Adivinhava-se... O múnus presidencial de
“cumprir e fazer cumprir a Constituição
da República” leva tratos de polé, com Cavaco Silva. Como se comprova
agora, mais uma vez, com a expedita promulgação da legislação do trabalho,
recentemente aprovada na Assembleia da República pela maioria governamental, a
manifesta demissão do PS e as mesuras da UGT no contexto da dita “concertação
social”.
“Não
foram identificados indícios claros
de inconstitucionalidade”- assim proclamou
Sua Excelência, com sua peculiar finura, em presidencial comunicado, para
justificar a sua cumplicidade operante com a maioria e a deserção ao seu dever
de consultar o Tribunal Constitucional, conforme o art.º 278, da CRP
estabelece.
Nisso ultrapassou a própria tróica que,
no “pacto de submissão” de Maio de
2011, teve a subtileza de considerar que as reformas preconizadas teriam em “consideração as possíveis implicações constitucionais”,
no reconhecimento explícito dos limites materiais da almejada reforma da
legislação do trabalho e da segurança social.
Mas para Cavaco Silva não! A
Constituição da República e, sabe-se lá, se a própria Democracia são assuntos
descartáveis em função do seu fundamentalismo financeiro e o zelo de “bons
alunos”, que são o alfa e ómega de toda a acção política.
Pois não é verdade que, alguém da sua
corte, entre a ironia e a convicção, afirmou que a democracia deveria ser
suspensa até o problema das finanças públicas estar resolvido? A excelsa senhora
vem dando o dito por não dito, mas a afirmação por aí anda, a ilustrar seus
pergaminhos. Mais recentemente, o presidente da Câmara do Porto, sem pingo de
escrúpulos, uma vez que reincidente, defendeu acabar-se com as eleições nas
autarquias endividadas...
Tudo boa gente, que Cavaco Silva
politicamente acarinha...
Acontece que, no caso em apreço, não há
escapatória. O artifício semântico não pode iludir o que entra pelos olhos
dentro. Cavaco Silva mandou às malvas a Constituição da República, como fará
sempre que os interesses políticos, que o movem, estejam em causa.
Chamei-lhe artifício, mas mais adequado
seria dizer sofisma. Em boa verdade, invocar a ausência de “indícios claros” não é nada. Se os indícios são “claros” não serão indícios, mas evidências, isto é, certezas. E, no caso
de certezas, isto é, quando a inconstitucionalidade das normas sujeitas a
promulgação é evidente, a defesa da
constituição que o veto presidencial deve assegurar, dispensa qualquer parecer
do Tribunal Constitucional.
O parecer do Tribunal Constitucional
apenas tem justificação, quando no exercício do acto de promulgação das leis,
ao Presidente se levantem dúvidas sobre a adequação ao espírito e letra da
Constituição de alguma das normas da legislação ordinária presente para
promulgação.
Por outras palavras, o parecer do
Tribunal Constitucional justifica-se quando a legislação ordinária a promulgar
apresente indícios (apenas indícios –
nem “claros”, nem escuros) de não conformidade com os valores jurídicos e
políticos plasmados na Constituição da República, não havendo outro critério de
intervenção presidencial (ou ausência dela) que não sejam esses.
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É público que Cavaco Silva não sabe
latim (F. do Amaral, dixit). Mas, se à sua esmerada cultura de amanuense
acrescentasse um pouco de “humanidades” ficaria a saber que existem palavras
que não admitem adjectivação - são ou não são, simplesmente!... E nessa
dialéctica de ser ou não ser esgotam
todo o seu sentido e razão.
A palavra indícios será uma delas. Como são seriedade e probidade
intelectual. Ou ética política tão em falha nos dias de hoje...
7 comentários:
Oi herético
Segundo o dicionário considera-se 'indício' a circunstância conhecida e provada.Importa se clara ou não rs
Muito boa sua critica herético e muita saudade também de ti.
Percebo mudanças no seu blog e procuro pelo meu nome na sua lista/não acho.
Há 'indícios'de total esquecimento rsrs
abraços deixo abraços
A Democracia anda "aos tombos" assim como o país...lamentavelmente!!!
Bj
Este ex-investigador sempre revelou "indícios" de que a democracia lhe provocava algum desconforto.
Abraço
E se caísse hoje ao rio Douro?
Abraço
excelente crítica.
um bom domingo.
beij
Há indícioa claros e larvares
da estupidez reinante
e dos trastes encanudados das economias.
Desde que ...e é há muito tempo, a destruição da CRP é tentada, pedaço a pedaço. A memória cada vez mais se alonga e chamam-lhe nomes de pompa e circunstância: são saudades do antigamente que todos eles demonstram.
Obg pela companhia destes dias, meu caro.
bettips
Que tristeza! E que decadência!
O nosso País merece um presente e um futuro mais altivo e justo, porque sempre trabalhamos para isso, mas a balança das coisas anda completamente baralhada nos pesos e nas medidas!
Abraço, meu caro,cuida-te na saúde.
Véu de Maya
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