quinta-feira, fevereiro 07, 2013

MAESTROS, TASCAS ... E LINGERIE

 

Não é o caso em si que releva nestas linhas, embora grave. Nem a circunstância de não ser único, merece consideração. Longe vão os tempos em que as elites se impunham pelo exemplo de uma conduta proba.
 
Obviamente que não me resigno ao laxismo dos costumes e à corrupção dos valores, mas o que aqui hoje me traz, não é tanto o percurso da indignação, mas antes “a anatomia” do processo de desculpabilização social, ou se quiserem a “narrativa de ocultação” de comportamentos criminosos, julgados e condenados pelos tribunais.
 
Vejamos.
 
Um conhecido maestro foi condenado em Tribunal por uma série de crimes, praticados na instituição, que dirigia, suportada integralmente pelos impostos dos cidadãos. O auspicioso maestro, em vez de promover a divulgação musical, como seria seu mister, dedicou-se, ao longo dos anos, a praticar tropelias administrativas e financeiras.´
 
Claro que a impunidade tem sempre limites. E como em alguma qualquer esquina do tempo estará sempre o diabo a tecê-las – o homem foi para à barra dos tribunais!
 
 
Para os mais desatentos, esclarece-se que o tamanho dos desacatos financeiros, foram avaliados pelo tribunal em 720 mil euros, que o maestro é obrigado a devolver, sob pena de cumprir a pena de prisão de cinco anos, a que foi condenado.
 
Louva-se a coragem da juíza, ao condenar um réu que, no dizer da sentença “se considera superior a um vulgar cidadão e acima das regras e a quem tudo era permitido” – nos tempos que vão correndo, de tão vilipendiada justiça, não será coisa menor.
 
Enfim, um exemplar ilustre de uma certa elite (?) cultural, que funda a sua vida e obra directamente no alto dos céus ou no manto de Apolo. Ou no umbigo de Vénus...
 
De facto, “o tudo” a que o maestro se permitia engloba uma vasta panóplia de benefícios pessoais, que vão desde pagamento das rendas de casa com piscina, automóvel, livros e discos, férias em locais exóticos, como Tailândia, Quénia ou Ilhas Maurícias, em hotéis de cinco estrelas, até outras “miudezas” como a compra de lingerie...
 
E, apesar dos comprovados crimes, o vitimizado mártir da
 
justiça tem o topete de reclamar do Estado a quantia de dois
 
milhões de euros de indemnização por estar afastado da
 
instituição, donde foi corrido.
 
A lingerie, bem se sabe, é o picante da história, que a sabichona comunicação social, a seu tempo explorou à exaustão e que, no sorriso tolerante dos espíritos mais dados à pilhéria, constitui porventura a primeira peça do mecanismo de desculpabilização social. Que teve outros e mais subtis desenvolvimentos...
 
Por exemplo, o impoluto Expresso, pouco antes de a sentença ser conhecida, concedeu amplo espaço ao maestro  para escrever um artigo de autojustificação, destinado a colher a simpatia da opinião pública, onde com o maior desplante escreve que “não se levam maestros a tascas, nem se hospedam em pensões...”
 
É evidente que não, tascas e pensões são coisa rasca...
 
Mas é caso para perguntar se o Expresso tem a mesma solicitude e acolhe no seu precioso espaço, não direi a todos os arguidos (que exagero!), mas a todos aqueles que reclamam justiça por serem vítimas de decisões iníquas.
 
E não se fica por aqui esta “narrativa de ocultação”...
 
O facto de o processo-crime ter sido instaurado mediante participação por parte de instituições públicas e promovido pelo Ministério Público, tal não tem obstado a que o distinto maestro seja ostensivamente conviva de altas figuras do Estado, incluindo ex-ministros da Finanças, ex-Presidente da República e jornalistas influentes, conforme vejo assinalado num artigo de uma ex-governante da área da cultura.
 
Ou que frequente o Parlamento da República, convidado para a Sala do Senado, a assistir a um concerto, ladeado pelo Presidente da mais emblemática Comissão Parlamentar da Assembleia da República.
 
Ou que uma ex-ministra das Finanças de um país em profunda recessão económica, não tenha pejo em declarar em tribunal “que os resultados positivos podem ser obtidos com mais ou menos gastos”, procurando assim descartar as despesas sumptuárias do célebre “mártir da justiça”. Devendo bem saber a augusta senhora que os cachets extra, com que o maestro se fazia pagar por dirigir a orquestra, eram registados numa sociedade de agenciamento artístico por ele registada no Panamá.
 
Ou ainda que um maestro conhecido e estimável, que tem feito umas palhaçadas musicais na televisão, tenha tido tão agudo ataque de cumplicidade corporativa para declarar em tribunal ser compreensível que a orquestra pagasse uma casa com piscina ao maestro, para este “poder relaxar depois do seu extenuante trabalho”.
 
Ou um pianista, não menos conhecido, também no tribunal, ter tido o aristocrático desabafo de que “é habitual os músicos receberem um tratamento especial e diferenciado”...
 
Então não?! ... Quod erat demonstrandum...
 
Entretanto, sob a majestosa e majestática gestão do mártir da Justiça, os direitos dos trabalhadores da instituição sofriam tratos de polé...
 
Enfim, uma inquietante “rasquice” ... De alto, a baixo! ...
 
Apesar das lantejoulas sociais...
 
07-02-2013
 
Manuel Veiga
 
 
 
 
 

22 comentários:

São disse...

Se me permites, junto à tua , a minha assinatura!

Portugal tornou.se uma perfeita anedota, mas de muito mau gosto. Infelizmente para nós, que pagamos todos os desvarios destes intelectuais que nem sequer de meia tigela chegam a ser.

Fica bem.

Maria disse...

Herético, o que são 700 mil euros comparados com os milhões que os outros roubaram, com a cumplicidade dos poderosos, e que estamos também todos a pagar?
Este ainda nos 'dava música'. Já os outros...
:))))))))))

Beijos.

luis lourenço disse...


De tudo o que o texto fala com tanta oportunidade, o que gosto mais é da lingerie quando tem consistência de mulher por baixo, em corpo e mente.
Quanto ao resto...fora com a mediocridade em todas as suas formas. quando ela se infiltra nas instituições ou as pessoas.

Um grande abraço, meu caro.

Véu de Maya



Jorge Castro (OrCa) disse...

Que a voz nunca te doa, caro amigo!

Cambada! Corja! Canalha! Estes os amigos dos amigos dos amigos do amiguismo nacional.

Tem de haver um dia de redenção. Tem de haver!

Abraço.

jrd disse...

Amigo! Grande poste.
Vou linkar em jeito de "short and Sharp".

Abraço

Mel de Carvalho disse...

...só me ocorre uma palavra para lhe deixar, caríssimo Herético: EXCELENTE post.
Na oportunidade, faço minhas as palavras do Orca:
"Cambada! Corja! Canalha! Estes os amigos dos amigos dos amigos do amiguismo nacional."

assim vai este País!!!
bem haja, pois, e que a voz nunca lhe doa e os denuncie, sempre!

Mel

Manuel Veiga disse...

Sim, sim Maria - eu sei!

este dava-nos(?) música em palco de "culto" para muita gente simples e boa - o que deveria aumentar a sua responsabilidade...

e a nossa também...

beijo

Pata Negra disse...

Então se no forrobódó que por aqui vai à beira mar, temos gente de todas as artes, padres, banqueiros, economistas, engenheiros, médicos, palhaços, universitários sem curso, eu sei lá... porque diabo não havíamos de ter também um maestro!?
Só me espanta se entre esta gente um dia aparecer um operário!
Um abraço sem batuta

GP disse...

Se se encontrassem todos os que fazem estas avarias e os obrigassem a indminizar o Estado, a nossa dívida desaparecia.
É a nossa democracia...

beijo

lino disse...

Mais um abutre.
Abraço

Laços e Rendas de Nós disse...



Este é o texto de todos nós, os que dizemos NÃO!

Obrigada!

Beijinho e bom fim de semana.

Laura

AnaMar (pseudónimo) disse...

Magistralmente orquestrado este grito de revolta que é de todos nós.
Bravo.

Rogério G.V. Pereira disse...

Excelente! (não sei se o texto não merecia todos os nomes, pois alguns são de espanto...)

GS disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
GS disse...

Bem, se não fosse a grave 'questão' que abordas, ver-me-ias sorrindo, enquanto te lia no arguto e sarcástico humor com que nos delicias.

Até sei de quem falas! E achei por demais 'admirável' chamares 'tropelias administrativas e financeiras' a tanta... melhor não acrescentar nada.

Foste perfeito! Adoro a tua crítica de costumes!

Beijo, 'Herético'

Manuel Veiga disse...

Rogério, meu caro Amigo

este blog critica factos, porventura com alguma veemência.

mas não é justiceiro, nem moralista - não julga pessoas, nem muito menos faz linchamentos morais...

abraço

O Puma disse...

Excelente sério e competente o teu grito de revolta
que tambem é meu
O cavalheiro manipulava bem as notas

Abraço

Maria disse...

Pois, Herético, pois...

Beijos.

Lídia Borges disse...


É caso para se dizer que uma crise nunca vem só.
Esta, que vivemos, quase sempre olhada pelo lado económico, arrasta atrás de si, outra mais difícil de resolver - a crise dos valores mais elementares da vida em comunidade.
Que fazer?

Lídia

Licínia Quitério disse...

O homem usa o charme, os faróis do carro, brilhantes como sóis. Assim o vi. Rege com elegância, fala bem. Esqueceu-se talvez da falta de pagamentos aos músicos, dos ordenados irrisórios. Deslumbrou-se. Nós pagámos. Mais um. Este deu demasiado nas vistas, mas não vai pagar tanto como quem rouba 100 gramas de carne num supermercado. Nem pensar. Ele tem o charme pouco discreto desta nova burguesia.

Sandra Subtil disse...

Excelente!
Junto a minha à tua indignação.
Beijinho

M. disse...

Descaramento, é o que alguns têm. Bastantes, sem dúvida, e bastante.
Muito bom o teu texto.

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