segunda-feira, abril 19, 2010

Foi publicado, recentemente, o nº1711 – Primavera de 2010 – da revista “Seara Nova”.

De destacar neste número, para além de outros temas da actualidade, os documentados artigos que compõem “dossier ambiente” e o artigo de D. Manuel da Silva Martins, que se transcreve:
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Onde andará a esperança?

“Este mundo, que todos os dias é outro, não me deixa adivinhar onde verdadeiramente estou. Sinto-me um pouco perdido no meio de tanto avanço científico e tecnológico, mas também de tanto recuo e de tanta confrontação. E foco-me a pensar: para onde vamos?

E não me faço esta pergunta só pelo mau trato que estamos a dar ao planeta, mau trato que há-de levar a humanidade ao suicídio, se não houver um retrocesso rápido nos nossos comportamentos.

E não me faço esta pergunta pelo desemprego galopante que a técnica paradoxalmente provoca e os sistemas económicos que nos regem aumentam cada vez mais.

E não me faço esta pergunta pela corrupção que se instalou em Portugal, tudo dando a indicar que veio para ficar. E não me faço esta pergunta pela imoralidade de tantas leis laborais que atingem o homem nos seus direitos fundamentais.

E não me faço esta pergunta pelas desigualdades gritantes que se cavam entre ricos e pobres, entre os que comandam a vida económica e os que por ela são explorados.

E não me faço esta pergunta pela incompetência de tantos governantes a que tantas vezes se alia o pendor para o compadrio e para injustiças de toda a ordem, com o consequente descontentamento de toda a população.

E não me faço esta pergunta por causa de tantas leis injustas que vão dar fundo à chamada ética republicana que de ética não tem nada. Nem sequer me faço esta pergunta por comportamentos anunciados que poderão atacar os fundamentos de uma sociedade, que se quer desenvolvida no respeito pelos valores e pela dignidade da pessoa humana.

Estamos numa sociedade onde as preocupações andam mais pelos ramos do que pelo tronco, mais pelo objectivo do que pelo substantivo, mais pelo foguete do que pela festa. Não estamos bem e receamos ir de mal a pior. Sentimos a sociedade doente e a perder a esperança de recuperação. Vai-se dizendo que Portugal está a fugir de Portugal.

Para conseguir uma sociedade minimamente feliz, precisamos todos de nos darmos as mãos e avançar para acções que, por vezes, até pareçam politicamente incorrectas.

De quanto disse e do muito mais que poderia dizer quem anda cá pelo chão, resulta que urge uma grande atenção ao mundo que construímos e que é de todos nós, um olhar crítico a quanto se promete, se projecta e (não) se faz, uma sensibilidade atrevida e no terreno, sempre que estejam em causa dignidade, direitos, deveres e valores.

Portugal está a esvaziar-se de valores e a responsabilidade é de todos nós que muitas vezes falamos quando não é preciso e calamo-nos quando deveríamos gritar. Não esqueçamos, por favor: o que é de todos, o que é da responsabilidade de todos, por todos deve ser assumido. Sem perda de tempo. Chorar só, não chega..."

D. Manuel da Silva Martins - Bispo Emérito de Setúbal

12 comentários:

lino disse...

Continua lúcido, como quase sempre.
Abraço

Mar Arável disse...

O meu amigo bispo " vermelho "

na nossa Seara

Genny Xavier disse...

Meu querido,
São muitas as perguntas que me faço neste tempo de tantas indagações sem respostas...quase sempre eu me atenho ao meu senso, a minha indignação, a minha sede e fome ou as minhas boas intenções...mas o que vale a minha febre senão ao fogo que me guia?...não é possível deixar de ter esperança pois, sem ela, nos bastará o pranto.
Beijos,
Genny

© Maria Manuel disse...

retrato realista da actual sociedade portuguesa. infelizmente, sinto-me pessimista, já nem sei se basta alguma coisa, se há alguma coisa que salve...

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

gostei de ler.

grata!

beij

lis disse...

Oi heretico
boa pergunta : por onde andará ? onde adará a moralidade em todo mundo? ?
a data amanhã aqui marca a tomada de posse do nosso território pelo reino de Portugal , mas há controvérsias quanto a tomar posse de um local onde já havia habitantes,há 510 anos atras já havia o politicamente incorreto. Apesar de alguns historiadores contradizer ou questionar, os brasileiros agradecem os colonizadores portugueses que se levaram alguma coisa daqui deixaram muito mais, a propria vida!E nós todos, sempre declaramos esse amor a Portugal. Somos também filhos adotivos dessa terra.
O rei a época era D.Manuel , bem o prenome do autor do texto rs por sinal muito bom.
abrços, desculpe a divagação.

Graça Pires disse...

Gostei de ler o texto de D. Manuel da Silva Martins e pelas mesmas razões me questiono: Onde andará a esperança?
Um beijo.

Náná, a emergente disse...

Chorar é um desabafo do espirito quando as palavras estão a mais.
O momento é de palavra e de acção.
Ambas lúcidas e fortes.
Emergentes da longa noite.

Um abraço

Peter disse...

Esta semana vim a conhecer um vizinho: o Ulpiano Nascimento, director da Seara Nova, que passou a trazê-la para a papelaria do bairro. Vende-se bem. A última traz um bom editorial: "Acertar o rumo"

GS disse...

... excelente análise vinda de um bispo!
Fez-me lembrar D.António Ferreira Gomes por quem nutro grande respeito! A sua obra foi marcante!

... a propósito da 'Seara Nova'... neste dia! Uma rosa por um livro?

Licínia Quitério disse...

É homem de palavras sábias. Gostei.

GP disse...

O mundo que os meus avós me deixaram era bem melhor do que o que eu deixo aos meus netos.
Haverá razão para a esperança?
Obrigada por me proporcionares esta leitura que adorei.

beijo

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