quinta-feira, outubro 29, 2009

Proença, Cortesão, Sérgio e o Grupo Seara Nova


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Entretanto, foi publicado o nº1709 da revista SEARA NOVA - Outono/2009 . De destacar neste número, o documentado dossier "Que Futuro para Portugal", um conjunto de artigos de destacados especialistas em matéria de desenvolvimento económico e social.

domingo, outubro 25, 2009

Triunfo do inÚTIL...

Esplêndido o relâmpago e voo das aves
E o estertor do grito nos abismos do silêncio
E as impolutas neves e os fundos vales.
E as máquinas modernistas celebradas em poema.
- Meteóricas claridades!...

(E também o senhor Álvaro de Campos, engenheiro...)

Gloriosos são os tempos sem memória
E o gesto puro que se esgota no nada que é tudo..
E a altivez das estrelas em seu gelo derramado
Na profusão de brilho sem mistério...

Dor mater dos medos na inocência das crianças
Virginal o pudor dos passos que se abrem.
E a espera das amoras antes de acontecerem.
E as palavras escavadas. E o fogo das rochas.
E a líquida emoção das horas suspensas nesse enredo...

Gloriosas são as águas no ventre das montanhas.
E as viagens dos barcos. Soberbos os guindastes.
E o camartelo arrancando chispas nas margens do futuro...
Glorioso o pão e vinho. E as máquinas. E a opulência das estátuas.
E a febre dos archotes rangendo fúrias...

(in)Úteis Odes Triunfais. Minervas sem alma.
Gares e os cais. Desertos. Que não sendo certo
São toda a gente em toda a parte embora!...

quarta-feira, outubro 21, 2009

" A outra vida..."

(...)

A ameaça do inferno e o aceno do céu são um dos temas mais frequentes na literatura religiosa medieval. Um “Tratado de Devoção” existente em Alcobaça insiste particularmente nos castigos e descreve de maneira patética a hora pavorosa do “Juízo Final” e lembra, para concretizar a ideia da vida para lá da morte, uma visão de um cavaleiro chamado Túndalo ou Túngulo, a quem fora dado o privilégio de visitar o céu e o inferno e regressar à vida para contar o que por lá vira:

- Um cavaleiro pecador morreu. E enquanto a alma era levada por muitos lugares o seu corpo esteve aguardando o enterro por causa de algum calor que ainda conservava no lado esquerdo. Mas ao terceiro dia o corpo começou a suspirar.
(...)
Vamos ouvir o que entretanto lhe acontecera. Naquela hora em que saiu do corpo começou a Alma a sentir grande medo e a querer voltar para a carne, sem poder. Desamparada, chorando e gemendo ao lembrar-se dos pecados, viu vir uma multidão de demónios que enchiam não só a câmara mortuária, mas as ruas e praças.

Assim falaram eles para a Alma: - “Porque não és já soberbo como eras, e porque não fazes fornicação, nem adultério, nem causas escândalos? Onde estão as tuas virtudes? Onde está a tua vã glória? A tua vã alegria onde está? O teu vão rir onde está? O comer e o beber em que te deleitavas, e de que tão pouco davas aos pobres, onde estão? As loucuras que fazias onde estão? Tudo é já passado, e por tudo isso sofrerás".

Encontrando-se assim aturdida e sem saber que fazer, a pobrezinha viu chegar um anjo. - "Ai meu senhor e meu pai, disse chorando, dores do inferno que me cercaram, e fui em grande temor". - Era o Anjo da guarda, que logo a repreendeu porque agora lhe chamava pai, quando dantes nem o conhecia. E estendendo a mão para agarrar um dos diabos mais escarnecedores, o Anjo mostrou à Alma o mau conselheiro que ela seguira: "Mas Deus teve piedade de ti..."

Quando isto ouviram, os diabos começaram a dizer mal de Deus, porque entendiam que aquela alma era deles de direito, e que Deus não procedia direitamente tirando-lha. Mas o Anjo ordenou à Alma que o seguisse, e a Alma caminhou na escuridão alumiada só pela claridade do Anjo.

Passaram por um vale de trevas, coberto por um tampo de ferro incandescente sobre o qual as almas se derretiam e ferviam como azeite escoando-se para os carvões abrasados do fundo. Era o castigo dos matadores. Subiram a uma montanha por um caminho estreito, batido pelo frio e pelo vento, donde os diabos tiravam as almas com gadanhos para as mergulhar no fogo e depois na água gelada...

Prosseguiram por um caminho torto e mau, envolvido na escuridão. A Alma, quebrantada, só via diante de si a claridade do Anjo. E pararam diante de uma besta, maior que todas as montanhas que até então tinham visto, tão forte e feroz que nenhum homem vivo a poderia imaginar...

Os seus olhos eram como colinas acesas. Pela sua boca cabia um exército de nove mil homens armados. Saíam dela labaredas de envolta com os gritos das almas que se consumiam no ventre da fera. A Alma queria fugir desta visão espantosa, mas o Anjo abandonou-a aos diabos. Os tormentos que ela passou no ventre da besta não há homem vivo que possa conhecê-los...

Sem saber como, a Alma achou-se de novo na presença do Anjo. Outra vez recomeçou a caminhada da alma lacerada e quebrantada. Deparou-se-lhe um mar bravo de ondas tão altas, que tapavam o céu, sobre o qual se estendia uma tábua a servir de ponte, longa de dez mil côvados, estreita como a palma da mão, eriçada de bicos de pregos.
(...)
Ela mostrou os pés chagados, que a não deixavam andar. - «Devias-te lembrar, respondeu o Anjo, de como os tinhas ligeiros para os prazeres do mundo». E caminhando na escuridão chegaram a um forno grande como um monte, por cuja boca saía uma labareda altíssima. A entrada demónios com aparência de carniceiros, com grandes cutelos esfolavam as almas e cortavam-nas em postas, que atiravam para dentro do lume.

Era o castigo dos gulosos e luxuriosos.

A Alma não conseguiu fugir ao suplício. Retalhada sofreu dentro do forno o fumo, frio, calor, fedor e açoites, muito mais do que se pode contar. Dali saiu para a escuridão, até que veio a claridade do Anjo. "Ai senhor, queixou-se ela, onde está aquela misericórdia que nos dizem que há em Deus, pois que já tantas penas e tantos tormentos passei?"

Respondeu o Anjo e disse: - "Ó filha minha quantos se enganam com essa confiança que têm que Deus faz misericórdia. Porque bem que Deus seja misericordioso não deixa por isso de fazer justiça a cada um como merece".

E o Anjo apressou a Alma porque ainda tinham muito que ver. Era agora uma besta com um par de asas e dois pés, boca chamejante, posta sobre um lago gelado. Engolia as almas para dentro da fornalha do seu ventre, e deitava-as depois, pelo traseiro, no gelo do lago. Quando aqui caíam, todos, homens e mulheres, pariam pelos braços, pelo peito, por todo o corpo, no meio de dores sem nome, serpentes inumeráveis, que logo lhes cravavam os dentes de ferro até ao tutano dos ossos.

Este era o castigo dos sabedores, que mal usavam da sua ciência e da sua língua.

A Alma não escapou ao espantoso castigo...”

(...)


História da Cultura em Portugal” – António José Saraiva – Edição de “Jornal do Foro” – 1950.
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É o que espera a José Saramago na outra vida, estou certo disso. Rebolo-me de gozo a imaginar a sua alma a ser cuspida em fogo pelo traseiro da besta...

O que é muito bem feito! Quem o manda ser sabedor, usar mal sua ciência e a sua língua?!...

domingo, outubro 18, 2009

Barack Obama –“O Sonho e a História...”

O texto seguinte são extractos do artigo aqui que vivamente se recomenda na sua versão integral em castelhano.

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Não deveria levar-se a mal o Prémio Nobel da Paz a Barack Obama , (...) porque o homem apenas teve nove meses para cumprir os seus deveres imperiais – de forma mais concreta despejar explosivos de grande potência em Hindu Kush – enquanto outros premiados, como Henry Kissinger, estiveram a massacrar gente (...), com superlativa diligência, durante anos e anos.

Woodrow Wilson, o imperialista liberal do qual Obama cultiva tantas afinidades, ganhou Prémio Nobel da Paz em 1919,apesar de ter metido os EEUU na carneficina da I Guerra Mundial. O presidente que antes tinha conseguido o Prémio Nobel da Paz foi Teddy Roosevelt, que conseguiu o galardão em 1906, como recompensa por ter patrocinado a guerra hispano-norteamericana e ter desencadeado, com ardor, um verdadeiro banho de sangue nas Filipinas.

A Teddy Roosevelt foi atribuído o prémio Nobel da Paz não muito depois de demonstrar a sua infinita compaixão pela humanidade, patrocinando, na Feira Mundial de São Luis de 1904, uma exibição de “homens-mono” filipinos, apresentados como o “escalão perdido” na evolução do Homem (...): dolorosamente necessitados, portanto, de assimilação forçada, a que o estilo de vida nortemaricano não deixava outro remédio.

Por outro lado, antes de receber o prémio, Teddy Roosevelt diligenciou o envio da “Grande Frota Branca” em volta do mundo a fim de demonstrar as credenciais imperiais do “Tio Sam”, com o que antecipou em pouco mais de um século, as crendiciais para o prémio Nobel da Paz a Obama, que se dispõe agora a impor a Pax Americana ao Afeganistão e a partes do Paquistão.

A gente espanta-se com a idotia destes galardões do Nobel da Paz. Porém, há método nesta insânia, vinda da Noruega, porque ao fim de contas habitua as pessoas a aceitarem sem revolta, ou alarde de protesto, o absurdo como fazendo parte integrante da condição humana. É um mito(...) destinado à juventude: também tu podes matar filipinos, os palestianos, ou vietnamitas, ou afegãos e sem embargo ganhar um prémio da Paz.

É a audácia da esperança, superlativamente aviltada.

Obama, quando aparecem assuntos candentes (...), teme, sobretudo, os poderosos. E não está com os seus quando estes são ferozmente atacados pelo núcleo duro da direita; defaz-se deles, como coisa incómoda, e então o seu secretário de imprensa vem declarar que partiram por vontade própria. Pode ser que isto impressione os pacifistas de Oslo, mas na perspectiva norteamericana, não é mais que indecisão pulsinânime .

A política afegã de Obama foi evoluindo durante a sua campanha do ano passado com o propósito de repelir qualquer acusação de que era um pacifista na intervenção do Iraque. E (...) quando no resguardo da Sala Oval da Casa Branca, Obama, apelando ao bipartidarismo, apressou-se a acenar a bandeira branca, mantendo no seu posto Robert Gates, o secretário de Estado da Defesa, nomeado por Bush.

E constutiui uma equipa de política externa composta basicamente por falcões liberais da era de Clinton, encabeçados por Hilary Clinton e Richard Holbrook. O passo seguinte foi afastar o comandante dos EEUU no Afaganistão, general David McKierman, e nomear o general Stanley McChrystal, conhecido sobretudo por ter dirigido a secção epecializada de assassinatos do comando conjunto de Operações Especiais (...) .

Com desbragada insolência, o general McChrystal desenvolve agora uma campanha para mais 40.000 soldados adicionais no Afaganistão.

Harry Truman foi um presidente que lançou desnecessariamante bombas atómicas sobre Hiroshima y Nagasaki (...) . Lançou também a corrida armamentista da Guerra Fría em 1948. Apesar de tudo, os norteamericanos veneram-no, por duas coisas: pela advertência (referindo-se aos horrores da 2ª Guerra Mundial) “aqui termina a batata quente” e pela espectacular destituição de um herói da guerra, general Douglas MacArthur, por insubordinação, ao por em questão a direcção da guerra da Coreia por parte de Truman.(...)

Ora McChrystal não é um herói de guerra, como MacArthur. A gente necessita de uma prova de que Obama tem fibra na alma. Alto risco, talvez, mas a (demissão de McChrystal) seria, potencialmente, um grande êxito para Obama num momento políticamente muito complicado; e também uma airosa saida para a humilhação com o fracasso da candidatura de Chicago aos Jogos Olímpcos de 2016.
(...)
Não se alcança luz no fundo do túnel. A guerra dos robots, dos mísseis Predator enfurecem todos os afegãos (...). Com mais tropas e mercenários agora no Afaganistão que durante a presença militar soviética no seu ponto culminante, não há a menor possibilidade de que os Estados Unidos da América do Norte possam terminar o conflito e jogar um papel construtivo de largo prazo no Afaganistão. A pesença dos Estados Uidos não é senão pretexto de propaganda para recrutamento de mais e mais talibans (...).

No entanto Obama está rodeado pela mesma estirpe de intelectuais que persuadiram Lyndon Johnson a destruir a sua presidência com a escalada bélica no Vietname...”

Alexander Cockburn: editor da Revista CounterPunch
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CounterPunch ("Contra-golpe" em português) é uma revista bisemanal publicada nos Estados Unidos da América do Norte, dedicada a temas políticos.

CounterPunch é famosa pela sua crítica radical a Republicanos e Democratas e pelas suas extensas reportagens sobre o meio-ambiente, sindicatos, política externa e o conflito Israel-Árabe.

segunda-feira, outubro 12, 2009

Meu amigo Zeca - empresário (parte 2)

Vocês lembram-se de meu amigo Zeca?

A última vez que dele vos falei aqui deixei-o em afanosa tarefa de deslindar as pegadas dos moiros nas insígnias de um município no norte do País. Como não vos quero privar da sequência de sua saga, eis-me em solicito cumprimento de meu múnus de relator...

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Aquilo era demais, convenhamos - virem, assim uns “bárbaros” sulistas a dar lições de história local!... Suprema humilhação!

O distinto Presidente, como quem apanha um murro no estômago, titubeou, mas não se deu por vencido. Saiu da cadeira, sibilando – “essa agora!... essa agora!” -fez minuciosa análise à bandeira e, perante a contrariedade da evidência e a perplexidade dos circunstantes, exclamou:

- “E eu que nunca tinha dado por isso!... Mas já vou tirar tudo a limpo”...

Bamboleando as nádegas, tal odalisca fora de prazo, o Presidente atravessou a sala em direcção ao telefone. Do outro lado, titubeante, o vereador da Cultura replicando à pergunta inesperada:

- “Moiros?!... Se houve moiros no concelho?!”...
- “Sim. Moiros no concelho!... que sabes tu disso?!...” – insistiu ansioso o Presidente.

E tapando o telefone, enquanto aguardava, expectante, a resposta que se adivinhava frustrada, o Presidente alargou o olhar aos circunstantes e, em desabafo contido:

- “Tanto que me bati para nomear este gajo como vereador da Cultura e querem ver que não sabe se existiram moiros no Concelho...”

E, de facto, depois de uns momentos de silêncio constrangedor, pressentindo-se em ebulição os (parcos) neurónios do vereador, chegou a resposta, embrulhada em titubeantes desculpas: que não, que não sabia! e nem nunca lhe constara terem havido moiros no Concelho... Mas se ele, Presidente, assim o desejasse, dentro de momentos a Dr.ª Filomena, directora dos Serviços Culturais, estaria na sua presença para completa elucidação do assunto.

- “Manda-me cá essa gaja... “ - ordenou o Presidente, em voz de falsete e tom desabrido, suspeitando-se pelo esgar a enorme contrariedade que a presença da Directora lhe provocava.

Ainda o charmain insistiu, cerimoniosamente, ansioso seguramente por entrar no assunto que ali os trazia para o "Presidente não se incomodasse..., que não valia a pena... que por certo a Presidente tinha toda a razão e que nunca por ali houvera moiros..., que a sua leitura das insígnias municipais assentava, por certo, nalgum equívoco de alguém que não era especialista...”:

Mas o Presidente foi peremptório:

- “Não! Agora faço questão! Este assunto tem que ficar esclarecido. Eu não sou homem para deixar para depois o que pode ser resolvido já!...

Entreolharam-se os circunstantes, aceitando o destino com bonomia, bem sabendo eles que se “Paris vale uma missa” também os interesses económicos em jogo justificavam os desconchavos de um Presidente da Câmara...

O silêncio, cortado pelos olhares cruzados e os semi-sorrisos dos visitantes, foi entretanto interrompido por um discreto toque na porta e a entrada triunfal da Dr.ª Filomena, uma balzaquiana espampanante, emoldurada em tailleur laranja, sobre os qual se derramava uma opulenta cascata de cabelos negros, longos e encaracolados.

Afogueada e empenhadíssima, no alto de seus tacões, lançou sobre a sala, povoada de ilustres forasteiros, soberbo olhar famélico, em jeito de leoa que, na floresta, tivesse detectado, plena de lascívia felina, a novidade da caça... “Uma lua crepitosa em noite quente e plena de Agosto”, como o Zeca, em arroubo poético, distinguiu a aparição!...

Porém, sobre “quarto crescente” nas insígnias municipais, a Dr.ª Filomena prestou uns esclarecimentos confusos. Que talvez sim, ou talvez não, que a única hipótese admissível era a de que os cruzados, nos tempos da reconquista, terão atravessado o concelho; ora, como se sabe, onde há cruzado há moiro, logo é possível que...

Nesta fase da erudita explicação, quiçá prolixa, o Presidente pigarreou e, sardónico, soltou o chicote de seu falsete, zurzindo, impiedoso, o denodado esforço da Dr.ª Filomena que, com manifesto prazer, exibia seu charme e sua erudição...

- “Ó doutora, deixe lá essa treta dos cruzados!... A questão e simples e clara: houve ou não moiros no concelho?! ... É que se não esclarece esta magna questão, a mim e aos nossos visitantes, terei de concluir que não passa de uma burra com saias...”

O silêncio, até então oscilando entre o divertido e o enfado, gelou. A “pobre” doutora ainda ensaiou uma desculpa qualquer e, em sua fragilidade de vítima de um mais que evidente erro de casting, teve a ousadia de invocar a penúria do orçamento municipal para actividades culturais.

Antes o não fizera:

- “Ó sua... ó sua... incompetente! Pois atreve-se?!...” - casquinou o Presidente, qual cascavel cuspindo veneno - “eu não lhe admito, ouviu?! ... As minhas ordens são para cumprir, não para discutir!...”

E, colérico, com o dedinho roliço espetado:

- “Trate de saber imediatamente se houve moiros no concelho, antes que a reunião termine e estes senhores partam. Era o que me faltava!...”

E, descorçoado, atirando-se para o presidencial cadeirão:

- “Estou rodeando de incompetentes!...”

Era demais!... Como poderia o Zeca, fulminado pelos prenúncios crepitosos do vulcão pronto a explodir, aceitar o vexame aquele soberbo exemplar do “sexo fraco”?!...

Reagiu, portanto...

E perante a surpresa dos presentes e a apreensão do chairman, que sobretudo velava pelo bom resultado da diligência que ali os trazia, o Zeca insinou-se .

- “Ó senhor Presidente, tenho uma sugestão para resolver as preocupações, que nós inadvertidamente lhe causamos – o senhor presidente coloca no estandarte do Concelho o imponente menir que daqui se avista e nós levamos a connosco a malfadada lua...”

(Referia-se o meu amigo Zeca a um desse monumentais falos pré-históricos apontados ao Céus, que pululam no país rural e que, no caso, decorava a entrada dos Paços do Concelho, ao alcance do olhar através da janela aberta.)

A insólita proposta apanhou todos de surpresa. E intrigados entreolhavam-se. Apenas as longas pestanas da Dr.ª Filomena se moveram para o Zeca, num doce e cúmplice pestanejar, prenhe de promessas...

Entretanto, os sorrisos abriam-se, no rosto dos “bárbaros” visitantes sulistas! E, após fecunda ponderação, para pasmo dos presentes, o Presidente, confiando o queixo, exclamou em exaltada anuência.

- “Ora aí está uma sugestão a ter em conta...”

Depois de firmado o contrato, já de regresso a Lisboa, o chairman para o Zeca:

- “Francamente, Zeca! Você é um exagerado! Um menir, hã? Não lhe bastaria um bom boneco do Bordallo?!...

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Acaba de me telefonar o Zeca anunciando-me que, no concelho em causa, as eleições autárquicas foram ganhas pelo presidente de sempre. Que o contrato vai de vento em pompa! E que, assim, as suas visitas ao norte irão continuar.

Para proveito próprio e alegria da “competentíssima” Dr.ª Filomena que tem dado sobejas provas de seu talento...

Um sortudo, meu amigo Zeca, não acham?

domingo, outubro 04, 2009

“Vibrato"

Que as palavras sejam
Canto de pássaros sob a máscara
Ainda quente de outros cantos
Recidivos...

Que se cumpram os prenúncios.
E a polpa dos dedos
Seja arrepio de pele sobre o dorso
Da vertigem...

E violoncelos tangendo a combustão
Dos corpos...

Livro de Horas
No mistério dos sentidos...

quinta-feira, outubro 01, 2009

Os homens, as coisas e os nomes...

A Revolução liberal de 1789, como se sabe, aboliu os privilégios pessoais. E, na sua pulsão libertadora, fundou uma nova ordem social e proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão para a qual “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos; as distinções sociais não podem ser baseadas senão na utilidade comum.” Em consequência, o direito ao nome, no conjunto dos direitos de cidadania, não será mais objecto de outorga, mas antes considerado como direito natural, inerente a todos os indivíduos.

Sinal imprescindível da personalidade, o nome pessoal extravasa, porém, a palavra que o enuncia. Representa, sobretudo, aquilo que somos; ou seja, o nome é o símbolo de que reveste seu titular e unifica o indivíduo: estrutura corpórea, mas também a dimensão psíquica e conjunto de valores éticos, políticos, intelectuais e morais, que definem o carácter.

Por outras palavras, o nome constitui o sinal mediante a qual a sociedade nos interpela, a evocação pelo qual somos reconhecidos durante toda a vida e, de alguma forma, nos propaga no tempo, pois que, como símbolo da identificação e da individuação pessoal, nos vincula à nossa vivência e ao mérito (ou demérito) da nossa participação colectiva.

Na sua dimensão simbólica, o nome pessoal é também expressão de uma ideologia: de classe, de grupo ou de uma família. Os nomes pessoais falam para além das pessoas que designam. Revelam mais do que afirmam. Desde logo porque, hoje em dia, para as grandes massas aculturadas pela ideologia dominante são um fenómeno de moda (“Maria Albertina porque foste nessa/ de chamar Vanessa/ à tua menina?”).

Noutros casos, sobretudo, nas classes dominantes, o nome pessoal é a projecção social de um futuro que proclama, por isso, no nome de baptismo se inscrevem as referências familiares dos antepassados mais distintos, num processo que (dir-se-ia) da mesma natureza com que os primitivos usurpavam o nome dos animais ou fenómenos naturais que os seduziam. Em boa medida, é verdadeira a expressão “diz-me como te chamas dir-te-ei quem queriam que fosses...”

Este fenómeno é replicado nos processos democráticos ou revolucionários, em que os nomes de líderes e de vultos destacados, são assumidos pelas massas e os inscrevem no registo dominante dos nomes próprios em determinado momento histórico. Por exemplo, na geração do post 25 de Abril, são frequentes os nomes de “Vasco” e de “Catarina”, como homenagem a dois mitos maiores da revolução – Vasco Gonçalves e Catarina Eufémia.

Acontece que, na sua expressão simbólica, os nomes podem ser manipulados como instrumento de luta ideológica. De facto, como se referiu, o nome é direito natural de que todos homens, sem distinção, são sujeitos. Quer dizer, portanto, que o nome igualiza todos os homens, colocando-os, ao menos no plano formal (deixando por agora de fora as desigualdades derivadas da situação concreta de cada um no sistema de produção), em lugar idêntico perante o direito e a sociedade.

Mas se o direito igualiza, a ideologia distingue.

Vejamos. Os nomes produzem um efeito especular, unificador das características pessoais de cada um, que no seu conjunto definem a sua individualidade própria. É mediante esse efeito que os indivíduos em concreto se reconhecem e a sociedade os interpela como homens e cidadãos. Eliminar ou elidir alguma das características individuais expressas simbolicamente no nome, será diminuir a personalidade do indivíduo. Ignorar deliberadamente o nome de uma pessoa é, de alguma forma, decretar a sua “morte civil”...

Quem seguiu atentamente os debates entre os líderes políticos, no contexto das recentes eleições para a Assembleia da República e verificou a persistência da dr.ª Ferreira Leite, presidente do PPD/PSD, em não pronunciar o nome de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do Partido Comunista Português, compreenderá o que pretendemos dizer.

Na boca da ilustre senhora, Jerónimo de Sousa foi sistematicamente nomeado como “senhor deputado”, privilegiando, do efeito especular do nome, o lugar institucional em que o Secretário-geral do Partido Comunista se move.

Com um duplo efeito ideológico. Por um lado, negando o nome próprio, negava também a igualização social, no igualitário contexto do debate. Por outro, distinguindo a qualidade de deputado elidia outras notáveis características que irradiam da personalidade Jerónimo de Sousa – p. ex., a sua historia de vida, a sua militância política e a sua condição de comunista.

Na melhor tradição dos tempos da “velha senhora”...

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Eu sei que não faltam motivos para crónicas mais divertidas e algumas farpas. Afinal o homem "que nunca se engana e raramente tem dúvidas" cultiva suspeições e trapalhadas.

Mas não perde pela demora. Ainda a procissão vai no adro...

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...