segunda-feira, julho 12, 2010

Histórias da Carochinha...

 
“A palavra “ideologia” não tem culpa dos tratos de polé a que tem sido submetida quer por políticos, quer pelos seus ampliadores naturais, os jornalistas (...). Tudo quanto é articulista faz elogios a qualquer coisa que pareça ser um "retorno à ideologia", quer à esquerda, quer à direita, e aceita como sinal desse retorno qualquer frase, declaração e posição que se auto intitule de "ideológica", mesmo que seja apenas um discurso deslavado, muitas vezes apenas auto justificativo e propagandístico.

Um festim deste "retorno à ideologia" deu-se nas últimas jornadas parlamentares do PS. Onde, de Mário Soares a Sócrates, se tentou formular uma vaga teoria justificativa das posições de "esquerda" do PS, em contraponto à direita, ao "neoliberalismo" (...).

Já comparei a "narrativa" que se fez nas jornadas parlamentares do PS da história das últimas décadas que levaram à crise actual a uma história da Carochinha, mais uma das que correm na vida política portuguesa com abundância nos tempos socráticos. Sem desprimor para a Carochinha, nem para o seu consorte Ratão.

É não só uma "narrativa" sem qualquer correspondência com a realidade, como não tem qualquer consequência na política, na acção concreta. Chamar a isto "ideologia" é também dar urna palavra-caução a uma história auto justificativa, sem substância teórica e... sem ideologia. Se é assim que a esquerda hoje "pensa", está bem arranjada a esquerda (...).

Em Portugal, Sócrates dixit, o “neoliberal” máximo dos dias de hoje é Passos Coelho, cujo objectivo é o “desmantelamento do Estado social”, e este perigoso "neoliberal" é o dirigente social-democrata mais elogiado por Mário Soares e aquele com que José Sócrates co-governa o país. Encaixam as coisas urnas nas outras? Nada, mas não têm importância. Basta a enunciação "ideológica", para épater le bourgeois e a ignorância jornalística e chega. O resto não importa.

O discurso corrente é que todas as medidas actuais, que os socialistas deveriam abominar, se tomassem a sua própria ideologia a sério, são justificadas para garantir a "sustentabilidade do Estado social". Na verdade, a realidade é bem diferente.

O alvo de todas estas medidas é o próprio Estado social que se diz defender. Cortes de salários e de regalias sociais, fim de subsídios de desemprego, subida da idade de reforma, cortes no investimento público (...), são medidas que os socialistas incluiriam no catálogo daquilo que acham ser o “neoliberalismo”.

Ou seja, os socialistas tomam medidas “neoliberais”, para defender o “Estado social”, o que também não encaixa lá muito bem. Estamos mais uma vez no domínio da Carochinha.

O problema é outro: é que nem a crise teve origem naquilo que dizem ter acontecido, nem aquilo que consideram ser o “neoliberalismo” existe enquanto tal, nem a narrativa histórica dos últimos anos corresponde, a não ser a um fragmento da realidade. Eles deliberadamente ignoram que (...) a crise actual, sendo uma componente financeira que é a única de que os socialistas falam, foi muito para além e acabou por mostrar a dimensão de fragilidade do “modelo social" construído na dívida e no défice (...).

Agora o acordar é duro, mas podiam poupar-nos a esta fábula inventada da Carochinha para encontrarem nos outros uma responsabilidade que também partilham, e continuar a esperar que nada mude, quando tudo mudou. É que, se há “ideologia” que não se come, é esta; e o comer vai estar muito no centro das preocupações dos povos...”

José Pacheco Pereira - Historiador – in “Público”, 10 de Julho.

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Difícil não concordar com o teor do texto. Compreendem-se, porém, as razões do doutor Pacheco Pereira. Como “intelectual orgânico” do cavaquismo (ressurgente) trata-se de aplanar caminhos e de demolir, com precisão, a “história da Carochinha” da social-democracia que, em conluio com a direita (estatista, helás!) levou o Mundo ao “acordar duro” do tempo presente.

Mas como ele bem sabe, por mais “arqueológica” que considere a tese, a ideologia não fica à entrada da porta, enquanto, uns e outros, se entretêm, melhor ou pior, a contar a “história da Carochinha”. Por muito que alguns pretendam o fim das ideologias...

É de uma althusseriana evidência que a “ideologia não tem exterior”, pelo que a acusação de se “estar na ideologia” é sempre feita em relação aos outros e nunca relativamente ao próprio - como se o doutor Pacheco Pereira fora uma impoluta vestal, não contaminável pelo vírus da ideologia...

E, como o doutor Pacheco Pereira reconhece – honra lhe seja! - que “o comer vai estar muito no centro das preocupações dos povos” seria expectável que reconhecesse também que os indivíduos, na luta pela sobrevivência e no combate político, adquirem uma efectiva consciência das possibilidades da superação do seu lugar no processo produtivo.

E, perante uma nova consciência social, uma nova “narrativa histórica” se poderá desenhar, para além das histórias da Carochinha tão do agrado do doutor Pacheco Pereira e seus comparsas. Sejam quais forem, episodicamente, os respectivos lugares na barricada...



11 comentários:

Virgínia do Carmo disse...

E o problema, digo eu, é que se perdeu a ponta do novelo! (leia-se "enredo"...)

Abraço

Jorge Castro (OrCa) disse...

Entre estas Carochinhas e os seus pseudo-adversários Ratões venha o Diabo e escolha...

Fábula por fábula, sempre me ocorre aquela do galo que metia tudo pelo rabo acima, para ir, depois, tudo libertando, à vez, em função das suas conveniências, o que não sendo, porventura, muito elegante, nos recorda o apego perverso que algumas almas impolutas nutrem pela historinhas da carochinha transvestidas em ideário político-social.

Depois, por ignorância assumida ou por assumida arrogância, foi assim que do «socialismo na gaveta» ao «marxismo já ultrapassado», tudo com temperos pragmáticos, claro, se chegou ao estado (de sítio) em que estamos, onde até um Paulo Portas parece dar, de tempos a tempos, uma de «esquerda», mesmo que baixa, tal a confusão de conceitos que se pretendeu instituir.

No entanto, vendo bem e como dizia um patusco da nossa praça, «é só fumaça» que, mal se desvanece, mostra o real papel de todos estes pândegos. É só querer olhar para eles com olhos de ver.

(Tu desculpa-me o palavrório, mas é-me impossível ler-te sem me sentir inspirado!)

Grande abraço.

Graça Pires disse...

Todos eles encaixam melhor na figura do João Ratão. Sem excluir o próprio Pacheco Pereira (que canta bem mas não me alegra...)
Um beijo.

lino disse...

Para mim, vozes como a do Pacheco deixaram de ter razão há mais de quatro décadas mesmo que, lá muito de longe em longe, digam alguma coisa que parece estar certa. Não chafurdo nessa gamela.
Abraço

Anónimo disse...

há uns dias assisti a uma defesa de tese de doutoramento em que um dos membros do júri referiu que a ideologia é a mãe da língua... e fiquei a pensar nisso até hoje... gostei muito de ler, heretico. um grande beijinho.

GP disse...

Boa noite!
Não tinha lido o PP. Concordo com ele e contigo.

beijo

Rogério G.V. Pereira disse...

Tenho pressa de viver
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo
Não tenho tempo a perder.

Parece desgarrado, sem sentido nem propósito. Mas de facto ocorreu-me a "Fala do homem nascido". Eú, tal como ele, já não tenho tempo a perder com PP, discussões de como chegamos aqui, se ainda há esquerda e direita... Agora é pão-pão, queijo-queijo e vamos a factos que eu tenho pressa de viver. Digam-me lá: Na Assembleia da República que iniciativas do PS foram aprovadas com votos do PSD só ou acompanhado pelo CDS? Quantas as iniciativas do PSD foram aprovadas pelo PS só ou acompanhado pelo CDS? Quantas do Bloco e do PCP ficaram pelo caminho?

Depois de recolherem esses dados eu digo como chegamos aqui... e nem ligo aos teóricos de cada uma das bancadas...

Boa?

mdsol disse...

"o comer vai estar muito no centro das preocupações dos povos”

Eu sei, eu sei, eu sei... Mas, assim soltinha, esta frase nem parece dita pelo douto autor ou alguém das suas doutas redondezas: _Oh JPP anda comer, deixa lá o blog que o comer está a ficar frio...Valha-me Kant!

Passe esta minha brincadeira... o assunto é sério e eu li com atenção, mas, para comentar como deve ser, não há-de faltar aqui quem o faça. Eu é mais brincar para aguentar com tanta realiade.

Politikus disse...

Passon a citar:"O problema é outro: é que nem a crise teve origem naquilo que dizem ter acontecido, nem aquilo que consideram ser o “neoliberalismo” existe enquanto tal, nem a narrativa histórica dos últimos anos corresponde, a não ser a um fragmento da realidade". Não podia concordar mais... Creio que vivemos numa expécie de ilusão de que somos um país a sério.

Licínia Quitério disse...

Este Pacheco Pereira tem de se fazer notar. Gosta de continuar a ser o enfant terrible que os tempos do MRPP lhe pegaram à pele. Bate em todos (ou finge que bate)para depois poder vir dizer "Eu não lhes dizia"?
Só que o movimento dos com fome segue caminhos que o sr PP não é capaz de prever e dos quais, acredito, tem algum receio. Pelo sim, pelo não, vai contando histórias. Da Carochinha como bem dizes.

Abraço amigo.

Mar Arável disse...

O Pacheco é assim desde pequenino

e ainda não cresceu como gostaria

Com estes Pachecos ideólogos da carochinha Passos Coelho vai saltar na púcara aliado com Sócrates ou só
sendo certo que por razões de despesa administrativa
se poderiam fundir

Esta gente perdeu
não o sentido ideológico
mas o ética social

O Pacheco permanece
ideológico mas a fingir
inodoro quando tresanda
à espreita das gamelas

Ai de nós esquerda

se nos permitíssemos
sem sonhos acordados

Abraço amigo

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