quinta-feira, julho 05, 2012

UMA PARÁBOLA MODERNA...

...”Em 1816, logo a seguir à restauração dos Bourbon, em França, uma fragata de nome A Medusa rumou ao Senegal para aí restabelecer o domínio francês. O navio, que transportava centenas de pessoas (...), era comandado por um velho capitão realista que rapidamente revelou a sua incompetência e a sua presunção. Estava permanentemente em conflito com seus oficiais, porque desdenhava de todas as experiências de navegação acumuladas no período revolucionário e napoleónico, então já proscrito.

Como resultado, o navio encalhou num banco de areia – por sinal bem conhecido -  ao largo da costa africana e teve de ser abandonado. Enquanto os passageiros “de qualidade” embarcavam em chalupas, construiu-se à pressa uma balsa de vinte metros por sete para nela se amontoarem 149 marinheiros e soldados, juntamente com alguns oficiais. Foi ligada às chalupas por amarras, mas cedo estas foram cortadas – intencionalmente, suspeita-se – e a balsa andou à deriva, com escassos víveres e pouca água potável.

A situação depressa degenerou, tendo alguns chegado mesmo ao canibalismo, enquanto outros comiam as cordas das velas e os cintos. Ao cabo de treze dias, os últimos sobreviventes foram salvos, casualmente, por outra embarcação enviada pelo comandante – seguramente não em seu socorro, mas para recuperar o ouro que ficara na Medusa encalhada.

Na balsa, restavam vivas apenas quinze pessoas; desta, cinco morreram nos dias seguintes. Em contrapartida, quase todos os burgueses e nobres que tinham podido para as chalupas haviam chegado a terra e, apesar das grandes dificuldades, estavam salvos.

A narrativa desta tragédia, divulgada num livro publicado por dois sobreviventes, emocionou muito o público francês e contribuiu para desacreditar a monarquia que acabara de se instalar. Théodore Géricault ajudou a difundir o caso, com o seu quadro agora exposto no Louvre. Hoje, é sobretudo devido a esta pintura que nos lembramos do naufrágio da Medusa...”

Do Prefácio “Sobre a Balsa da Medusa – Ensaios acerca da Decomposição do Capitalismo” – Anselm Jappe


6 comentários:

jrd disse...

Excelente!
Quase dois séculos depois a cena repete-se e os ratos estarão a postos para se pôr a salvo se o país feito barco for ao fundo.
Abraço

São disse...

Obrigada por me dares a conhecer a ´tragédia atrás de um quadro meu conhecido desde os tempos de liceu e que , felizmente, pude admirar ao vivo no Louvre.

E como metáfora da actual tragédia portuguesa , penso que não poderias ter escolhido melhor.

Fica bem.

Rogério G.V. Pereira disse...

Nesta balsa,
que se conte o que se passa
e que o sistema não sobreviva

mixtu disse...

desconhecia esta tragédia muito bem contada e resumida...
e fiquei com agua na boca para pesquisar sobre o assunto...

abrazo serrano

Carlos Ramos disse...

Parece que nos recusamos a aprender com as lições da história, será por falta de educação? licenciaturas Luso creditadas? ou somente canibalismo politico? excelente texto e sugestão que agradeço.

Abraço

O Puma disse...

Espero que a História não se repita

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