quinta-feira, dezembro 29, 2011

Sobrevivente(s) a tantos deuses mortos...



Na mitologia grega, o mirto era consagrado a Afrodite. Também na mitologia romana, em que Vénus detinha título de Múrcia (de mirto ou murta).

Desde a antiguidade que esta espécie arbórea está relacionada com rituais e cerimónias solenes - os gregos adornavam as noivas com grinaldas de flores mirto, como ainda hoje, por vezes, acontece.

Das folhas e madeira do mirto era extraída a mirra, uma das oferendas do Presépio.

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 A UM MIRTO

Nascido antes de Cristo
Uma vez mais floriu
O velho e agora jovem mirto.

Junto ao poço as suas fundas raízes
E o mesmo vivo, sempre generoso
Aroma das folhas; o tronco
Torturado por nodosas chagas,
Cavernas, golpeado de musgo e cobre
Mas com baixos, com tenazes rebentos.

Quantos anos aqui perdeste, quantos
Se amarram à tua sombra?
Alguém como eu acaso te beijou?
Quantos passos em volta? Quanta chuva
Desejou o Romano que para aqui te trouxe?
E a quantas exalações da vida assististe
Como muda testemunha, ó corpo mediterrâneo
Sobrevivente a tantos, tantos deuses mortos?

António Osório
Poeta português, nascido em Setúbal – 1933.

A Raiz Afectuosa” (1972), “A Ignorância da Morte” (1978), “O Lugar do Amor” (1981), “Décima Aurora” (1982), “Adão, Eva e o Mais” (1983) são alguns dos seus livros.

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Sejamos Mirto!...

BOM ANO...

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terça-feira, dezembro 20, 2011

SUAVES SORTILÉGIOS...

VOTOS DE NATAL FELIZ...
com Saúde, Paz e Alegria.

(apesar dos tempos...)
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Suaves sortilégios...

Falam-me estes dias de suaves sortilégios
Quando os olhos sorriam na ternura de um afago
E teu regaço, Mãe, era altar e refrigério …

Não havia profusão de cores. Nem artificio.
Tudo se resumia à singeleza de teus dedos
Ajeitando o musgo sobre a pedra.
E a imaginada gruta onde construías o milagre
Aninhando-se em mim: – Deus menino!...

(Que o outro Menino era apenas pretexto.
Natal que tu não sabias, então, Mãe, mas eu sei.
Hoje!...)

E a mãe celeste era a amorável devoção
Com que enfeitavas o caminho. E deitavas
Nas palhinhas o meu olhar deslumbrado
E o doce encantamento…

E a liturgia imaculada do presépio!...
E esta eterna dor da ausência. E tua presença
Iluminada que pressinto em cada passo…    




segunda-feira, dezembro 19, 2011

Em memória de José Dias Coelho...


José Dias Coelho nascido em Pinhel a 19 de Junho de 1923 - artista plástico.
Militante e dirigente do Partido Comunista Português.
 
Assassinado pela PIDE, em Lisboa, a 19 de Dezembro de 1961

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Capitalismo versus Democracia…


Há uns anos atrás, nos alvores dos anos 2000, o célebre financeiro George Soros, num livro sugestivo com o título “A crise do capitalismo global – a Sociedade Aberta Ameaçada”, interrogava-se – cito de memória – “se a democracia seria compatível com o sistema capitalista”.

E, na sua tese, considerava que embora o capitalismo esteja associado à democracia e lhe tenha servido como legitimação ideológica, considera o financeiro que há quem sustente ser necessária uma “certa forma de ditadura para que o desenvolvimento se desencadeie”.

Pois não é verdade que, entre nós houve quem, enquanto ministra das Finanças, tivesse sugerido a “suspensão da democracia por uns tempos” até as contas públicas ficarem em ordem. Procurou a pessoa em causa rectificar depois, como se ironia fosse, mas o agravo à democracia ficou. Sem remissão…

Face à gravidade da situação, os desenvolvimentos posteriores da crise do sistema capitalista têm vindo a fazer tocar as campainhas de alarme e a sobressaltar os espíritos mais lúcidos e as consciências mais inquietas.

Em Wall Street, centro nevrálgico do capitalismo global, a tensão entre capitalismo e democracia explode, com o movimento “Occupy Wall Street”. Para a opinião pública norte-americana este embate entre capitalismo e democracia deve soar com muita estranheza e perplexidade.

Porventura capitalismo e democracia não foram sempre considerados, no chamado mundo ocidental, como irmãos siameses e indelevelmente inscritos nos actos fundadores da grande nação norte-americana? Esse foi também, sem dúvida, para os governantes e opinião pública norte-americanos o leitmotiv durante a guerra fria, para quem, na sua propaganda, comunismo e democracia seriam incompatíveis.

Mas depois da guerra fria as coisas complicaram-se. É verdade, que após o colapso da URSS, os políticos norte-americanos e os intelectuais que por todo o mundo os servem quiseram fazer-nos acreditar que levar o capitalismo à China seria a proclamação da democracia naquele país. Vê-se agora o tamanho da presunção. A China está sentada numa montanha de títulos de dívida pública norte-americana, sem o mínimo abalo no regime político, que sustenta os enormes ritmos de crescimento e exploração.

Se nos quisermos aproximar da realidade europeia, então constataremos que a democracia, a “tal santa que continua mumificada nos altares” como diria Saramago, tem sofrido, nos últimos tempos, trato de polé. Em nome da austeridade, as grandes instituições financeiras abriram, sem pudor, guerra aberta aos governos e instituições democráticas.

Assistimos, assim, estupefactos, a que os ditos mercados capturem a democracia, de forma deliberada e pensada. Políticos, no exercício de funções governativas, na Finlândia, sustentam, sem pudor, que os seis países da zona euro, com a classificação triplo AAA, deveriam ter “mais voz” nos assuntos económicos europeus que os onze membros restantes. E, assim, a Europa meridional ficar subordinada politicamente à Alemanha e à Escandinávia e, em última análise, aos ditames da classificação creditícia pelas agências especializadas.

Mais grave ainda é que tais ideias fazem caminho nas instâncias comunitárias, como foi bem patente nos últimos desenvolvimentos, em que a democracia (mitigada) no funcionamento da União Europeia se vergou à vontade da senhora Merkel.

Bem vistas as coisas, o que os denominados mercados estão a fazer é ilidir a componente de igualdade social dos indivíduos e Estados, inscrita na matriz da Democracia e na génese da revolução liberal, para em alternativa, estabelecerem o principio não de “um homem (ou um Estado) um voto”, mas o princípio de “um euro, um voto”, quer dizer, a necessidade de ser proprietário (deter poder económico) para se poder ser benificiário da Democracia.

Uma regressão histórica que nos remete para o século XVIII, em que o direito propriedade estava acima de qualquer legalidade constitucional…      


quarta-feira, dezembro 07, 2011

"Mais vale morrer reinando, que acabar servindo"...


Luísa de Gusmão, nascida em 13 de Outubro de 1613, era espanhola de nascimento (andaluza) mas revelou-se uma rainha bastante ciosa dos interesses portugueses.

O casamento entre Luísa de Gusmão e o Duque de Bragança, promovido pelo ministro castelhano conde-duque de Olivares, foi uma peça da estratégia de fusão dos reinos de Portugal e Espanha, mediante a união das duas casas ducais mais importantes e, dessa forma, refrear as tentativas de rebelião portuguesas contra a dinastia filipina.

Mas Luísa de Gusmão não só não apoiaria a política de anexação de Portugal como incitou o marido contra o domínio espanhol, vencendo a sua tibieza e convencendo-o a aceitar a coroa que lhe era oferecida pelos conjurados e pelo Povo, com a restauração de independência, após a revolução vitoriosa de 1º de Dezembro de 1640.

Na última hora, na hora das hesitações, quando o duque de Bragança, convocado por Filipe de Espanha para se apresentar em Madrid e, por outro lado, intimado pelos conjurados a aceitar a coroa, se mostrava como sempre hesitante quis consultar sua mulher e encontrou nela a resposta altiva e varonil de que “mais vale morrer reinando, que acabar servindo”...

Mas quem hoje lembra a frase que a História regista? Nem sequer o feriado o 1º de Dezembro nos poupam!...

As “rainhas” actuais são de outra estirpe. Hoje, como ontem, as classes possidentes e seus representantes nos órgãos de Estado, tomam partido, não pela independência do País, mas pelo domínio estrangeiro. Como se o traidor Miguel de Vasconcelos fossem, prestam vassalagem à “imperatriz” Ângela e, com zelo de serviçais, vergam a espinha perante as ordens da tróica estrangeira…

A história, no entanto, não acaba aqui. Outras “Luísas”, que no duro quotidiano da vida actualsobem, que sobem, sobem a calçada”, fazem caminho na dura luta pela emancipação social e pela independência do País.

  







sexta-feira, dezembro 02, 2011

COMBUSTÃO DE SARÇA...

Comprime-se o horizonte na órbita dos dias
O azul esmorece e as vagas são espuma sem memória
Apenas pulsar da Lua no deserto das rochas
E a outra face lamacenta que explode
No quotidiano das algas. E na cor esverdeada dos limos…

Os homens revestem-se de agasalhos. Sombrios.
Até as crianças se degolam. As guloseimas
São agora a exibição dos juvenis corpos na impudícia
Que os pais desnudam no lucro das marcas
E no aplauso de plateias. Como se plástico fosse
Oiro de lei das criaturas ou o peso das almas…

Nego-me. Sou apenas cinza na combustão da sarça.
E a pedra rústica em que tropeço. E a hora desmaiada
Da tarde em que desfaleço. E esta teima.
E a agitação da febre. E esta inesperada força
Que em braçadas de náufrago se ilumina…

quarta-feira, novembro 30, 2011

Falta de cabeça...


 “Alguns homens de talento da nossa Terra lembram-me a Victória de Samotráquia: têm asas, mas não têm cabeça.” - Raul Proença – SN nº45 – Maio 1925
Assim os nossos "senadores", suas memórias, seus livros e suas entrevistas televisivas ...

(Ando um pouco amargo, desculpem)

domingo, novembro 27, 2011

APÓS A GREVE GERAL ...


Pacheco Pereira - in "Público" - 26.11.2011
(excerto)

(Quase) tudo me distingue do autor em referência.
Não tenho, porém qualquer dúvida em editar este texto.
Como diria Raúl Proença "todos temos dentro de nós, uns mais do primeiro, outro do segundo, um ser inteligente, um ente crítico, de razão, e um ser instintivo (...) todo de reflexos e reacções elementares imediatas (...)"

Seja esta uma forma singela de dignificar o primeiro (ser que nos habita)
em prejuízo do segundo.

terça-feira, novembro 22, 2011

Com A GREVE GERAL, naturalmente...


Quando a dignidade, a justiça, a democracia e a soberania estão em causa, a luta de um povo e todos os sacrifícios se justificam. A situação financeira e económica dos trabalhadores e das suas famílias é dura, as pressões do desemprego, da precariedade e de alguns autoritarismos patronais são violentas.

A proposta de Orçamento de Estado para 2012 perspectiva um ciclo de austeridade, de recessão económica e deterioração orçamental que se irá prolongar, sem se saber ao certo quando poderá terminar.

As políticas que o Governo se propõe adoptar, assentam na recessão económica e tornam o agravamento do desemprego, a facilidade de despedir, o aumento dos horários de trabalho, a redução da retribuição do trabalho e os cortes com as prestações sociais, como factores estruturantes do empobrecimento dos portugueses.

Os trabalhadores da Administração Pública perdem, em média, em dois anos, cerca de 30% da sua retribuição. A proposta de aumento dos horários de trabalho em 2,5 horas semanais não remuneradas, tem é uma ignóbil medida que aprofunda a exploração do trabalho a níveis de escravatura.

Aceitar que tecnocratas ao serviço de credores e agiotas, se dêem ao desplante de virem ao nosso país afirmar na comunicação social as políticas que devemos seguir significa abdicarmos da nossa soberania. As suas sugestões de mais cortes na saúde, nas condições das autarquias e nos subsídios de férias e de Natal constituem autênticas provocações e permitem mais chantagens sobre os trabalhadores.

Para travar os perigos, para resistir com êxito e para ganhar os desafios do futuro é preciso que os trabalhadores e o povo não se conformem e intervenham com a sua luta e as suas propostas.

A Greve Geral é por direitos e condições de trabalho e por direitos sociais fundamentais mas, acima de tudo, por Portugal, contra o retrocesso social e civilizacional em curso e pelo futuro das jovens gerações.




 

domingo, novembro 20, 2011

Sobre escombros...


Sobre escombros a invertebrada luz. Branca.  
E a noite ignota…

Somente iniciados lhe colhem o sentido.
Obscuro. E no bordão dos dias
Percorrem suas dores. Peregrinas…

Sabem que no colapso e nos nocturnos despojos
Todos os portais se franqueiam. E todas as auroras.
E que dóricas colunas são apenas o sobre-humano
Esforço de erguê-las…

E que na ignara majestade dos homens
Irrompe ao longe o dia claro…    

sexta-feira, novembro 18, 2011

“Para além do capital e de sua lógica destrutiva”


 Ao que julgo conhecer, o filósofo marxista George Lukács alimentava a ideia de escrever “O Capital” dos nossos dias. Esse projecto significaria investigar o mundo contemporâneo e a sua lógica, os novos elementos do seu metabolismo social e com isso fazer, no último quartel do século XX, uma actualização das categoriais e lineamentos presentes na obra de Marx. No entanto, foi outro filósofo marxista, o húngaro István Mészáros, grande colaborador de Lukács, quem lançou mãos à obra.

Radicado na Universidade de Sussex, na Inglaterra, Mészáros já havia publicado diversos livros de grande fulgor intelectual, mas conforme as referências que encontro, “Para além do capital e da sua lógica destrutiva” é a sua obra maior.

Em porfiada ronda pelas livrarias de Lisboa, fui obrigado a reconhecer que, em Portugal a obra em referência é pura e simplesmente desconhecida, ou então olimpicamente ignorada pelos nossos editores e livreiros, para não falar no mainstream cultural envolvente. Enfim, em verdade, nada surpreendente: mais um triste sinal dos tempos!...

Socorro-me por isso de alguns sites, sobretudo brasileiros, para me documentar sobre a obra, julgando estar em condições de vos dizer que “Para além do Capital e da sua Lógica Destrutiva”, constitui, no actual estádio de desenvolvimento da sociedade, uma penetrante reflexão crítica sobre o capital, as suas formas e as suas engrenagens e mecanismos de funcionamento.

Mészáros realiza assim uma demolidora crítica do capital e uma das mais densas reflexões sobre a sociabilidade contemporânea e a lógica que a enforma.

Como um dos eixos centrais de sua interpretação, Mészáros, ao arrepio do pensamento marxista clássico, considera capital e capitalismo como fenómenos distintos e admite que a identificação de ambos os conceitos tenha estado presente nas experiências revolucionárias até à data, tendo sido porventura a razão do seu fracasso.

Para István Mészáros, o capital antecede ao capitalismo e também lhe será posterior; o capitalismo, por sua vez, será uma das formas possíveis de realização do capital, uma de suas variantes históricas. Assim como existia capital antes da generalização do sistema capitalista, também se pode verificar a continuidade do capital após o capitalismo.

É o que o Mészáros denomina como “sistema de capital pós-capitalista”. Tal, como, na perspectiva do autor, aconteceu na URSS e demais países do Leste Europeu, durante o século XX, pois que estes países, embora tivessem uma configuração pós-capitalista, foram incapazes de romper com o “metabolismo” de funcionamento do capital.

Considera, portanto, que o capital é um sistema abrangente, com núcleo constitutivo formado por capital, trabalho e Estado; estas três dimensões estão são materialmente interligadas, sendo assim impossível poder supera-lo sem a eliminação do conjunto dos elementos incorporados no sistema.

E, como sistema que não tem limites para a sua expansão (ao contrário dos modos de produção anteriores, que buscavam a satisfação das necessidades sociais), o metabolismo de funcionamento do capital, no limite, torna-o incontrolável. Como se sabe, fracassaram no objectivo de o controlar ou superar tanto a social-democracia, quanto a alternativa soviética, uma vez que, uma e outra, acabaram seguindo o que Mészáros denomina “a linha de menor resistência do capital”.

Expansionista, destrutivo e, no limite, incontrolável, o capital assume cada vez mais a forma de uma crise endémica, crónica e permanente, cuja agudização faz emergir o espectro da destruição global da humanidade.

Esta emergência histórica, coloca, assim, como única forma de evitar a catástrofe, a evidente necessidade de pensar e construir uma alternativa social, que na perspectiva do autor será a sociedade socialista.

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Se tiverem tempo e paciência, recomendo que visionem entrevista completa que István Mészáros concedeu a célebre programa da TV brasileira “Roda Viva”, constante do vídeo.   









quarta-feira, novembro 16, 2011

SEARA NOVA - Outono 2011


Foi recentemente publicada a última edição da SEARA NOVA – nº 1717 - Outono de 2011. Como motivo suplementar de interesse a circunstância deste número celebrar o 90º aniversário da fundação da revista, cujas iniciativas comemorativas se realizarão em 2011/12.

Neste contexto, de salientar, desde logo, a capa da revista, de autoria da insigne pintora e seareira, Maria Keill, que pretendeu associar-se às iniciativas do 90º aniversário da SEARA NOVA, bem como o poema inédito e empolgante do poeta e ensaísta Manuel Gusmão, de que vos deixo brevíssima referência:

“Eu te saúdo, velho oceano, que guardas na caixa
Arcaica dos teus pulmões os rios que no teu corpo,
Apodrecem tantos despojos brilhantes e imprestáveis,
Equivalentes segundo o marcial padrão euro
Ao recheio exorbitante de 10 Centros Comerciais …”

Também a merecer destaque a “mesa redonda” com António Reis e Fernando Correia, que, com Sottomayor Cardia, tiveram papel determinante na renovação e no sucesso editorial alcançado pela SEARA NOVA no início da década de setenta.

Presentemente, além de outras actividades, o historiador António Reis é professor aposentado da Universidade Nova de Lisboa e Fernando Correia é jornalista, director do Curso de Jornalismo da Universidade Lusófona.
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Leia, assine e divulgue a SEARA NOVA!...
“Há que fazermo-nos ao Mar, antes que sequem os rios…”












segunda-feira, novembro 14, 2011

EÇA DE QUEIROZ, tal e qual...


“Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações. A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.

A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio.

A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva. À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.”

Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora” (1867)
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“Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: - mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito.

Hoje, crédito não temos, dinheiro também não - pelo menos o Estado não tem: - e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela política.

De sorte que esta crise me parece a pior - e sem cura.”


Eça de Queirós, in “Correspondência” (1891)

domingo, novembro 06, 2011

AZUL. VERMELHO E ÁGUA...


Furtivos são os dias
No olhar das crianças e no coração dos homens.
Frémito de ondas e rito de aves nos imutáveis destinos
Onde todas a coisas são simples e belas.

E sem mácula…

Como a inesperada flor vermelha, abrupta,
No declive das rochas, em precipício de cinza,
Diluindo-se na paisagem e no gesto de colhê-la…

Azul, vermelho e água - assim o lastro.
E as inquietantes nuvens toldando o rio seco
E incendiando as margens. Como vésperas
De um tempo incerto. E de seu canto.

Ferida aberta…

Nos olhos o voo dos pássaros e o balancear das ondas.
E a pulsão dos barcos arrimados. E o abismo da vertigem.
Ainda. E a flor carnívora. Calcinada…

E nas mãos apenas o calcário. E a generosa flor
Que vos ofereço.

Como rocha parideira!…
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Uma  pequena catarata na vista esquerda - nada de grave, portanto|... rs

Vou ali e já venho...
Beijos e abraços




  



sexta-feira, novembro 04, 2011

O CÃO DE ULISSES...

Há fidelidades que matam!
Assim compreendam as lições da História
a Grécia, Portugal e os restantes PIGs 

domingo, outubro 30, 2011

E não se pode exterminá-los?!...



Fui buscar inspiração para esta crónica a um texto de Karl Valentin, comediante e realizador de cinema bárbaro, companheiro de Berthold Brecht, cujas parcerias ficaram célebres. A peça em referência, de um humor corrosivo, foi encenada, como muitos se recordarão, por Luís Miguel Cintra, no Teatro da Cornucópia – Teatro do Bairro Alto - em Lisboa, nos idos anos do início da década de oitenta (Março de 1979).

Dizem os estudiosos que o humor de Valentin é uma espécie de antídoto contra a vida acidentada que teve durante duas guerras” e se ergue, subversivo e cáustico, zurzindo injustiças sociais e “narizes de cera”. Intemporal, portanto!...

Assim, a sua actualidade, à época da estreia da peça em Lisboa, nos alvores do cavaquismo, já então prenunciadores, para os espíritos mais argutos, dos obtusos caminhos percorridos pela sociedade portuguesa, desde então.

Revistar Valentin hoje é assim, mais que um exercício de memória, é uma questão de higiene mental…

Ora reparem. Em jornal de referência, um dos intelectuais orgânicos do actual poder político (VPV – in “Público” de 29.10.11), vem à carga fustigando, mais uma vez, os funcionários públicos e pensionistas que, no seu dizer, têm histórica e merecidamente muito má fama. Calaceiros, está bom de ver!...

Sempre fundado em eruditas considerações, que patego não alcança, insurge-se o iluminado articulista contra a artificial divisão, entre a dita “sociedade civil” e “essa abjecta classe de mandarins”, que medra a expensas do Estado, introduzida pelo Presidente da República com a sua “boutade” (que de outra coisa não passa e de que certamente já se arrependeu) sobre a “iniquidade fiscal” e o confisco do subsídio de Natal e de férias aos pensionistas e trabalhadores da administração pública.

Claro que enormidade obriga o articulista a afinar o tiro. E aquilo que era “abjecta classe de mandarins” que ninguém convence e, em seu douto dizer, sem que ninguém “na posse de juízo pense tal coisa”, convolou em mera cambada de madraços. Arraia-miúda, portanto, que a classe de mandarins come pela calada…

Há então que exterminá-los. Lentamente!...

Como o Estado Social (sempre em mira de seu azedume) foi inundado de “multidão de pretendentes sem qualquer qualificação útil, a não ser o seu compreensível desejo de ganhar e subir na vida”, e já que o despedimento era e é impossível, a única solução é então “pouco a pouco tornar a situação de funcionário público mais desagradável: reduzindo ordenados, suprimindo subsídios, removendo privilégios, até se estabelecer um equilíbrio entre os serviços que os portugueses (quais?) não dispensam e os meios que o Estado conseguir arranjar”…

Querem estratégia mais eficaz?! Claro que tal desígnio não configura nenhuma iniquidade fiscal ou outra – é mera filha da putice! Com desculpa pelo plebeísmo…

Como se o Estado tivesse a obrigação de pagar aos credores das parcerias público-privadas, os juros de usura dos credores internacionais, ou  pagar aos credores que defraudaram os depositantes no BPN e no BPP, mas não às modestas pessoas que trabalham no sector público!...

E já agora, para que não se diga que não sou solidário com o esforço de redenção da Pátria, ouso sugerir ao prestigiado articulista, que do alto da sua coluna, seja um pouco mais radical (um pouco mais de azul e será Céu!...) e preconize para os pensionistas a injecção atrás da orelha e para os trabalhadores no activo o trabalho sol a sol, naturalmente, sem remuneração, ou quaisquer subsídios e privilégios…

E assim teremos Finanças Públicas sólidas e economia robusta!...

E a paz nos cemitérios!...  

segunda-feira, outubro 24, 2011

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...