segunda-feira, janeiro 30, 2012

DOBRADA À MODA DO PORTO...


“Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta
E vim passear para a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo.

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-me frio.
Não me queixei, mas estava frio.
Nunca se pode comer frio, mas veio frio…”

Álvaro de Campos.

quarta-feira, janeiro 25, 2012

O PINTOR NA PAISAGEM...


Amolecem os dedos como pássaros
Em círculo de fios prisioneiros e o canto
Amarelecido…

Apenas o alvoroço da névoa e o azul breve
Mitigando o colapso da tarde
Sobre o Tejo …

Cacilheiros são os dias assim furtivos
Ida e volta como ondas sobre o cais
Desmaiadas e sem rumo que em eco
Desfalecem…

Mar de sargaços e de bruma.
Os olhos embargados
E sombra sobre a tela…






domingo, janeiro 22, 2012

Carta a Álvaro...

Confesso a minha resistência psicológica em tratá-lo por “Álvaro”, nome com que pretende entrar nos anais da história pátria, ao que consta. As razões da minha resistência, se exceptuarmos os seus prosélitos, são evidentes – o nome que ostenta tem uma dimensão que pessoalmente o ultrapassa.

Estive, por isso, tentado a nomeá-lo por “Alvarinho”, mas ocorreu-me a marca do excelente vinho verde e conclui que também não merece esta aproximação. Presumo que o senhor, peso pesado e “mercenário dos mercados”, em matéria de vinhos, será mais pelo carrascão martelado…

Por momentos, ponderei também se deveria designá-lo por “Alvarito”, nome mais conforme com as travessuras do pastel de nata e com as finezas de Belém, mas lembrei-me das “frechadas” certeiras que ultimamente o têm assediado e desisti. Afinal, que contributo poderia este modesto escriva dar para tão empolgante tarefa de equilibrar a balança de transacções correntes, mediante o pastel de nata? A excelência da ideia esgota todo o universo de outras possibilidades…

Fica, pois, para minha contrariedade, consagrado como “o Álvaro”, como pretende, mas não me levará a mal que o trate, por V. Ex.ª, que está mais no meu jeito de homem cordato. Aliás, como diria o outro, os nomes são como os chapéus – nem todos assentam bem em qualquer cabeça…

Mas, enfim, o que verdadeiramente me traz à liça, não é tanto a trama e o “peso” de seu nome, mas antes o pletórico entusiasmo com que se propõe, mediante as peripécias da concertação social, dar “novos mundos ao mundo”, quer dizer, “uma lição ao mundo e aos mercados…”

Terá V. Ex.ª razão em estar eufórico. A assinatura dessa coisa a que chama enfaticamente “Compromisso para a Competitividade e o Crescimento” vale bem os “trinta dinheiros da traição”, quer dizer, os trinta minutos de trabalho diário sem retribuição (trabalho de escravo, portanto) que foi obrigado a engolir. Por força da combatividade dos trabalhadores e da sua luta - é bom que se diga - e não por efeito das proclamadas virtualidades da concertação social.

Quanto ao resto, bem pode V. Ex.ª e seus acólitos da UGT, limpar as mãos à parede. Uma verdadeira fraude aos trabalhadores, que em vez de meia hora de trabalho diário são agora obrigados a um maior número de dias de trabalho. Um “compromisso” leonino, portanto, que proclama como o alfa e o ómega da dita competitividade das empresas a diminuição dos custos salariais, o aumento do dias de trabalho e a facilitação dos despedimentos com menores custos de indemnização. Isto é, tornar os despedimentos livres e baratos…

Um retrocesso social inaudito, que tem no seu âmago razões ideológicas bem nítidas. A direita fundamentalista e as forças do capital nunca se conformaram com a perda de algumas parcelas de poder político e social, após a revolução de Abril e com a conquista de direitos económicos e sociais pelos trabalhadores…

Trata-se, assim, sob a capa da crise e o pretexto do crescimento da economia, de um ajuste de contas com Abril…

Poderá, portanto, V. Ex.ª embasbacar o mundo e os mercados, com seu “Compromisso para a Competitividade e Crescimento” e perfilar-se perante o espelho, pleno de auto satisfação. Os combates pela História, no entanto, forjam-se noutras instâncias e com homens de outra têmpera…

Como escreveu outro Álvaro, que V. Ex.ª ouviu falar, mas cuja obra lhe causa calafrios (andam “fantasmas” por aí), “dos homens consequentes, daqueles cujos propósitos permanecem intactos, através das mais duras provas, daqueles que sabem sofrer sem desfalecimentos os golpes mais mortais, podem esperar combate sem tréguas. Combate oferecido, apesar de terem à sua frente todas as dificuldades de quem luta em terreno inimigo. Forçados por vezes ao “déguisement”, outras à prudência, outras ao silêncio. A história já decidiu quem vencerá”. (A. Cunhal – in “Obras Escolhidas – I Volume).



quinta-feira, janeiro 19, 2012

SEARA NOVA nº 1718 - Inverno 2011


Foi recentemente publicada nova edição da SEARA NOVA, com a qual prosseguem
as evocações do seu 90º aniversário.
Para além do Editorial e de qualificados artigos sobre a actualidade nacional e internacional
são de destacar os depoimentos do escritor Urbano Tavares Rodrigues
e do historiador António Borges Coelho sobre os 90 anos da revista,
bem como o artigo "Três Notas sobre a Modernidade da Seara Nova",
pelo Professor da Faculdade de Letras do Porto, Paulo Archer de Carvalho.

De referir ainda, no âmbito das comemorações, as notas de reportagem da Ana Goulart
sobre a Conferência "O Projecto SEARA NOVA",
realizada em 26 de Novembro, na Casa da Imprensa, em Lisboa,
em que foram oradores o professor Antonio Ventura, da Universidade do Porto,
o professor António Reis, da Universidade Nova de Lisboa,
bem como o jornalista João Corregedor da Fonseca,
presidente da Associação Intervenção Democratica,
entidade proprietária da Revista.

segunda-feira, janeiro 16, 2012

Adoniran Barbosa e Elis Regina - Tiro ao Álvaro



Saborosos pastéis de nata em http://chezgeorgesand.blogspot.com/

CARPIDEIRAS DA PÁTRIA MORIBUNDA...


Ah, como eu gosto dos homens com "H" grande
vindos directamente de Alcácer-Quibir
de olhos cansados de todas as causas!
na aguardente rasca (porra, o wisky está caro!)
emborcam absintos e "river gauche"
desempregados de todos os sonhos
e famintos ferozes de todas as ideias que lhes escapam...


Oh, Baudelaire! oh, fatal "mal de vivre"
decadentistas de rabo coçado
piscando a remela de águas furtadas (in)imaginadas
sobre o Sena...


Oh, dor de donzelas purinhas arrependidas!
oh, caprichosa sorte do euro milhões que não chega!
oh, mazelas da pátria moribunda sempre adiada!
oh, monte carlo (que deus haja!) oh majestic!

 oh, benfica que não ganha! Oh, porto que se afunda…

Música que cheira à distância "demodé" (eheheh)
(im)potências de esguicho mal amado
gloriosos anos 60 lobrigados de cacilhas
esterilidade de revoluções a metro
"tigres de papel" vendidos na feira da ladra!


Não me lixem (com F grande)! Desistam!...
ou façam um blog político de preferência
ou vão carpir mágoas para S. Bento

como deputados de refugo...



terça-feira, janeiro 10, 2012

FARISAÍSMO...


Incomoda-me o farisaísmo. O senhor cardeal, bispo de Lisboa, vem à liça, como seria expectável, refreando, sobre fingida capa da tolerância, as pulsões cavernícolas daqueles que, a propósito não sei bem que gajada dos negócios, pretendem que os maçons declarem a sua condição sempre que desempenham cargos políticos.

E, por certo, inspirado pelo Espírito Santo, declarou urbe et orbe (da parvónia), que pretender obrigar um maçon a declarar que é maçon, seria o mesmo que obrigá-lo a declarar que era adepto do Sporting ou do Benfica.

Sua Eminência, sacou assim do melhor de sua extracção saloia pois, de uma sachada, pretendeu caçar duas minhocas: por um lado, exibiu sua narcísica tolerância e, por outro, “reduziu” a importância da maçonaria a umas claques de futebol…

Mas Sua Eminência é um homem culto. Sabe, portanto, da contribuição da maçonaria para a causa da Humanidade e para a libertação do homem da servidão social e do obscurantismo religioso.

E, porque assim é, o vinagre mal destilado do senhor cardeal, vertido como se pura essência fosse.

Enfim, hipocrisias!…

Em tempo: sou ateu, republicano e… comunista! Sem outra filiação. E nenhuma obediência...
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Recordo, a propósito, um artigo, que Fernando Pessoa publicou no Diário de Lisboa, de 4 de Fevereiro de 1935, contra o projecto de lei, do deputado José Cabral, proibindo o funcionamento das associações secretas e que poderá ser consultado em

http://www.culturabrasil.org/fernandopessoaeamaconaria.htm 



  




domingo, janeiro 01, 2012

LETRA A LETRA...


Letra a letra, António
Como quem atravessa o sobressalto
E leito rugoso do sentido…

A palavra não tem métrica. Nem máscara.
Apenas encena a dor e a fantasia
E o gesto redentor de quem soletra:
- Letra a letra!…

A escrita são teus passos
E o lastro que deixamos…

E também a pedra bruta que solta a chispa.
E o cinzel que a regista. E o fulgor
Dos dedos derramando a excessiva pauta
Da música que a sublima. Ou a subverte…

E todas as vezes que falhamos…

Fugaz o fogo da Palavra – é bom que saibas!
Cinza de montanhas ardidas na memória
Que somos dia a dia…

Por isso, letra a letra, António.
E a palavra certa! ...


Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...