domingo, junho 29, 2014

"Ajoelha e Serás Crente..."


“Ajoelha e serás crente!...” – escreveu Pascal um dia
Em seu fervor jansenista...

Assim o poeta
Invocando a graça
A arder na sílaba
Letra a letra...

E na fonte de água pura
Onde a sarça se incendeia
E os lábios
Peregrinos
São sede e beijo
O poeta recolhe o nome
E grita
E se imola
Na ara interdita
Do Desejo.

Espada e gume
Rasante em sua dor
E teima...

Manuel Veiga

 

quarta-feira, junho 25, 2014

Um Poema de Amor (ridículo)



Põe a mesa, amor, desdobra o linho
E em teu olhar bebe as linhas de meu rosto...


Serve a ceia, amor, corta este pão
E em tuas mãos amassa a ternura deste beijo...


Verte o vinho, amor, enche esta taça
E em teu seio acolhe o suor da minha fronte...


Cerra a porta, amor, e apaga a vela
E em tua mão pára o tempo que me queima...


Abre o leito, amor, recolhe a colcha
E em teu corpo geme a febre do meu desejo...


Fecha os olhos, amor, e deste cansaço
Em tua dádiva fecunda minha dor e minha eira...




Manuel Veiga

terça-feira, junho 24, 2014

CARTA ABERTA À FAMÍLIA ESPÍRITO SANTO - RITA FERRO


Em Junho de 2010, a escritora Rita Ferro, escreveu no semanário Expresso uma Carta Aberta à família Espírito Santo, que é um verdadeiro libelo acusatório de que este blog se fez eco em Carta Aberta.

Pelo desassombro da escritora e pela sua manifesta actualidade  (era então 1ºMinistro de Portugal, o engº José Sócrates) recomendo, mais uma vez, a leitura deste documento, de que transcrevo alguns parágrafos.

Carta Aberta à Família Espírito Santo – Rita Ferro

(...) "Sabem? Herdeira genética do salazarismo, mas penitente pelos efeitos do seu regime, sinto-me hoje ludibriada por ter dado o benefício da dúvida a quem se perfilou na defesa das suas vítimas para agora as defraudar

(...) O que se ouve neste momento, nas vossas costas, tanto nas salas como na rua, é que a força deste Governo não lhe advém dos cabelos, como em Sansão, mas da retaguarda que o vosso Grupo lhe assegura para acautelar negócios que (...) vão cavando a nossa sepultura.

Refiro-me, claro, a todos estes investimentos - inoportunos nos prazos - em que Sócrates vem embarcando, com a chancela de consórcios financeiros onde, surpreendentemente, consta sempre o vosso Grupo (...).

Ao contrário do vosso Grupo - e doutros, claro, mas com menos pergaminhos – não teremos a Suíça como abrigo quando a lâmina da bancarrota nos cortar a jugular, pelo que será aqui mesmo, em solo lusitano, desonrados e perecendo entre escombros, que exalaremos o último suspiro (...).

(...) Lembrar-lhes isto seria o acto mais nobre de lealdade a Portugal, tratando-se de um Grupo que, desde o Estado Novo até hoje, tem podido prosperar graças à indulgência de todos os governos e à vista grossa de um povo já exangue.

Dirão que o GES está no seu papel e que cabe a Sócrates prevenir-se; direi eu, que estou no meu, que me cabe defender a minha pátria de quem quer que a ameace”.

Rita Ferro, escritora – in “Expresso” – 12.Junho.2010

domingo, junho 22, 2014

NOITE DE MÚSICA E ... POEMAS!

Uma noite mágica de Música e Poesia na voz do músico Rogério Charraz e do poeta Jorge Castro, onde tive oportunidade de participar com meus "Poemas Cativos".

ver em SETE MARES 

RITO DE PASSAGEM...


No solstício dos dias ardidos e no mais alto cume
Das montanhas onde os deuses se resguardam
E em seu desenfado jogam aos dados sobre
O destino dos homens...

No inaudível som das esferas em seu itinerário
De fogo e gelo. E nos acorrentados passos que rasgam
Os caminhos. E nas dores do mundo. E nos espinhos.
E nos inquietos dias.

E na passageira glória dos dias faustos e no rosto
De nossos mortos. E no sangue aceso.
E na alegria solidária. E na luta
Ombro com ombro – firmes em nossos gestos
Erguidos em explosão de punhos...

E no dulcíssimo seio das mães. E no regaço onde
Cansados por vezes tombamos. E na ternura das crianças
E no pródigo nome que trazemos. E que honramos -
Fio de água no fervor das cinzas...

Aí nesse mítico lugar onde nos damos. Fecundos.
Inscrevo em teu rosto minha palavra ígnea e em tuas mãos
Deponho a vara do tempo e todas as marcas inscritas
(Passadas, presentes e futuras)
E te declaro guardião
Do sangue
E da gesta
Em que
Ardemos.

Manuel Veiga

(No quadragésimo aniversário de meu filho)

sábado, junho 21, 2014

NOTICIAS DE BABILÓNIA LV


Em Babilónia existe um clã, a cujo poder todos os poderes se vergam...

Nem uma folha de árvore tomba, nem uma aragem corre nos jardins de Babilónia sem que a grandeza de seu nome seja invocada – e o próprio Hammurabi, o legislador, é apenas uma extensão do seu poder...

Dizem agora os oráculos que a ganância o perdeu e os nefastos fados o levarão inevitavelmente ao descrédito e à ruína...

Na praça, em balbúrdia, alguns incautos encenam o espectáculo da sua morte...
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E um velho barbudo, fora de moda: “a Hidra tem mil cabeças - mas onde há poder, há resistência!...”

E exorta: “Ataquem o monstro onde mais dói – Babilónicos, acordem! - o seu poder é “APENAS” a vossa submissão...”

terça-feira, junho 17, 2014

CRÓNICA DESPORTIVA ...



Quais as razões que podem levar os jogadores da selecção nacional a não mostrarem os pés, em contraste, por exemplo, com os profissionais da selecção espanhola que, em época recente, atingiram o cume de campeões mundiais de futebol?
 
E quando digo pés, digo os pés eles próprios, isto é, os pés nus - ou se preferirem, os pés descalços... Não se trata, pois, dos pés avaliados em milhões, revestidos de macias chuteiras, ostentado prestigiadas marcas, os pés “que carregam as esperanças dos portugueses” (Cavaco Silva dixit). Esses pés, enfim, o povoléu conhece...
 
A minha perplexidade é sugerida pela jornalista Catarina Carvalho no suplemento do DN de 08.06.14, que a exemplo de jornais estrangeiros pretendia fazer uma reportagem sobre os “verdadeiros” pés de nossos atletas. O que, terminantemente, foi negado, apesar das porfiadas diligências...
 
Mas será que nem uma unha encravada, nem uma micose, nem um joanete, nem uma nódoa negra, nem entorse, nem uma qualquer mazela que possa “humanizar” os pés dos nossos endeusados futebolistas?
 
Estava quase a acreditar em que os nossos heróis, em vez de lusitanos seriam, porventura, gauleses e, como o Asterix, teriam asas na testa (em vez de humanos pés).
 
Mas nem isso os deuses da bola me permitem. Depois do desaire com a Alemanha “o céu desabou sobre as suas coloridas cabeças”, pelo que apenas um genuíno e portuguesíssimo “golpe de asa” os poderá salvar...
 
Esperemos então que os cuidados pés dos nossos heróis nacionais não sejam mesmo pés de barro - tão simplesmente...

sábado, junho 14, 2014

FRÉMITO MUDO...


No íntimo mais profundo do silêncio
Onde a distância e o espaço são os impossíveis dedos
E o tempo é a demora do olhar sobre a tela nua
Gesto inaugural apenas...

E o artista esconde a alma na matizada cor
Onde o desejo – corpo delito - se despenha
Como pétala uma a uma tombada da paleta
E vermelho e a sombra se misturam
Em dúvida antes da glória (ou da graça invocada)

Na indizível voz do poeta onde a sílaba é palato e língua
E se desprende como beijo de água a arder na boca
E se ilumina na forma pura
E o trama se macula sem saber se cor
Se morfema.

Nesse ínfimo núcleo a arder – tudo ou nada!
Onde a palavra emerge. Cúmplice.
E se ergue impoluta
E o poema se agita
Acorrentado.

Solta-se um frémito mudo
Como culto. E cume.
Ou voo de Sísifo
Rasando o lume...

(Não há musgo - macio que seja -
Que quebre o fogo no interior da pedra...)

Manuel Veiga

 

quinta-feira, junho 12, 2014

DE NOVO A MONTANHA...


De novo a montanha como gesto abrupto
Do silêncio íntimo. Percorro veredas d´água
Subterrânea e o magma. E nesse fogo
Se condensam estalactites. Afectos agora
Evanescentes. Essências matriciais ainda...


Fecha-se o círculo. Em redor as brumas
E os rostos. E os cheiros. E esta pedra
Em que trôpego desfaleço. A febre quente.
E o suor frio. E o grito d´alma que voa
Qual corrente.Veleiro sem regresso, nem destino...


A vida? Esquivas corsas que de tão lestas
Se pressentem e apenas no rasto se iluminam...
Fortuitas são as horas. Não o caçador negro
Nem o coração da pedra. Apenas a água
(E sal da lágrima) são lírios e são heras...


Guardo sôfrego este silêncio e me retiro.
O fogo é agora esta paixão: o eco de calcário

E meus dedos brasa. Poeira e caliça.


E muros derrubados.
E esta centelha viva que na queda
Se derrama.
Fim de tarde que ao sol se incendeia...


Manuel Veiga

POEMAS CATIVOS

Edição POÉTICA Edições
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Peço desculpa pela ausência dos blogs da minha estimação.


Que será breve... Beijos e abraços

 

 

 

domingo, junho 08, 2014

O POETA NO PROSCÉNIO...


Abrem-se os braços à inocência das coisas
Como corolas rubras
No esplendor do Sol-menino...

E o laborioso insecto – bicho alado – bem se sabe
Qual poeta no seio do milagre
Voa e tece fio a fio
A vibração da cor...
E dança a inaudível sinfonia
No frémito do dia...

E neste teatro do Acaso
Sem urgência ou mácula de sombra
Nomes e coisas fundem-se em seu jeito
Sem outra ordem ou arbítrio
Que não seja o lugar certo:


- Como o deslassar do poeta
No proscénio (pagão e puro!)
Ou gota de água
Apenas...

Manuel Veiga

 

 

 

sexta-feira, junho 06, 2014

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LIII


Um dia, os babilónicos levantaram-se do chão, roubaram o fogo dos deuses e gravaram na pedra: - “nenhum poder sobre a Terra é superior ao império da Lei...”

E, entre eles, nomearam um Conselho de Sábios, para que assim vele...

Hammurabi, o legislador, não se conforma e proclama – “Babilónicos, a lei sou eu!...”

Obsequioso, o Conselho de Sábios: “Grande Hammurabi, teu poder é imenso e sábia a tua lei – desde que se conforme com a Lei maior que nós velamos...”

E devolve uma... duas... três vezes as leis de Hammurabi. Que agreste barafusta, investindo: “aclarem vossas decisões – quando não, serão todos “escrutinados”!...

E culpa o Conselho de Sábios pelo afundamento do barco...
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E um velho, cego e dando-se ares de profeta, murmura: “clarinho, clarinho que até um cego vê”!... E exorta: “Babilónicos, não queiram ser de novo escravos, nem bestas – o Povo é quem mais ordena!...”
 

quarta-feira, junho 04, 2014

ABRASA O SOL....


Abrasa o sol nesta miragem. A distância é o voo
E a canícula. E a ave soletrando o círculo.
E o zénite...

E a violenta brancura do azul no fio de meus olhos
Agitando a brisa cálida...

E o esqueleto calcificado no restolho
Abandonado.
E o cardo seco
E a poeira ...

E a gotícula lambendo a pele nua
E os lábios gretados. E a sede das horas
E os passos sobre o eco...

E o arfar solitário.
E este latir de condenado...

Infinita esta paisagem em que me detenho
Como planície inventada
Ou voo quebrado...

Estridência de cigarra acesa
Ou secreta cotovia em alvoroço
Adejando por dentro.

E o milagre
Do canto
Inesperado...


Manuel Veiga

 

domingo, junho 01, 2014

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LII


Babilónia é hoje um prodigioso campo de torneios florais shakespearianos – que muitos admitem ser apenas uma prosaica luta de galos...
 
“Sir” Tozé, o inseguro, armado rosa pálido, acossado e ferido solta o poderoso grito: “meu reino por um cavalo!”...
 
No estertor da batalha, Sir Tony, o de sete costados, - qual Yago, que não Otelo! – proclama: “oh tempos! - outro vai tornar-se tenente, enquanto que eu — Deus me perdoe! - continuarei sendo do Mouro, o alferes!...”
 
Hammurabi, o legislador, vai até onde lhe chega a voz - e manda dizer, sobranceiro, que se trata, não das rosas, mas da “guerra dos tronos”...
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E um velho literato, destilando amarguras antigas: “C´est la rose, tout court!...” – babilónicos, não se distraiam – prossigamos a luta!”...  

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...