os menùs dos restaurants são very funny indeed. Desde as velhas costoletas à carne açada tudo nos conforme, seu cara. E Allgarve na silly-season é um must, dear!

Valha-nos o par do tango e do bolero. E OlÉ!

Gosei imenso desta tua rentrée ;)

Beijinho.

Mare Liberum disse...

Pois no meu Algarve, o serrano, ainda se vive muito bem. Há por cá ingleses, franceses,holandeses... mas com tal conta, peso e medida que não me importunam mesmo nada. Aqui, todos os dias são iguais e não fora o calendário teria dificuldade em identificá-los.Como vês esta ainda é a " Ditosa Pátria Minha Amada" e por aqui os erros ortográficos devem-se à pressa com que muitos serranos tiveram de crescer para ir ajudar os progenitores na apanha da alfarroba, da azeitona, da amêndoa...
Outros há, muitos, que têm competência linguística mas saíram da terra para prosseguir estudos e por lá ficaram.

Desejo-te umas boas férias neste canto sul onde ainda há muito por conhecer.

Beijo-te com gratidão

vida de vidro disse...

É, de "permoção" em "permoção", acabamos por vender tudo o que é genuíno. Apesar de tudo, há zonas do Algarve que ainda mantêm alguma autenticidade. Mas temos, quase sempre, que nos afastar um pouquinho das belas praias...
Gostei muito do teu texto, colorido de um verão em destino turístico. **

Rui Caetano disse...

http://www.cidade-com-futuro.com/

Peter disse...

"A minha Pátria é a língua portuguesa?!... Ou seremos, em certo sentido, de novo exilados na nossa própria Pátria?!..."

O trabalho da ministra ainda não chegou aí.

Por cá continuo, "índio da meia praia".
Alíás ir para uma praia estrangeira, o que é proibitivo e se corre o risco de apanhar a gripe A, prefiro ficar por cá. Praia por praia...

hfm disse...

De exilidos passámos a turistas de viagens de praias, comes e bebes - triste roteiro sem grandes alternâncias.

Graça Pires disse...

Um exílio a que não podemos fugir...
Um abraço.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

nem só no Algarve.

por vezes até custa a entender o que está escrito.

belo post...

um beij

isabel mendes ferreira disse...

o.b.r.i.g.a.d.a.





muito.


beijo.

M. disse...

Adorei este texto. Cada pormenor sua riqueza de pensamento.

Maria P. disse...

Por isso fico pelo campo:))

Beijinhos*

jrd disse...

A tua pátria é a minha, mas anda por aí muito "naturalizado" à pressa.
Abraço

MS disse...

... há muito que me recuso a ir para tais paragens!

Quanto à ' língua portuguesa' visível na publicidade fotografada, entristece-me sim!! Mas, dou razão a 'Isamar'!
Houve tempos em que as pessoas eram obrigadas a abandonar a escola em busca de mais alimento!

No entanto, as novas gerações também não estão a 'lucrar' muito com as 'aprendizagens', dado que o ensino da Língua Materna está a ser relegado para 2º plano! O que importa é ser bom a Matemática...

E, para grande mágoa, o Ministério da Cultura também não se preocupa com a defesa da 'língua 'mátria'.

Cabe-nos a nós, humildes cidadãos, desenvolver esse trabalho de enobrecimento de uma Língua que povos esquecidos por nós [país] teimam em preservar com veneração. É o caso dos goeses!

É sempre bom vir até aqui! Ou me surpreendes pela belíssima 'poética' ou pela 'prosódica' crítica social!

Adorei teu 'casal' saído de 'O Carteiro de Pablo Neruda'! Sabes que é um dos meus filmes, preservado na 'memória poética' que me acompanha.

Um beijo amistoso,

... muito sensibilizada pelo teu olhar tão afectuoso em 'fragmentos'!

MagyMay disse...

Dói, não dói??? Ver "isto" na nossa Pátria... ver "assim" a nossa pátria..

Parabéns pelo texto... (escrita e conteúdo)

Abraço

GP disse...

Pois eu não volto mais ao Algarve a não ser fora do Verão e porque tenho uma irmã, um cunhado e três sobrinhos em Faro.
Deixei de ir há mais de 20 anos e, das duas ou três tentativad que fiz, vim fugida antes do tempo. O meu lugar é no Norte e à sombra.
Este ano foi definitivamente o último e fiquei em Silves, quase sempre mergulhada na piscina.

Uns bons dias por aí

beijo

jawaa disse...

É um prazer ler-te.
Parece que me sinto mais portuguesa, encontro, mais o meu Portugal longe daqui... porque será?...

bettips disse...

Vamos estando em permanente permoção. De censura, acharia eu!

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...