F. TEIXEIRA DA MOTA - in Público 31.01.2014
sexta-feira, janeiro 31, 2014
segunda-feira, janeiro 27, 2014
CIDADÃOS OU MARIONETAS?...
O exercício da cidadania não se resolve
apenas na resistência ao poder político-social, no quadro da multiplicidade de
lutas e embates, em determinado momento histórico. Efectiva-se também, na
produção simbólica, isto é, na produção de ideias, valores e modelos de comportamento
social, tendo em vista romper às malhas da ideologia dominante. Por outras palavras, o poder ideológico
constitui, em si mesmo, objecto essencial de luta política.
Falar em cidadania activa pressupõe, assim,
que se considere também o espaço
discursivo no sentido dos cidadãos em geral e, especialmente, os grupos
sociais mais activos poderem formular uma rede simbólica/ideológica/cultural alternativa às ideias e valores
sociais dominantes e que hoje se exprimem naquilo que alguns designam por
“cultura-mundo” e outros por “sociedade do espectáculo”. Ao serviço dos quais
se afirma o “o poder mediático”, que excede o domínio dos órgãos da comunicação
social, embora estes mantenham, no funcionamento do sistema, um papel
determinante.
Não cabe no âmbito destas linha
aprofundar este tema. No entanto, julgo ser oportuno referir que, nunca como
hoje, a importância dos media e a sua
valorização hiperbólica foi tão expressiva, uma vez que através deles se afirma
e expande o conjunto de valores, ideias, modelos de comportamento, em que
estamos mergulhados. E nos quais a exacerbação do consumo é apresentada como
necessidade indeclinável.
De facto, julgo ser aqui que se
inscreve o papel nuclear do poder mediático e dos órgãos da comunicação social na
sociedade contemporânea - ou seja, na institucionalização do “consumo“ como
fetiche todo-poderoso. E, numa estratégia deliberada de “enclausuramento” da
sociedade e de expropriação dos direitos de cidadania, apresentar os modelos
e comportamentos sociais e políticos que reproduzem os interesses capitalistas,
como ideias e valores definitivos e, por isso, sem alternativa.
Quem não se lembra do autoproclamado “fim
da História”? Declaração que hoje, se manifesta, neste mundo globalizado, como concretização
“prática”, através da teoria das “inevitabilidades” e do slogan de que “não há alternativa”, sistematicamente impingidos
pelos programas, propaganda e acção política neoliberal.
Acresce que as próprias tecnologias
mediáticas e de informação, (que o poder mediático incorpora) espalham-se pelos
mais diversos espaços, passando a integrar a sociabilidade dos cidadãos,
estabelecendo posturas, atitudes e lógicas de comportamento, que são assimilados
pela própria subjectividade individual como valores colectivos.
No seu aparato, o poder mediático
reveste-se das suas próprias liturgias de poder, não apenas pelo seu papel
social (e a quem serve), mas porque como verdadeiro poder é visto pela
sociedade, que o identifica como algo superior, definidor da realidade,
revelador da verdade e criador de mitos, celebridades, que alimentam o imaginário
coletivo.
A especificidade da questão é que o
poder mediático, contrariamente ao poder de Estado, se realiza numa espécie de
“submissão voluntária”, em que cada individuo, no seu isolamento social, se
transforma no seu próprio vigilante.
Explicando melhor: cada individuo, particularmente
considerado, fica refém do “olhar do
outro” que, como ele, é vítima e, em boa medida também, actor do espectáculo
que o poder mediático exponencia.
De facto, é o receio interiorizado “do que os outros vão pensar” (por não se
frequentar tal meio social, conhecer a vida de tal celebridade, usar tal ou tal
marca de automóvel ou de vestuário, etc. etc.) que modela os comportamentos
individuais ao consenso social e constitui, por isso, um poderoso e subtil
elemento de sustentação (pela inércia) do sistema de poder.
Como romper o cerco? Julgo não haver “receitas
feitas”. Porém, onde “há poder há resistência”...
Assim, importa ter presente que, se é
verdade que somos produto da sociedade, também somos nós, cidadãos, os
produtores da sociedade que almejamos. Não somos meras marionetas de um jogo de
forças, nem meros expectadores dos embates dos diversos poderes. Cada um de nós
é co-autor da trama em que os poderes se tecem. E, portanto, o nosso silêncio e
passividade, ou a nossa acção decidida irão contribuir para manter ou alterar o
estado das coisas.
E, se é verdade que “onde há poder há resistência”,
também é verdade que todas as formas de resistência, criam novas expressões simbólicas/ideológicas/culturais, mais fecundas e libertadoras.
Quer dizer, novas “formas de poder-saber" que introduzem os fundamentos de uma vida-outra...
sábado, janeiro 25, 2014
MAR DE SARGAÇOS E DE BRUMA...
Amolecem os
dedos como pássaros
Em círculo de
fios prisioneiros e o canto
Amarelecido…
Apenas o rasto da
névoa e o azul breve
Mitigando o
colapso da tarde
Sobre o Tejo...
Cacilheiros são
os dias assim furtivos
Ida e volta como
ondas sobre o cais
Desmaiadas e sem
rumo que em eco
Desfalecem...
Mar de sargaços
e de bruma.
Os olhos
embargados
E sombra sobre a
tela…
Manuel Veiga
terça-feira, janeiro 21, 2014
NOTICIAS DE BABILÓNIA XLIX
Babilónia afunda-se na miséria e no
desalento...
Mas tem uma pitonisa – com banca na
praça... Discorre sobre o presente e lê o futuro nas entranhas das aves...
E inventa “factos políticos” que depois comenta...
Hammurabi, o legislador, inveja-lhe a
vida e a “sabedoria”. Mas não o quer
– chama-lhe “catavento” e que as suas
opiniões são “erráticas” ...
Como estrondo, a pitonisa retira-se –
mas não da praça!...
Um arrepio funesto percorre Hammurabi. E,
temente ao Destino, retracta-se!...
...........................................................................
E um velho cronista, lavrado por muitas rugas:
“O poder do Espectáculo tem mil rostos! mas nada
está escrito - babilónicos, o destino são os homens que o traçam...”
segunda-feira, janeiro 20, 2014
domingo, janeiro 19, 2014
NADA ESTÁ ESCRITO...
Na nítida
proporção das coisas a matéria
Insinua-se nas
asas dos anjos sobre a cidade sitiada
Nada que os
homens não saibam
Ou a que as
esferas não se curvem
Em seu percurso
frio e solitário.
Nada está
escrito.
Apenas a
soberana vontade dos famintos
Ou os sequiosos
martírios de azul cobertos
De tanta
esperança contrafeitos
Redimem este
tempo de murmúrios sibilados.
Não a culpa dos
inocentes. Nem as apóstrofes da guerra.
Tatuamos no
rosto a letra escarlate
E dos proscritos
vestimos a poluída túnica
E a carne
macerada.
E bebemos o vinho pisado pelos homens.
E do pão da vida
fazemos sarça
E ardemos no
verbo inaugural
Que de tão ígneo
se faz sémen
E explode na
persistência dos anjos
Sobre a cidade
sitiada...
Manuel Veiga
quarta-feira, janeiro 15, 2014
EM LOUVOR DE LYDIA...
Sob os
salgueiros derrama-se a cascata.
Em serenidade
absurda e indiferente
Como o regaço de
Lydia...
E as absortas
mãos dedilhando tédios
Nas coloridas pétalas
em redor...
A metafisica é
esta natureza morta
Que o poeta
afoito introduz na paisagem.
Porém, nada do
que diga ou faça perturba
O momento que
desliza triunfante
Na glória de
puro acontecer...
Nem os lábios de
Lydia onde germina
O mel e a fantasia...
Apenas esta
febre destemperada
Como se o verão
fosse eterna ceifa...
Ou sede de
água pura. Serenamente vertida
Em maceradas
ânforas
Da memória...
Flores à
beira-rio. Em teu regaço...
Manuel Veiga
domingo, janeiro 12, 2014
NOTÍCIAS DE BABILÓNIA XLVIII
Como rezam as crónicas, Babilónia é um
alfobre de génios...
Sub-Hammurabi, o trampolineiro, reuniu
sua seita. E num arroubo de eloquência, anuncia à cidade e ao mundo que
“irrevogável” significa singelamente - “
que o que tem de ser tem muita força!...”
Os fiéis curvam a cerviz, a cada gesto,
e entoam em coro: “somos livres, somos
homens livres!...”
A praça entreolha-se, embasbacada...
Outros, amargos, sorriem... Muitos sofrem e ... aguentam!...
........................................................................
E um velho cronista, calejado e cáustico, interroga-se:
“Quem, de seus próximos, irá ser atirado aos
cães?...”
quarta-feira, janeiro 08, 2014
MEMÓRIA PERFUMADA...
Lisa nos dedos
cresce a forma e o seixo
Arestas libertas
na geometria do verso
Fascínio de
palavras tão incertas
Como a espera do
gesto de colhê-las...
Agitam-se
freixos em aragem rarefeita
Corpos em tocha
sob gritos sustenidos
Corvos brancos
em círculo nos sentidos
Limiar de sombra
entre o verso e o seixo...
Fendem-se
grutas. Argila - febre ainda!
(Já não seixo).
E nas linhas modeladas
Explodem pedra e
verso no cio estival da seiva
- Furor de potros sobre fêmeas!...
- Furor de potros sobre fêmeas!...
Crepitam corpos
no cântico da tarde...
E na saliva das
horas demoradas tomba
A sombra sobre
os corpos e voam pássaros
No espasmo
vulcânico dos dias...
Nada corre. Agora.
Nem a brisa.
Apenas o verso arde em sua sombra.
E na memória
perfumada...
Manuel Veiga
sexta-feira, janeiro 03, 2014
NOTÍCIAS DE BABILÓNIA XLVII
Em Babilónia, reina um tempo
sem Tempo... E sem vergonha...
Hammurabi, o
legislador, igual a si próprio, exporta a juventude e esmera-se na longevidade
dos velhos...
Depois de devidamente
ajustados, são agora recalibrados – entram exauridos e saem
exangues. Mas todos iguaizinhos como bonecos de feira...
Na praça, perpassa um
arremesso de antigas profecias. E um
banqueiro sabido, babando-se de gozo – “ai, aguentam, aguentam!...”
............................................................................
Como
um espectro, um velho barbudo atroa os ares: “Babilónicos, que mais tendes a perder?!...
É escravo apenas quem aceita as algemas...”
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