sábado, novembro 30, 2013

OS PORTÕES "SAGRADOS" DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA


Magnânima e maternal, a senhora Presidente da Assembleia da República, veio publicamente afirmar, após a poderosa manifestação das forças de segurança, frente ao Parlamento, que era salutar “ver os cidadãos baterem à porta da democracia”, ou seja, aquele local constituir-se repositório de todas as queixas e a expressão de todos os descontentamentos.

Não tenho bem presente, mas se não estou enganado, a distinta senhora designou, na oportunidade, o Parlamento como “a casa do povo”, numa clara demonstração da centralidade política da Assembleia da Republica, no contexto dos órgãos de soberania, como instituição democrática por excelência, fundada na representatividade popular.

Só lhe caiu bem o gesto e a solícita palavra...

Acontece, porém, que, de imediato, a senhora Presidente se aprestou a acrescentar, em sua emergência mediática, tendo certamente ainda vivos os gritos indignados dos agentes de segurança que as “portas da Assembleia da República são sagradas”, como quem lembra a presentes e futuros manifestantes que não poderão, em circunstância alguma, “franquear os portões sagrados” do Parlamento.

Julgo haver aqui um manifesto exagero, ainda que as palavras sejam tomadas pelo seu valor simbólico. É que, apesar dos vetustos leões, que orlam a frontaria, nem o edifício da Assembleia da República é um “templo”, ainda que profano, nem nos dias de hoje, a palavra da lei, sábia e perene, é gravada em bronze com línguas de fogo...

Pelo contrário, os poderes de soberania e, em especial o poder legislativo, são cada vez mais frágeis e precários, nesta curva acelerada dos tempos, corroídos pela pulsão do lucro e a financeirização da economia, à escala mundial. E, sujeitos tais poderes aos percalços inesperados da história, que inelutavelmente prossegue seu trilho e cuja incerteza de seus liames, porventura, aguçam a palavra condescendente da excelsa senhora, precavendo-se dos seus perigos.

Mas sobretudo o poder legislativo, que melhor ninguém Sua Excelência deverá conhecer, é cada vez mais fraco, capturado sem pejo, nem vergonha, pela promiscuidade entre poderosos interesses económicos e o poder político e que tem expressão pública nos contractos de outsourscing, em prejuízo das funções da administração pública, com gabinetes de estudo e sociedades de advogados, muitos dos quais são deputados.

O desaforo, neste plano, vai ao ponto, de um dos sócios de uma dessas “instituições industriais do exercício da advocacia” ter recentemente defendido publicamente que as principais sociedades de advogados “deviam ser envolvidas, por parte do Estado, nas questões respeitantes aos grandes interesses públicos”, sem que se conheça uma palavra de repúdio por parte da senhora presidente da Assembleia da República.

Como também não se conhece uma palavra de Sua Excelência, breve que fosse, sobre os desbragados ataques à soberania do Estado português, provinda do quadrante político onde se move, máxime os ataques ao Tribunal Constitucional pelo senhor Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia e seu ilustre correligionário político.

Parece haver, assim, no ilustre zelo de Sua Excelência sobre os portões da Assembleia da República, mais que um equívoco, uma clara inversão de valores e prioridades. Realmente, como compaginar, as ansiosas preocupações de Sua Excelência com a dignidade da Assembleia, quando este órgão de soberania é corroído no seu interior por interesses espúrios?

É que de facto, lá no alto, para além dos vetustos leões que, simbolicamente se erguem como “guardiães do templo” e que assistiram, impotentes e mudos - coitados! - à ocupação das escadarias, a frontaria da Assembleia é também orlada com as estátuas da Justiça e da Força e, do outro lado, da Prudência e da Temperança, virtudes tão afastadas da acção legislativa.

Bom seria, portanto, que para além de afagar amorosamente a juba dos vetustos leões, Sua Excelência velasse também para que essas virtudes e, em especial a Justiça, fossem o alfa e o ómega da actividade do órgão de soberania, a que distintamente preside.

domingo, novembro 24, 2013

DERBY - Sub 8 anos



De lance em lance, António
Até ao afoguear
Do rosto...


Que o esforço
Não quer limite
E o sangue ferve
No limiar do grito...

E quando aflito
Sabe que a teu lado
Corre solidário
O companheiro
Que espera o passe...

E mais à frente
Rente
À linha
Outro se ergue
Fintando
O ímpeto
Do adversário...

Que outra coisa
Não é, António, senão o outro lado
Do jogo
Que dá sentido
E embriaguez
Ao teu cansaço...

Em ambos os lados
Porém mais que vitória
Ou a derrota
É suor com suor
De homens (pequeninos)
Misturado...




 



sexta-feira, novembro 22, 2013

NOTICIAS DE BABILÓNIA XLIV


Com o barco atascado, aumentam a fome e o desespero, em Babilónia - e cresce a barafunda na praça...

Mal paga e andrajosa, a guarda sai à rua e ameaça. Ex-Hammurabi, o bochechas, invocando velhas glórias (e esquecendo antigas culpas), insurge-se, clama e reclama...

Hammurabi, o moderador, remói azedumes. Cala-se – e nega-se provedor do Povo e defensor do Reino...

Há quem diga que o poder de Hammurabi, o legislador, está por um fio - preso ao manto lasso de um acaso...
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E um sindicalista resiliente, caldeado em mil lutas: “Quem semeia ventos, colhe tempestades - babilónicos, reforcemos a unidade!...”

 

quinta-feira, novembro 14, 2013

O DESPREZO PELOS MANIFESTANTES DA CGTP - JOSÉ PACHECO PEREIRA



“Uma coisa que mostra como quem está do lado do poder não percebe (ou melhor não quer perceber), o que está a acontecer em Portugal, é o modo como exibem um racismo social com os manifestantes da CGTP, tão patente nos comentários à saga da ponte. Pode não ser deliberado, mas sai-lhes do fundo, naturalmente.
 
Os filhos dos comentadores e opinadores podem ir às manifestações dos “indignados”, que são aceitáveis, engraçadas e chiques, e que tem muita cultura e imaginação, mas nenhum irá às da CGTP. Eles “são sempre o mesmo”, ou “mais do mesmo”, eles são “pouco criativos” que insistem em fazer manifestações “que não adiantam nada”. Eles são “os feios, os porcos e os maus”.
 
Os manifestantes da CGTP não são da classe social certa, não ambicionam ir tomar chá com Ricardo Salgado, ou ir comer aos restaurantes da moda, não são frequentáveis e, ainda pior, não se deixam frequentar.
 
Têm, muitos deles, uma vida inteira de trabalho e de muitas dificuldades. Tem um curso, uma pós-graduação e um doutoramento em dificuldades. São velhos, um anátema nos nossos dias. Tiveram ou tem profissões sobre as quais os jornalistas da capital não sabem nada, foram corticeiros, mineiros, soldadores, torneiros, mecânicos, condutores de máquinas, pedreiros, ensacadores, motoristas, afinadores, estivadores, marinheiros, operários têxteis, ourives, estofadores, cortadores de carnes, empregados de mesa, auxiliares educativos, empregadas de limpeza, etc., etc.
 
Foram e são cozinheiros e cozinheiras em cantinas, e não chefs. E foram ou são, professores, funcionários públicos, enfermeiros, contabilistas.
 
Este desprezo social é chocante quando é feito por quem tem acesso ao espaço público e que trata os portugueses que se manifestam, - e, seja por que critério, são muitos, pelo menos muitos mais, muitíssimos mais dos que estariam dispostos a vir para rua pelo governo, – como uma “massa de manobra” do PCP, que merece uma espécie de enjoo distanciado, umas ironias de mau gosto e um gueto intelectual (...)”
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segunda-feira, novembro 11, 2013

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA XLIII

 
Hossana, Hossana!... Glória aos Céus e à Sociedade Civil – finalmente, boas notícias para Babilónia...
É certo que o barco contínua atascado e os babilónicos na penúria.
Mas os sem-abrigo da cidade têm agora, num qualquer jardim ou espaço público, um cacifo. Ao seu dispor – onde poderão guardar a parca trouxa...
E partirem, assim, mais lestos, a calcorrear as ruas, em busca da sopa da caridade...
Hammurabi, o legislador, exulta – os babilónicos empobrecem; perdem o trabalho, a saúde, a escola, a dignidade e a casa – mas nunca um cacifo lhes irá faltar, como coisa sua...
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Até um velho anarquista, rouco de tanto gritar que a“propriedade é um roubo” se comove e rende: “Valha-nos a Santíssima Propriedade!...”

quarta-feira, novembro 06, 2013

VESTE-SE O OUTONO DE MOSTOS...


Veste-se o outono de mostos e fermentam
Sabores na glória dos frutos que as bocas
Salivam
Tão maduras
Que se desprendem
Como promessas em zénite
Atordoadas em mel
Quais corolas
Soltas em voo de línguas suculentas...

Impúberes os sonhos. Ainda
Que humedecem os olhos
De tão claros.

Azul
Na vertigem
E no alvoroço
Cinzento na hora da chegada
Como restolho depois do dia
Ou despojos
Diurnos
Antes da noite
E do frio...

De nada vale o doirado das vinhas
Nem a plangência do sol
Nem o vigor íngreme
Dos passos
Na cadência das montanhas.

Nem a vindima.
Nem os cestos...

O outono é esta memória cálida
Fogueira onde soletro meu corpo aceso
E cato meu piolho (existencial)
E minha sarna...

Dulcíssima flama em que me embalo...

segunda-feira, novembro 04, 2013

ALBERT CAMUS - a Liberdade e a Justiça...

 
“A revolução do século XX separou arbitrariamente, para fins desmesurados de conquista, duas noções inseparáveis. A liberdade absoluta mete a justiça a ridículo. A justiça absoluta nega a liberdade. Para serem fecundas, as duas noções devem descobrir os seus limites, uma dentro da outra.
Nenhum homem considera livre a sua condição se ela não for ao mesmo tempo justa, nem justa se não for livre. Precisamente, não pode conceber-se a liberdade sem o poder de clarificar o justo e o injusto, de reivindicar todo o ser em nome de uma parcela de ser que se recusa a extinguir-se.
Finalmente, tem de haver uma justiça, embora bem diferente, para se restaurar a liberdade, único valor imperecível da história. Os homens só morrem bem quando o fizeram pela liberdade: pois, nessa altura, não acreditavam que morressem por completo...”
 
Albert Camus, in "O Mito de Sísifo"

sábado, novembro 02, 2013

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA XLII


Em Babilónia prossegue a falta de pão. E a barafunda...

Sub-Hammurabi, o embusteiro, tira da cartola o “guião”. Para leiloar – como sucata - a carcaça do velho barco atascado...

Salta sobre todas as “linhas vermelhas” por si traçadas - e, devoto, invoca em vão a restauração da Pátria.

A praça ensurdece os ares com assobios...
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E um velho aposentado, orgulhoso e alquebrado de fadigas: “Roma não pagava a traidores - defenestrem-no, babilónios!... Sejam dignos do passado! “

 

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...