quarta-feira, dezembro 14, 2011

Capitalismo versus Democracia…


Há uns anos atrás, nos alvores dos anos 2000, o célebre financeiro George Soros, num livro sugestivo com o título “A crise do capitalismo global – a Sociedade Aberta Ameaçada”, interrogava-se – cito de memória – “se a democracia seria compatível com o sistema capitalista”.

E, na sua tese, considerava que embora o capitalismo esteja associado à democracia e lhe tenha servido como legitimação ideológica, considera o financeiro que há quem sustente ser necessária uma “certa forma de ditadura para que o desenvolvimento se desencadeie”.

Pois não é verdade que, entre nós houve quem, enquanto ministra das Finanças, tivesse sugerido a “suspensão da democracia por uns tempos” até as contas públicas ficarem em ordem. Procurou a pessoa em causa rectificar depois, como se ironia fosse, mas o agravo à democracia ficou. Sem remissão…

Face à gravidade da situação, os desenvolvimentos posteriores da crise do sistema capitalista têm vindo a fazer tocar as campainhas de alarme e a sobressaltar os espíritos mais lúcidos e as consciências mais inquietas.

Em Wall Street, centro nevrálgico do capitalismo global, a tensão entre capitalismo e democracia explode, com o movimento “Occupy Wall Street”. Para a opinião pública norte-americana este embate entre capitalismo e democracia deve soar com muita estranheza e perplexidade.

Porventura capitalismo e democracia não foram sempre considerados, no chamado mundo ocidental, como irmãos siameses e indelevelmente inscritos nos actos fundadores da grande nação norte-americana? Esse foi também, sem dúvida, para os governantes e opinião pública norte-americanos o leitmotiv durante a guerra fria, para quem, na sua propaganda, comunismo e democracia seriam incompatíveis.

Mas depois da guerra fria as coisas complicaram-se. É verdade, que após o colapso da URSS, os políticos norte-americanos e os intelectuais que por todo o mundo os servem quiseram fazer-nos acreditar que levar o capitalismo à China seria a proclamação da democracia naquele país. Vê-se agora o tamanho da presunção. A China está sentada numa montanha de títulos de dívida pública norte-americana, sem o mínimo abalo no regime político, que sustenta os enormes ritmos de crescimento e exploração.

Se nos quisermos aproximar da realidade europeia, então constataremos que a democracia, a “tal santa que continua mumificada nos altares” como diria Saramago, tem sofrido, nos últimos tempos, trato de polé. Em nome da austeridade, as grandes instituições financeiras abriram, sem pudor, guerra aberta aos governos e instituições democráticas.

Assistimos, assim, estupefactos, a que os ditos mercados capturem a democracia, de forma deliberada e pensada. Políticos, no exercício de funções governativas, na Finlândia, sustentam, sem pudor, que os seis países da zona euro, com a classificação triplo AAA, deveriam ter “mais voz” nos assuntos económicos europeus que os onze membros restantes. E, assim, a Europa meridional ficar subordinada politicamente à Alemanha e à Escandinávia e, em última análise, aos ditames da classificação creditícia pelas agências especializadas.

Mais grave ainda é que tais ideias fazem caminho nas instâncias comunitárias, como foi bem patente nos últimos desenvolvimentos, em que a democracia (mitigada) no funcionamento da União Europeia se vergou à vontade da senhora Merkel.

Bem vistas as coisas, o que os denominados mercados estão a fazer é ilidir a componente de igualdade social dos indivíduos e Estados, inscrita na matriz da Democracia e na génese da revolução liberal, para em alternativa, estabelecerem o principio não de “um homem (ou um Estado) um voto”, mas o princípio de “um euro, um voto”, quer dizer, a necessidade de ser proprietário (deter poder económico) para se poder ser benificiário da Democracia.

Uma regressão histórica que nos remete para o século XVIII, em que o direito propriedade estava acima de qualquer legalidade constitucional…      


8 comentários:

Lídia Borges disse...

Refletir sobre estas questões faz falta.É até imperioso.
Mas pensar que a Democracia está a ser atacada desta forma tão violenta é assustador. Fica a bailar no espírito uma enorme inquietação.
É que só a palavra Ditadura atrofia a minha capacidade de raciocinar.


L.B.

Um beijo

lis disse...

Saudade heretico
vim amenizar trazendo um abraço e desejar um Natal pleno e feliz junto a família que é o que nosso bem mais precioso , independente de como andam as coisas por aí ou por cá.
Feliz Natal, boas festas, bons vinhos e boa cumplicidade com seus amigos e seus amores- a família.
meus abraços

lino disse...

Mais uma excelente reflexão!
Abraço

Teresa Durães disse...

só vejo ditadura disfarçada de uma coisa qualquer

Nilson Barcelli disse...

A tua reflexão é excelente.
E isto vai acabar mal... muito mal...
Caro amigo, tem um bom fim de semana.
Desejo que tenhas um Bom Natal e um ano de 2012 muito feliz, extensível aos que te são mais queridos.
Abraço.

luis lourenço disse...

tão lúcida e profunda reflexão...
Em pausa de Natal deixo.te um abraço e os votos sinceros de um Feliz Natal e de um Bom Ano Novo.

Véu de Maya

bettips disse...

O que me chateia mesmo é o jorge sampas andar todo cheio de interrogações, ainda agora.
Gente que teve "rédeas na mão" não lhes perdôo!!!
Que a esperança te seja luz, por muitos anos.

jrd disse...

Excelente!
Um texto que é uma lição, cada vez mais necessária.

Abraços

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