segunda-feira, fevereiro 25, 2013

PODER DA PALAVRA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO...


Existe um sofisma que tem vindo a ser profusamente explorado, em comentários e debates na comunicação social, a propósito da mais recente contestação popular ao ministro Relvas e ao governo em geral.
 
Conhecem-se os episódios. O ministro foi a uma Instituição Universitária, onde nunca antes havia entrado, para aprender o que fosse, tendo em vista falar sobre “comunicação social”, a convite de uma televisão privada. Com cânticos, apupos e hinos os jovens presentes obrigaram o ministro a sair da sala com o rabo entre as pernas, sem qualquer hipótese de proferir sua douta conferência.
 
A partir daqui, “caiu o Carmo e a Trindade...” : haja Deus que o ministro foi impedido de falar e, em consequência, a liberdade de expressão, quiçá a Democracia estão em perigo...
 
Fossem eles apenas os escribas e as vestais do governo a soprar semelhante clamor e estas linhas ficariam caladas. Mas acontece que individualidades socialistas, parecem embarcar em tal sofisma, que na voz qualificada do seu secretário-geral o comportamento dos jovens é qualificado como “abuso”, imaginem...
 
Houve até um jornalista, com crónica diária adjudicada no DN, que fez umas flores jornalístico-políticas, indo desenterrar o “Maio de 1968”, em França, e uma célebre boutade de Cohn-Bendit, referindo-se ao poeta comunista Louis Aragon, que “até os traidores merecem falar”.
 
Diga-se de passagem que, em matéria de traições, estamos conversados – conhece-se o itinerário político do “revolucionário” Cohn-Bendit, enquanto o poeta morreu como viveu, ou seja, comunista...
 
Mas isso são águas passadas. Convém esclarecer, no entanto, que Cohn-Bendit e Aragón, apesar de divergentes, estavam no mesmíssimo plano da Palavra – não havia ali ministro ou autoridade que pudesse conceder tal direito – a palavra era livre.
 
Assim, o essencial da questão, como se compreende, é outro. Reside no embuste da ofensa à liberdade de expressão, pelo facto dos cânticos e apupos dos jovens terem abortado a ministerial conferência.
 
Vejamos. Bem vistas as coisas, o complexo de poderes que conformam, no seu conjunto, o “poder de Estado”, em diferentes modulações conforme os respectivos titulares (Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais), reduz-se ao poder coercivo, máxime o direito de violência legítima sobre os cidadãos e, noutro plano, ao “poder da Palavra”, ou seja, a persuasão “livre” dos cidadãos mediante o discurso político e ideológico.
 
Se bem compreendo, será a imbricação destes dois poderes - poder coercivo e poder discursivo - que, em síntese, define a natureza do poder de Estado, de que o Governo é intérprete privilegiado. Em Democracia, ao menos em tese, o poder discursivo, ou poder da Palavra, tenderá a ganhar espaço ao poder repressivo, no quadro do exercício e funcionamento dos poderes de Estado. O que justifica que a contestação popular assuma também formas de contestação do discurso do governo.

Na realidade, o direito de expressão do governo e dos seus membros não tem correspondência no direito de expressão dos cidadãos, pois se encontram em planos diferentes, ou se se quiser, governo e cidadãos “falam” de lugares diferentes – os cidadãos do espaço da cidadania, ou da praça pública, ou da rua e o governo do lugar do poderes de soberania, investido de toda a sua autoridade política.
 
Em bom rigor, o governo não é sujeito do direito de expressão, que em democracia, é conferido aos cidadãos, mas titular do poder da palavra, que se exerce como poder soberano, sem restrições e com a maior eficácia, designadamente, para condicionar os direitos individuais.

 

 
 

 

 

domingo, fevereiro 24, 2013

NOTICIAS DE BABILÓNIA - 11

 
Um dia os babilónicos desafiaram os deuses e aproximaram-se do Sol - o Sol não lhes permitiu e derreteu-lhes as asas...
 
Desse tempo, os babilónicos guardam ainda os cânticos e a memória – que falam de Liberdade e Igualdade. E do amassar do barro em dignidade...
 
Erguem agora os hinos como punho - ou seta! – Exorcizando a dor...
E teimam...
 
Com os Céus ao alcance da miragem. E da vontade...
.................................................
Hammurabi, o legislador, em manobra a diversão: “tudo vai bem no cerco da cidade”...
 

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

NOTICIAS DE BABILÓNIA - 10


Havia em Babilónia um ministro mal-amado. Não se lhe conhecia carisma ou talento, mas metia a mão em todos os negócios de Estado...

Os babilónicos, amassando o barro, entreolhavam-se, conformados...

Um dia, o ministro foi a academia, onde nunca antes, para aprender, havia entrado. E subiu ao palco – “lugar de poder” – para exercer o “discurso do poder”...

Jovens indignados apearam-no do pedestal, com cantos, apupos e hinos...

Logo os escribas e vestais do regime, em grande clamor, rasgaram as vestes – a democracia perigava, decretaram...

Um poeta sábio e semilouco, com o estilete gravou no barro: “o povo é quem tudo dá e tudo tira – até o poder da Palavra!”...

....................................................................................

Hammurabi, o legislador, prepara o cerco da cidade...

 

terça-feira, fevereiro 19, 2013

GESTO INAUGURAL DE DIAS CLAROS...


Quando o cinzento se adensa e o negro
Está próximo da lágrima...
 
Quando os caminhos se estreitam
E os rios secam...
 
E as margens não suportam mais
A lentidão da sombra...
 
E os salgueiros gemem remotas tardes
Testemunho de outras águas...
 
Quando o coração cansado se agita
De tantas vidas...
 
E a incandescência de nocturnos espasmos
Explode em cinza fervilhante...
 
E acesos sonhos se levantam como barcos
Galgando destinos pré datados...
 
E quando os olhares dos homens se encontram
Resolutos na fogueira de um abraço...
 
O poeta então recolhe-se e ergue o punho
Como seara e berço...
 
E gesto inaugural de dias claros...

 

 

sábado, fevereiro 16, 2013

NOTICIAS DE BABILÓNIA - 9


Havia em Babilónia um Sumo-sacerdote. Que vestia as vestes do Sol... E prometia a Vida Eterna aqueles que o seguissem – e eram muitos os que o seguiam...
 
Um dia os babilónios esfregaram os olhos. E, perplexos, notaram que as vestes do Sol eram fantasia e a Terra era redonda – e árida...
 
Num gesto dramático o Sumo-sacerdote rasgou as vestes. Em público. E continuou a prometer a Vida Eterna – mas não consta que amasse o barro...
 
................................................
Hammurabi, legislador (e filósofo), consulta as estrelas e soletra – “humano, demasiado humano: logo, descartável"...

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

ASSIM FORA...


Na linguagem primordial das coisas simples
Tudo flui na alegria de existir sem metafísica...
 
A flor abre-se ao sol
A pedra afeiçoa-se à montanha
E os pombos catam “o piolho da existência”
Abrindo as asas em festiva celebração
Sem cuidados...
 
Assim fora o Mundo
E a minha inquietação...
 
E a noite dos proscritos.
Assim fora...
 
E aridez de todos os desertos.
E as dores. E todas as devoções
Das almas simples...
 
E a reabilitação da Palavra profanada...
 
E todas as leis. E todos os mistérios
Assim fossem – alento breve
Na consumação dos dias...

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

MAESTROS, TASCAS ... E LINGERIE

 

Não é o caso em si que releva nestas linhas, embora grave. Nem a circunstância de não ser único, merece consideração. Longe vão os tempos em que as elites se impunham pelo exemplo de uma conduta proba.
 
Obviamente que não me resigno ao laxismo dos costumes e à corrupção dos valores, mas o que aqui hoje me traz, não é tanto o percurso da indignação, mas antes “a anatomia” do processo de desculpabilização social, ou se quiserem a “narrativa de ocultação” de comportamentos criminosos, julgados e condenados pelos tribunais.
 
Vejamos.
 
Um conhecido maestro foi condenado em Tribunal por uma série de crimes, praticados na instituição, que dirigia, suportada integralmente pelos impostos dos cidadãos. O auspicioso maestro, em vez de promover a divulgação musical, como seria seu mister, dedicou-se, ao longo dos anos, a praticar tropelias administrativas e financeiras.´
 
Claro que a impunidade tem sempre limites. E como em alguma qualquer esquina do tempo estará sempre o diabo a tecê-las – o homem foi para à barra dos tribunais!
 
 
Para os mais desatentos, esclarece-se que o tamanho dos desacatos financeiros, foram avaliados pelo tribunal em 720 mil euros, que o maestro é obrigado a devolver, sob pena de cumprir a pena de prisão de cinco anos, a que foi condenado.
 
Louva-se a coragem da juíza, ao condenar um réu que, no dizer da sentença “se considera superior a um vulgar cidadão e acima das regras e a quem tudo era permitido” – nos tempos que vão correndo, de tão vilipendiada justiça, não será coisa menor.
 
Enfim, um exemplar ilustre de uma certa elite (?) cultural, que funda a sua vida e obra directamente no alto dos céus ou no manto de Apolo. Ou no umbigo de Vénus...
 
De facto, “o tudo” a que o maestro se permitia engloba uma vasta panóplia de benefícios pessoais, que vão desde pagamento das rendas de casa com piscina, automóvel, livros e discos, férias em locais exóticos, como Tailândia, Quénia ou Ilhas Maurícias, em hotéis de cinco estrelas, até outras “miudezas” como a compra de lingerie...
 
E, apesar dos comprovados crimes, o vitimizado mártir da
 
justiça tem o topete de reclamar do Estado a quantia de dois
 
milhões de euros de indemnização por estar afastado da
 
instituição, donde foi corrido.
 
A lingerie, bem se sabe, é o picante da história, que a sabichona comunicação social, a seu tempo explorou à exaustão e que, no sorriso tolerante dos espíritos mais dados à pilhéria, constitui porventura a primeira peça do mecanismo de desculpabilização social. Que teve outros e mais subtis desenvolvimentos...
 
Por exemplo, o impoluto Expresso, pouco antes de a sentença ser conhecida, concedeu amplo espaço ao maestro  para escrever um artigo de autojustificação, destinado a colher a simpatia da opinião pública, onde com o maior desplante escreve que “não se levam maestros a tascas, nem se hospedam em pensões...”
 
É evidente que não, tascas e pensões são coisa rasca...
 
Mas é caso para perguntar se o Expresso tem a mesma solicitude e acolhe no seu precioso espaço, não direi a todos os arguidos (que exagero!), mas a todos aqueles que reclamam justiça por serem vítimas de decisões iníquas.
 
E não se fica por aqui esta “narrativa de ocultação”...
 
O facto de o processo-crime ter sido instaurado mediante participação por parte de instituições públicas e promovido pelo Ministério Público, tal não tem obstado a que o distinto maestro seja ostensivamente conviva de altas figuras do Estado, incluindo ex-ministros da Finanças, ex-Presidente da República e jornalistas influentes, conforme vejo assinalado num artigo de uma ex-governante da área da cultura.
 
Ou que frequente o Parlamento da República, convidado para a Sala do Senado, a assistir a um concerto, ladeado pelo Presidente da mais emblemática Comissão Parlamentar da Assembleia da República.
 
Ou que uma ex-ministra das Finanças de um país em profunda recessão económica, não tenha pejo em declarar em tribunal “que os resultados positivos podem ser obtidos com mais ou menos gastos”, procurando assim descartar as despesas sumptuárias do célebre “mártir da justiça”. Devendo bem saber a augusta senhora que os cachets extra, com que o maestro se fazia pagar por dirigir a orquestra, eram registados numa sociedade de agenciamento artístico por ele registada no Panamá.
 
Ou ainda que um maestro conhecido e estimável, que tem feito umas palhaçadas musicais na televisão, tenha tido tão agudo ataque de cumplicidade corporativa para declarar em tribunal ser compreensível que a orquestra pagasse uma casa com piscina ao maestro, para este “poder relaxar depois do seu extenuante trabalho”.
 
Ou um pianista, não menos conhecido, também no tribunal, ter tido o aristocrático desabafo de que “é habitual os músicos receberem um tratamento especial e diferenciado”...
 
Então não?! ... Quod erat demonstrandum...
 
Entretanto, sob a majestosa e majestática gestão do mártir da Justiça, os direitos dos trabalhadores da instituição sofriam tratos de polé...
 
Enfim, uma inquietante “rasquice” ... De alto, a baixo! ...
 
Apesar das lantejoulas sociais...
 
07-02-2013
 
Manuel Veiga
 
 
 
 
 

terça-feira, fevereiro 05, 2013

NOTICIAS DE BABILÓNIA - 8


Havia em Babilónia uma seita de salteadores.
Os babilónios não se davam conta – amassavam o barro!
Um dia, porém, deram-se conta - o barro que amassavam pagava a ganância dos salteadores...
E os babilónios continuaram a amassar o barro - sem levantarem um dedo!
...........................................................
Com desvelo, Hammurabi, o legislador, nomeia um dos da seita como administrador das olarias do reino...
Ámen!...
 

sábado, fevereiro 02, 2013

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA - 7



Existe em Babilónia um usurário. Numa espiral de pobreza e
riqueza ilegítima, os seus ganhos estão na razão inversa da
penúria geral...
 
Vozes de bom senso aconselham a não esticar a corda – “os
babilónicos não aguentam”!...
 
“Ai, aguentam, aguentam!...” – diz o usurário – “como o esfarrapado a nudez e o famélico a fome”...
 
Hammurabi, o legislador, encolhe os ombros. E legisla para
lhe aumentar os ganhos...
...................................................
 
Os babilónicos, esfarrapados e famélicos, (mas ainda vivos),
continuam a amassar o barro...
 
Aleluia!

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...