terça-feira, dezembro 30, 2014
domingo, dezembro 28, 2014
EM LOUVOR DE LYDIA...
Em seu desenfado no Olimpo jogam os deuses
aos dados
E concedem-nos esta hora...
Ergamos a taça.
E celebremos, Lydia!...
A flor que colho
poderia não ser.
Bastaria que
outra fosse a cor
Com que enfeito
teus cabelos...
Mas os cabelos
são loiros e vermelha a flor.
Isso nos basta!...
Recolhe pois a inquieta
ruga. E o arrepio.
Que o Universo é
apenas filosofia.
Uma infinita
forma abstracta por onde descemos
Até ao rio que
nos leva
E a brisa que
nos guia...
Entrelacemos os dedos, Lydia!
Que o rosto dos
homens é frágil tela
Por onde a Sombra
perpassa.
E a água se
derrama e se mistura
Com a cor das
dores
E da alegria...
Beijemo-nos!
Que a hora
passa, Lydia,
E a tarde cai.
E há fios de Sol
A bailar em teus
cabelos.
Ainda!...
Manuel Veiga
Nota
– Como se sabe, Lydia é uma criação literária de Ricardo dos Reis.
.....................................................................
Votos de Bom Ano!...
Carpe diem!
sexta-feira, dezembro 26, 2014
SUAVES SORTILÉGIOS...
Falam-me estes
dias de suaves sortilégios
Quando os olhos
sorriam na ternura de um afago
E teu regaço,
Mãe, era altar e refrigério…
Não havia
profusão de cores. Nem artificio.
Tudo se resumia
à singeleza de teus dedos
Ajeitando o musgo
sobre a pedra.
E a imaginada
gruta onde construías o milagre
Aninhando-se em
mim: – Deus menino!...
Que o outro
Menino era apenas pretexto.
Natal que tu não
sabias, então, Mãe, mas eu sei.
Hoje!...
E em que incréu
teimo!...
E a mãe celeste
era a amorável devoção
Com que enfeitavas
o caminho. E deitavas
Nas palhinhas o
meu olhar deslumbrado
E o doce
encantamento…
E a liturgia
imaculada do presépio!...
E esta eterna
dor da ausência. E tua presença
Iluminada que
pressinto em cada passo!…
Manuel Veiga
terça-feira, dezembro 23, 2014
domingo, dezembro 21, 2014
sexta-feira, dezembro 19, 2014
NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LXVII
“Gloria
in excelsis Deo...”
Gosto
de pessoas. Por vezes próximas, respirando ao mesmo ritmo!.. Outras (quase
sempre) apenas momentos, riscos de acaso, meteoritos intensos na solidão da
cidade. Uma viagem de autocarro (ou de metro) é sempre uma revelação
inesperada. Pequenos nada que nos perseguem (momentos, horas, dias?) e que
exigem que os soltemos, de tão intensos...
Gosto
de gente anónima. De seus rostos. Da linguagem subtil dos seus gestos. Do seu
porte. Do pulsar do meu Povo!...
Por
vezes, a cor desânimo, toma o sangue. O cepticismo cria raízes e uma ironia
triste ocupa o espaço da esperança. Porém, do meio da multidão, surge tantas
vezes, sem nos darmos conta, uma imagem, o resto de uma carícia, uma ternura,
uma beleza inesperada que humaniza e reconforta. Que nem sempre estamos
disponíveis para ver e que, outras vezes, guardamos como refrigério de alma...
Falo-vos
de uma viagem de autocarro entre o Rossio e o Cais de Sodré. Na curta
distância, cenas dignas de um pintor impressionista - o melhor e o pior de um
Povo concentrado no escasso espaço de um autocarro, à hora de ponta. Nada que
seja diferente de outras viagens.
Até
que...
Uma
jovem mãe, de rosto trigueiro e olhar apaziguado, entrou, aconchegando no colo
uma criança de escassos meses. Sozinha, face as intempéries e os balanços da
vida, ali bem simbolizados nos apertos e balanços do autocarro. Um jovem, de
brinco na orelha e crista de galo loira, cede-lhe o lugar (no meu íntimo, um
sorriso freak!)
Acomodou-se
a “minha" jovem Madalena (era, de certo, este o seu nome!) com o bebé nos
braços, sereno que nem um anjo. E alheia a tudo que não fosse a sua novel
maternidade, a jovem soltou o seio da blusa (mármore puro) e a boca da criança,
em esplendor, buscou afoita o mamilo, assim exposto em dádiva!
Vi
então olhares brilhantes nos rostos cansados dos transeuntes. Vi ternuras
caladas e inesperados silêncios. Vi orações pagãs em cada sorriso!...
E,
em época natalícia, a minha alma ateia, entoou um cântico de vida -
"Glória in excelsis Deo!..."
Manuel
Veiga
FELIZ
NATAL!...
quarta-feira, dezembro 17, 2014
terça-feira, dezembro 16, 2014
CURVAM-SE OS DIAS...
Curvam-se os
dias. E no declive
A íntima inquietude
de meus passos...
Amável embora a sombra
espraia-se
Em azul neutro. Névoa
desprendida
A derramar
prenúncios. Quase tímida.
Dulcificando a
erosão da cor e abrindo-se
Vagabunda ao seu
destino espúrio...
Sem alardes. Que
nada pode a subtileza do voo
Nem a coada luz
da nuvem...
Apenas a rota das
trevas e a imanência do sopro
A moldar a curva
e a frágil senda
E os calcinados sonhos
Do poeta...
Manuel Veiga
segunda-feira, dezembro 15, 2014
sexta-feira, dezembro 12, 2014
FLAMEJANTES OS MASTROS...
Flamejantes os
mastros. E as colinas.
Em nuas
confluências
De abraços. E de
pétalas...
Derramam-se na
cidade rios e memórias.
E soltam-se os
poetas. E os murais...
Em gesto largo
sobre o gume dos olhares
Maiakóvski –
vindo de um Futuro grisalho
De saudade e de tanta
persistência! –
Abre-se no
palco...
E grita em seu
jeito gutural e bárbaro:
-“Este é o meu Povo. Ainda!...”
A seu lado, a
Mulher de Vermelho
Solta a lágrima
da fome
E a criança
loira das espigas...
E
- Palavra de
cristal em riste! -
Arranca os olhos
e rasga-se em febre
E pitonisa
inflama-se na língua e nos prenúncios
E ergue-se na
aurora dos dias que hão-de vir...
Na densa nuvem
alvoroçada
A multidão
ignara ri e chora...
E um velho
caminheiro alquebrado -
De fadigas e da
idade - sobe então ao mais alto dos mastros
E ascende em
lume o rubro das bandeiras...
Manuel Veiga
terça-feira, dezembro 09, 2014
Corrosão da água sobre a pedra...
Derrama-se a
palavra no corpo da escrita
Sem mais nada.
Leve fissura apenas.
Milimétrica.
A imiscuir-se na
tensão da espera. Como se arqueologia fora.
A corroer por
dentro
Sem plano
Ou guia...
Mistura dissolvente.
Benigna.
Corrosão de água
sobre a pedra.
E alquimia do verso
fugidio
E do incauto
morfema...
Como se a
inesperada espera fosse
Bicho alado. Já não apenas pedra.
Inquietação do poeta a engendrar
As cores do poema...
Inquietação do poeta a engendrar
As cores do poema...
E a dissolver a
água e a pedra
Nas dores da
hora.
E na escrita maior
Do Mundo!...
Manuel Veiga
domingo, dezembro 07, 2014
NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LXVI
Mais que “case study”, Babilónia é um caso estudado...
Hammurabi, o legislador, com o mar a bater
na rocha, dos babilónicos faz alegres mexilhões...
Vende anéis e os dedos – e garante que os “vistos de oiro” são a
salvação da Pátria...
A Praça encolhe os ombros. E, ávida,
sorve o grande Espectáculo. Que as atribulações da justiça e os média alimentam
- "sabidamente..."
...................................
E uma ostra empedernida, com o Futuro no
ventre: “Babilónicos mergulhem fundo e aguentem
as ondas – não há parto sem dor, nem amanhãs sem trabalho...”
quinta-feira, dezembro 04, 2014
SÃO DE BRUMA OS TEMPOS...
São de bruma os
tempos. E de barcos destroçados.
E gemidos que os
escravos embandeiram
Como hinos...
São de bruma os tempos:
apocalípticos...
Nas galés os cães
devoram-se nos restos
E os sacerdotes
queimam as vestes
E cobrem-se de
cinzas
No interior das
praças...
A cidade treme: são
de bruma os tempos!...
No céu
baralham-se as estrelas.
E as bússolas rasgam
o norte no ventre das pedras
E na sede dos
homens.
São de bruma os
tempos!...
E nas inesperadas
sarças
E no cume das
montanhas
E no sol
encoberto ainda desta aurora
E no vento de
todas as profecias
E na insubmissão
do grito
E ardor de todas
as batalhas
E no azul das
crianças famélicas e nuas
E na enxada de
esperança
E nas torrentes da
memória
E nesta
safara...
São de bruma os
tempos: ainda!
E planto a dor. E
a bruma. E minha árvore – fio de água -
E minha palavra avara.
E celebro.
E rasgo.
E ilumino.
E proclamo da
alvorada dos tempos
A fecunda
claridade
Dos dias
peregrinos.
Manuel Veiga
terça-feira, dezembro 02, 2014
Do Fim da História à Rarefacção dos Acontecimentos...
Estamos
confrontados – dizem os historiadores – não com o fim da História, mas
porventura com algo mais catastrófico, ou seja, com uma espécie de “rarefacção dos acontecimentos” perante
a qual a história se tornou impossível.
Explicitemos
esta ideia. Com a queda do Muro de Berlim e a falência do sistema soviético, o
capitalismo “canibabilizou” todo o sentido de negatividade. Onde até então
existia dialéctica ergue-se agora um percurso de sentido único. Onde até então
a densidade dos factos se projectava nas consciências e empolgava militâncias,
hoje os factos despenham-se na sua profusão e nos efeitos especiais com que a
comunicação social os apresenta, banalizando-os, encharcando o quotidiano com
marasmo do idêntico por toda a parte.
Na
política, na cultura, nos média, na moda e até nas próprias causas que, mesmo
quando se apresentam como “fracturantes”, são as mesmas, seguindo o mesmo
padrão de sentido único...
Hoje,
tudo se passa em tempo real. Já não há mais lugar à verdade real dos
acontecimentos. Tudo se resume agora à coerência dos factos, imediatamente
apreensível no alinhamento dos telejornais. Sabemos tudo, a toda a hora, na
espuma do quotidiano...
A
história fica paralisada, não por ausência de acontecimentos, mas pela lassidão
das consciências, empanturradas de informação. As chamadas maiorias
silenciosas, a imensa indiferença das massas humanas, a falta de mobilização
cívica têm certamente diversas explicações. Mas a inércia social não resulta
seguramente por falta de motivos para acção cívica e política...
Nesta
espécie de auto dissolução da história, todos os mecanismos da democracia
política se degradam. E, nessa degradação, se precipitam valores políticos,
cívicos e morais. As próprias exigências do exercício da liberdade e de
respeito dos direitos do homem não passa de um simulacro.
“A democracia planetária dos direitos do
homem está para a liberdade real está como a Disneylandia está para imaginário
social” – escreve Jean
Baudrillard num livro célebre (A Ilusão do Fim – ou a greve dos
acontecimentos).
Se
com o colapso do sistema soviético, o capitalismo devorou, como uma paródia
universal, a dialéctica e a história, ao assumir todos contrários, numa
grotesca síntese sem alternativa, é porque, na sua veleidade de dominação
totalitária, devora a própria substância do ser humano para o reduzir à sua
essência de ser produtivo...
Salva-se,
porém, a cultura da liberdade e dos direitos do homem! Mas salva-se?...
Que
os digam os milhões e milhões de “gente
descartável”, que à escala planetária são afastados, como excedentes
(mercadoria, portanto) do processo de produção e de consumo.
Que
o digam as prostitutas na Tailândia, os índios no Brasil, os escravos na
Mauritânia, as crianças e as mulheres em Ceilão, no Paquistão ou na Índia! Que
o diga África! Que o digam, nos Estados Unidos da América, os muros de milhares
de quilómetros electrificados e a vigilância electrónica (e os rifles)
apontados aos emigrantes mexicanos!...
“Da liberdade já só resta a ilusão
publicitária, isto é, o grau zero da ideia, a que regula o regime liberal dos
direitos do homem" (...) –
exclama o autor referido, ou seja, “a
promoção espectacular, a passagem do espaço histórico para o espaço
publicitário, passando os média a ser o lugar de uma estratégia temporal de
prestígio...”
Construímos
a memória síntese dos nossos dias, mediante a profusão de imagens publicitárias
que nos dispensam da participação dos acontecimentos realmente transformadores
da vida e da sociedade
Nesta
antecipação publicitária, se canibaliza o futuro e se procede à reciclagem dos "detritos" da história e dos
mitos. Também os pais fundadores da nação norte americana, em nome da
liberdade, permitiram a escravidão!...
Resta-nos
a convicção que, ao longo dos tempos, sempre os escravos se revoltaram... E
que, em seu "surdo ruído",
a História prossegue seu caminho.
Bem
se sabendo quão duras são suas dores...
Manuel
Veiga
domingo, novembro 30, 2014
POEMA QUASE-NADA...
No corpo da
Palavra
Um frémito
Uma cadência
solta
Um alvoroço
Um meteorito que
se despenha
E explode em luz
branca...
E nessa infinita
graça
Todo o universo
se ilumina
E se condensa em
subtil cântico
E se devolve
Quase-nada.
E vibrante se
agita
E cativo se
recolhe
E se atiça
E se derrama
No poema
Como festivo magma...
sexta-feira, novembro 28, 2014
NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LXV
Babilónia
é uma selva. E um charco, onde reina poderoso rinoceronte – senhor do charco, julga-se o rei da
selva...
Quando
o lodo é mais denso, vem à superfície e despeja hiperbólicas indignações – que alguns confundem com rugidos...
Depois
do “pássaro verde” - o “Espírito Santo
dos milagres” - assume agora as dores do “animal feroz” – “preso sem ser julgado!...”, indigna-se...
E
desfere palavroso ataque contra os juízes...
............................................................
E
um velho jurista retirado da praça, mas não do Mundo: “dura lex, sed lex...” (a lei é dura mas é lei”, exclama. E
pedagógico – “culpa, ubi no est, nec
poena esse debet...” (onde não há culpa, não haverá pena...)
quarta-feira, novembro 26, 2014
SUBTIS INCANDESCÊNCIAS...
Sob a dominância
dos escombros e dos dias gelados
Tacteiam os
dedos a fina película dos muros
Em que a
metamorfose da cal se desvanece
Como palavras
gastas ou fomes caladas
Sem reverso...
Profusão de
sombras por onde sobem nossas dores
Como larvas
tecendo o casulo e a teia
Na amargura dos
dias
E no degredo das
paisagens.
Clarins sorvendo
a alvura do silêncio
E sem mais
restar que o sopro
E a inversão
meteórica das vozes em polifónicos
Cânticos
calcinados...
Nada sugere
outra luz ou outra vibração
Que não seja o
lusco-fusco e a palidez dos dias saturninos
Ou auroras de
frio...
E no entanto o
grito sufocado dos dedos
E os lábios
gretados balbuciam inesperadas correntes
E águas soltas e
margens extravasando percursos
Percorridos.
Subtis incandescências
no topo das montanhas
Ou o delírio de
pássaros talvez
A balancear o
voo...
Manuel Veiga
segunda-feira, novembro 24, 2014
NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LXIII
Babilónia é uma selva. Onde predominam coiotes e outros animais menores...
Um
dia apareceu um animal largo de promessas, que de si próprio dizia ser “um
animal feroz”. E os babilónicos entregaram-lhe o poder...
Cedo,
porém, verificaram que as promessas eram de submissão aos animais mais fortes
da floresta, que estrangulam a cidade... Muitos o detestam, por isso...
Em
gritaria a Praça, outrora tão solícita, hoje clama que a sua “ferocidade” não
passaria de ganância. E em grande chinfrim os coiotes cercam o “animal feroz” -
a quem invejam a presa...
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E um
velho leão, com a juba gasta e quase cego de tanto ver, indigna-se:
“Larguem
o animal à sua sorte – e que a lei da floresta funcione! – Mas que os asnos (e
os invejosos) não lhe atirem patadas...”
quinta-feira, novembro 20, 2014
DA IMPORTÂNCIA DO NOME....
A
Revolução liberal de 1789, como se sabe, aboliu os privilégios pessoais. E, na
sua pulsão libertadora, fundou uma nova ordem social e proclamou a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão para a qual “os homens nascem e permanecem
livres e iguais em direitos; as distinções sociais não podem ser baseadas senão
na utilidade comum.”
Em
consequência, a partir daí, o direito ao nome, no conjunto dos direitos de
cidadania, não será mais objecto de outorga, isto é, imposição ou dádiva, mas
antes considerado como direito natural, inerente a todos os indivíduos.
Sinal
imprescindível da personalidade, o nome pessoal extravasa, porém, a palavra que
o enuncia. Representa, sobretudo, aquilo que somos; ou seja, o nome é o símbolo que reveste o seu titular e unifica o indivíduo: estrutura corpórea, mas também
a dimensão psíquica e conjunto de valores éticos, políticos, intelectuais e
morais, que definem o carácter.
Por
outras palavras, o nome constitui o sinal mediante a qual a sociedade nos
interpela, a evocação pelo qual somos reconhecidos durante toda a vida e, de
alguma forma, nos propaga no tempo, pois que, como símbolo da identificação e
da individuação pessoal, nos vincula à nossa vivência e ao mérito (ou demérito)
da nossa participação colectiva.
Na
sua dimensão simbólica, o nome pessoal é também expressão de uma ideologia: de
classe, de grupo ou de uma família. Os nomes pessoais falam para além das
pessoas que designam. Revelam mais do que afirmam. Desde logo porque, hoje em
dia, para as grandes massas aculturadas pela ideologia dominante são um fenómeno
de moda. (“Maria Albertina porque foste nessa/ de chamar Vanessa/ à tua
menina?”).
Noutros
casos, sobretudo, nas classes dominantes, o nome pessoal é a projecção social
de um futuro que proclama, por isso, no nome de baptismo se inscrevem as
referências familiares dos antepassados mais distintos, num processo que
(dir-se-ia) da mesma natureza com que os primitivos usurpavam o nome dos
animais ou fenómenos naturais que os seduziam. Em boa medida, é verdadeira a
expressão “diz-me como te chamas, dir-te-ei quem desejariam que fosses...”
Este
fenómeno é replicado nos processos democráticos ou revolucionários, em que os
nomes de líderes e de vultos destacados são assumidos pelas massas e os
inscrevem no registo dominante dos nomes próprios em determinado momento
histórico. Por exemplo, na geração do post 25 de Abril, são frequentes os nomes
de “Vasco” e de “Catarina”, como homenagem a dois vultos maiores da revolução –
Vasco Gonçalves e Catarina Eufémia.
Acontece
que, na sua expressão simbólica, os nomes podem ser manipulados como
instrumento de luta ideológica. De facto, como se referiu, o nome é direito
natural de que todos homens, sem distinção, são sujeitos. Quer dizer, portanto,
que o nome igualiza todos os homens, colocando-os, ao menos no plano formal (deixando
por agora de fora as desigualdades derivadas da situação concreta de cada um no
sistema de produção), em lugar idêntico perante o direito e a sociedade.
Mas se o direito igualiza, a ideologia
distingue.
Vejamos.
Os nomes produzem um efeito especular, unificador das características pessoais
de cada um, que no seu conjunto definem a sua individualidade própria, como
ficou dito. É mediante esse efeito que os indivíduos em concreto se reconhecem
e a sociedade os interpela como homens e cidadãos. Eliminar ou elidir alguma
das características individuais expressas simbolicamente no nome, será diminuir
a personalidade do indivíduo. Ignorar deliberadamente o nome de uma pessoa é,
de alguma forma, decretar a sua “morte
civil”...
Quem
seguiu atentamente, tempos atrás, os debates entre os líderes políticos, no
contexto de umas eleições para a Assembleia da República e verificou a
persistência da dr.ª Ferreira Leite, na altura presidente do PPD/PSD, em ostensivamente
evitar pronunciar o nome de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do Partido
Comunista Português, compreenderá o que pretendemos dizer.
Na
boca da ilustre senhora, Jerónimo de Sousa foi sistematicamente nomeado como “senhor deputado”, privilegiando, face
ao respectivo nome, o lugar institucional em que o Secretário-geral do Partido
Comunista se move. Com um duplo efeito ideológico. Por um lado, negando, isto
é, não pronunciando o seu nome próprio (Jerónimo de Sousa), negava-lhe também a
distinta senhora a igualização social, no igualitário plano do contexto do
debate.
Por
outro lado, elidia (para além das efémeras funções de deputado), porventura,
sem disso se dar conta, outras notáveis qualidades, que irradiam da personalidade
do Secretário-Geral do Partido Comunista Português – p. ex., a sua história de
vida, a sua militância política e a sua condição de comunista – e que, essas
sim, dão “densidade” à personalidade de Jerónimo de Sousa.
O episódio
traz-me a memória o célebre senhor Jordan, deliciosa personagem de Moliére, que
“falava francês, sem o saber...”. Assim, passados mais de três séculos, também
a nossa "mais esclarecida" burguesia, por ignorância e preconceito (ideológico), e com agudo instinto de casta, “faz ideologia ... sem o saber!”.
Manuel Veiga
segunda-feira, novembro 17, 2014
FRÉMITO DE INSUBMISSA HUMANIDADE...
Mais além cumes
desérticos e eternas neves
No colapso dos
dias. Veredas de solidão na vertigem
E no abismo das
cidades onde a cólera em surdina
Compõe a
sinfonia do medo. E os pombos tombam
Feridos pelo ar
fétido que respiramos impudentes...
Efémeros
despojos na pantalha são pretexto
Das bombas
incendiárias que trazemos no olhar
Do grito dos
passos nas calçadas e das gargantas
Mudas. Do terror
gelado no sangue supérfluo
Que derramamos -
pão incerto que nos roubam!...
Despimo-nos e
vestimo-nos na nossa nudez frágil
Como se o
arrepio da pele fosse fluidez de orgasmo
E as heras que
nos habitam e entopem as veias
Fossem diapasão
de verdade ou memória de destroços
A que nos
agarramos pressurosos de eternidade...
Por isso a
montanha e os gelos. O refúgio de pássaros
Deserdados. E de
itinerários perdidos na distância
Dos dias
verdadeiros. Por isso o sonho crepuscular
Rangendo estéril
de tão perfeito. Canto desesperado
Que em vão ecoa.
Praças e rios que se negam fugidios...
Antes a harmonia
do caos. O declive das colinas.
A imperfeita
palavra. E a poética sem rima. E a luz.
E a treva. O sal
das lágrimas e a raiva. E o punho.
E o sabre. E o
peito aberto. E o caminhar vagabundo.
E o sangue em
frémito de insubmissa humanidade...
Manuel Veiga
domingo, novembro 16, 2014
NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LXIII
Babilónia vende os anéis e os dedos. Mas
a cidade está salva. E pródiga...
Vice-Hamurabi, o trampolineiro, inventa
os “vistos de oiro” – uma autêntica mina...
De oiro, está claro...
A Praça, idólatra, esfrega os olhos, aprisionada
no labirinto – afinal nem tudo o que luz
é oiro! O bezerro corrói as entranhas e o coração da cidade...
.....................................................
E o fantasma de um velho filósofo, atroando
os ares: “Babilónios, não desesperem, nem
se rendam - oiro ou pechisbeque tanto vale!...
Oiro
é a lucidez e a determinação da luta – o
vosso trabalho é que dá valor às coisas...”
sexta-feira, novembro 14, 2014
SOBRE O AVILTAMENTO DA POLÍTICA ....
“O
fascismo nunca existiu!...” A célebre “boutade” proferida, logo após o 25 de
Abril, por um conhecido intelectual residente em França, tem sido recorrente na
nossa comunicação social. E a carga irónica inicial, que subvertia o sentido
literal do enunciado, fechou-se agora no seu significado facial, num claro
propósito de branqueamento.
De
facto, nos meios de comunicação social dominante, ao longo das últimas décadas,
têm sido constantes as afirmações de que não houve fascismo em Portugal, no
longo período de 1926 a 1974. Historiadores, sociólogos, politólogos e outros
cientistas sociais juram a pés juntos que o regime não foi fascista,
preferindo, em seus argumentos, expressões como “Estado Novo”, “antigo regime” ou “regime ditatorial”...
Porém,
factos são factos. Que outro nome chamar a uma ditadura que edificou um Estado
policial e totalitário e condenou à miséria, ao sofrimento, à ignorância e ao
obscurantismo gerações de portugueses? Que outro nome dar à repressão criminosa
com tribunais especiais, prisões políticas e campos de concentração e que não
hesitou em assassinar, quando considerou ser necessário?
Como
qualificar o gesto simbólico de Salazar manter, na sua secretária de trabalho,
o retracto de Mussolini, junto do qual, aliás, se fez fotografar? Ou então ter
proclamado três dias de luto nacional pela morte de Hitler? E, noutro plano, o
apoio explícito ao ditador Franco durante a guerra civil de Espanha, sem o qual
outro teria sido o resultado do conflito?
Que
dizer do Estatuto do Trabalho Nacional e das diversas Corporações Nacionais,
copiadas das instituições fascistas italianas, designadamente, da “Carta del
Lavoro”? E as estruturas paramilitares, - a Mocidade Portuguesa e a Legião
Portuguesa - mediante as quais se procurava enquadrar e doutrinar a juventude,
os trabalhadores e a sociedade em geral?
Parece
óbvio que negando-se o fascismo, se procura desmentir a acção de todos os que
heroicamente a ele se opuseram, desde a primeira hora e, assim, negar o “corte”
estrutural na realidade sociopolítica portuguesa, decorrente do impacto
político da Revolução de Abril, que muitos gostariam tivesse sido, noutro
contexto, “a evolução na continuidade” marcelista.
Claro
que este “apagamento da memória” e este relativismo conceptual ou as
proclamadas objectividades científicas de branqueamento do fascismo têm efeitos
deletérios na sociedade portuguesa. Desde logo, o desmerecimento da política e
o sentido lúdico da sua prática. Pois não era Salazar quem abominava a política
e quem proclamava o “sacrifício” da governação?
O
slogan fascista “se soubesses quanto custa mandar, gostarias mais de obedecer”,
perseguia a sociedade portuguesa, desde as escolas aos locais de trabalho, como
fundamento de conformação social.
E quem
ignora que tal magistério ainda hoje tem “cultores” na vida pública portuguesa?
Pois não é verdade que nos mais altos lugares do Estado são ocupados por
políticos que arrenegam ser “políticos”? E que a dita sociedade civil esta
repleta de “génios” (políticos) que privam a Pátria do seu(s) talento(s) pelo
desdém à política e pelo “sacrifício” que a devoção à causa pública acarreta?
Claro
que a isto tudo se associam ainda outros factores de descrédito, como as
promessas não cumpridas e bloco central de interesses instalado na sociedade
portuguesa, a corrupção larvar que atinge os mais altos escalões da
Administração Pública, a promiscuidade de interesses públicos e privados, o
aviltamento das elites económicas e sociais, etc., etc. Então, digam-me, com
este “caldo de cultura” e semelhantes modelos sociais, que esperar senão e
descrédito da política e dos políticos? E, no outro plano, que esperar senão as
pulsões demagógicas, eivadas de um certo “autoritarismo” justicialista que
irrompem na sociedade portuguesa?
O
povo, claro, causticado pela “crise” e pelas “inevitáveis” políticas de
austeridade, procura, sobretudo, “safar a vidinha” e, por isso, “ignora” a
política e os políticos, que considera com “um mal necessário”...
Mas,
então, não chorem lágrimas de crocodilo aqueles que são os responsáveis por tal
estado das coisas!...
Manuel
Veiga
quarta-feira, novembro 12, 2014
VOO DE TEJO SEM ASAS...
Voo de Tejo sem
asas. Nem de velas.
Nem de partidas.
Ou de mil desmedidas
Chegadas...
É de névoa o
horizonte em que me despenho...
Ousamos o que
sabemos nos passos
Que não damos.
E ficamos...
Não mais Pirâmides
Corroídas.
Areias do deserto.
Vento suão de
mil enganos.
Não mais
Nilos...
Quem de Helena,
tróias?!
Quem tece o
rosto de Penélope
Em meus dedos?
Que romanos, que
glórias?
Que Cervantes? Que
mistérios?
Que Machados? Que
Castelas?
Que sedes de mil
anos?
Torrentes de
água pura
Nerudas. Índios.
Neves de montanhas.
Meu sangue
fervendo nas estepes...
Quem me arde
nesta dor?
Que sal? Que
mar? Que guindastes? Que pimentas?
Que Bandarras?
Que poetas?
Que Vieiras?
Camões de luto.
Jangadas. Capelas imperfeitas
E Pessoa no
proscénio...
Não mais heróis.
Não mais ilhas.
Nem míticas
profecias...
E no entanto
este Povo.
Este olhar
desamparado que me queima em cada gesto.
E este fado.
E este fardo...
Manuel Veiga
terça-feira, novembro 11, 2014
UMA BOA AMIGA - LICÍNIA QUITÉRIO
Descontado o exagero que amizade justifica, deixo-vos com um belíssimo texto da Licínia Quitério, que muito me honra.
...............................................................
POEMAS CATIVOS, de Manuel Veiga
NOTA DE APRESENTAÇÃO
Aqui estou eu, convidada a dizer
algumas palavras sobre o livro Poemas Cativos, do meu amigo Herético, que assim
foi por mim nomeado durante largo tempo, conhecidos que fomos através do mundo
dos blogues, eu no Sítio do Poema e ele com o seu acertadíssimo Relógio de
Pêndulo.
Nos primeiros tempos, fui apreciando
os seus belos textos em prosa, assertivos, entusiasmados, contundentes,
irónicos, esclarecendo, informando, atento sempre não só à espuma dos dias, mas
muito mais, à sua conformidade ou inconformidade com os caminhos e descaminhos
da Humanidade, dos seus santos e pecadores, para usar expressão tão pouco
herética.
Só mais tarde o fui descobrindo poeta
que ia publicando, diria, a medo, ou melhor, com o pudor de quem sente a
responsabilidade de fazer uso da palavra poética. Foi o seu Relógio de Pêndulo
mostrando, mais regularmente, o poeta sensível, a par com o cidadão empenhado e
lutador pelas causas que definem, traçam, consolidam o caminho dos homens rumo
à Liberdade e à Alegria.
E assim foi crescendo a minha atenção
ao Poeta, de seu nome Manuel Veiga, aqui presente hoje como autor do seu
primeiro e excelente livro, Poemas Cativos, em boa hora editado pela Poética
Editora, graças à Virgínia do Carmo, ela também poeta já publicada.
Tal como afirmei sobre o Eufrázio
Filipe, são as palavras de um Poeta a sua mais exacta definição, a sua
indelével marca no processo de comunicação mais perigoso, mais difícil, mais
subversivo, mais libertador que é a Poesia.
Passo a dar a minha voz, com o maior
gosto, a palavras do Manuel Veiga que tocam os domínios do terreal e do
sagrado, do concreto e do intangível, e sempre, sempre, as razões do amor e da
luta, com a destreza do verbo e o empenho incorrigível deste militante da vida.
Licínia Quitério
Seixal. 7 de Novembro de 2014
sábado, novembro 08, 2014
"COMO UMA BALA NO CÉREBRO..."
Há
mais de quatro décadas, ouvi da boca de um expert norte-americano que a
mensagem publicitária deve explodir no cérebro “como uma bala”. A metáfora, de
uma eficácia arrepiante, exprime a vocação totalitária do consumo, a que todo o
Desejo, Vontade, Emoções e Sentimentos são submetidos pela força prodigiosa da
publicidade e do marketing...
Hoje,
não é motivo de escândalo! Mas, então, éramos jovens, tínhamos sonhos e não
bebíamos Coca-Cola!... Foi, assim, por nós considerada tão elucidativa imagem da
bala no cérebro como mais um exemplo “prático” da urgência em mudar o mundo - para
que o Homem, liberto das contingências da exploração social e das manipulações
do consumo, pudesse, enfim, assumir-se, sem culpa, nem pecado, na reincarnação
de Eros e a publicidade não fosse mais que a celebração da Poesia...
Surpreendi-me
nestas lucubrações ao ler, no semanário Expresso (27.10.07), que a revista de
economia norte-americana Forbes – uma revista de negócios – publicou um artigo
entusiástico sobre os avanços das neurociências, com o sugestivo título (em
tradução livre) “À procura do
botão/interruptor das compras”.
O
artigo em causa não saiu, obviamente, por acaso, mas sim na sequência de um
crescente interesse nos meios norte-americanos por este assunto. O Expresso
cita, a propósito, uma variedade significativa de artigos sobre o tema e
esclarece que a Forbes, “que não brinca em serviço”, segue com atenção o que
passa nos laboratórios de investigação das neurociências.
Porquê?
Porque estas pesquisas tentam perceber o que acontece no nosso cérebro quando
este é sujeito a determinados estímulos. E, claro – diz o Expresso – “o facto
de as empresas poderem configurar os seus produtos ao conhecimento preciso do
que se passa no cérebro do consumidor, é algo cujo potencial só pode ser
aliciante”, já que permitirá a perfeita adequação dos produtos ao consumo. E o
conhecimento dos impulsos cerebrais permitirá “carregar no botão das compras de
cada um de nós, individualmente...”
Por
isso, a Forbes – acrescenta o semanário - voltou à carga com novo artigo, desta
vez intitulado “Este é o seu cérebro quando faz uma compra”. Este segundo
artigo da Forbes terá sido motivado pela publicação de um texto da revista
científica Neuron, na qual um grupo de estudiosos revela que, fazendo scanning
- com uma das mais recentes tecnologias disponíveis, o FMRI (Functional
Magnetic-Resonance Imaging) – ao cérebro de um indivíduo se “conseguia
determinar se ele iria fazer, ou não, uma determinada compra”.
Esclarece
ainda o Expresso que os autores do artigo científico em questão pertencem a algumas
das mais prestigiadas escolas dos Estados Unidos e que trabalham numa nova área
de investigação designada “neuroeconomia”. Esta nova “ciência” combina as
contribuições das neurociências, da economia e da psicologia na perspectiva de
definir, entre outras questões, os padrões de comportamento dos indivíduos na
tomada de decisões de consumo...
Como
se compreende, os artigos são cautelosos quanto à possibilidade de as “lojas em
geral” terem capacidade para “olhar” para dentro do cérebro dos consumidores –
“não só pelo custo proibitivo das máquinas que o fazem, como pela sua
inadequação aos espaços mais comuns”-, mas garantem que os resultados obtidos
permitem já não só compreender melhor os mecanismos da tomada de decisão dos
consumidores “como prefiguram claramente o futuro que se prepara”.
Enfim,
se eles o dizem...
E,
com toda a naturalidade, referem que grandes empresas como a General Motors,
por exemplo, têm vindo a utilizar tecnologias de visualização do cérebro em
tempo real, para estudarem as reacções dos consumidores perante determinadas
imagens específicas (carros, dinheiro, etc.).
Entretanto,
a dimensão orwelliana agrava-se quando se fica a saber que tais tecnologias de
“leitura do cérebro” serão, num futuro não muito distante, também “passíveis de
serem exploradas e aplicadas em contextos muito diversos, como a política e a
cultura...”
Eis,
pois, o anúncio antecipado da derrota de Eros e do fim da autodeterminação do
Homem que, desde os helénicos, tem percorrido História como promessa de
realização plena...
Perante
isto, que posso dizer-vos? Que a metáfora da explosão da bala no cérebro deixou
de fazer sentido? Ou que ainda hoje não bebo Coca-Cola?!... Ou dizer-vos da
fatalidade do absoluto “Triunfo dos Porcos”?
Ou,
pelo contrário, proclamar que continuo acreditar na urgência em mudar o Mundo?
Manuel
Veiga
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