quinta-feira, julho 31, 2014

NO RUMOR DA LÍNGUA II

Toma o poeta o cinzel e seu ofício
E pela fissura da pedra por onde a palavra espreita
Escuta o lento germinar da água sob a fraga
Gota a gota. Como seiva...

Nada que não saiba. A demora é cadência
Do escopro. Música que não rima ainda.
Rumor apenas de água. Talvez fermento.
Selo que resguarda. E anuncia...

Ergue o poeta o murmúrio do silêncio
No cadinho e no caule da sua espera.
E sopra o nada. E busca a presa. Que arredia
Se escapa. Fugidia...

Razão que não queira. Rumor da língua.
Centelha agora. Já não apenas água.
Contudo mineral ainda. Mas já crisálida abrindo
O som da sílaba...

Ousa o poeta depois o fogo e a sarça.
E a chama no interior da pedra.
A palavra ainda é nada. Apenas o estrelar da luz.
Fogo e água. E solidão acesa...

Nada que não seja. Porém a palavra agora
(Feita água) é rosto e é nome. E claridade...
Vereda de dor e fome de humanidade.
É quimera que se ergue no poema...


Manuel Veiga


7 comentários:

Graça Sampaio disse...

... que sugere:

«Arranca o estatutário uma pedra destas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem: primeiro, membro a membro e, depois, feição por feição, até a mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.»

Belíssimos textos ambos.

Beijo, Poeta!

Graça Pires disse...

Nada que na saiba o poeta. Do silêncio e da sede. Da fome e do pomo. Palavra feita fonte. Clareira
de luz ou fogo...
Tão belo, meu amigo.
Um beijo.

jrd disse...

No rumor da língua o cinzel leva a poesia até ao êxtase.


Abraço fraterno Poeta

Ana Tapadas disse...

A intertextualidade num trabalhar belíssimo da palavra. Em surdina Vieira e o Antigo Testamento...explicitamente TU, nessa capacidade imensa de urdir a Língua.

bj

Shirley Brunelli disse...

MARAVILHOSO!!! A pedra bruta do "mineral", colocada no cadinho e aquecida pelos sentimentos do poeta, atinge o seu ponto de fusão e nasce a crisálida a voar ao som da sílaba...
Amei, heretico, amei!
Beijos!

Red Angel disse...

Gosto da cor!

Gosto do titulo!

E gosto mais ainda da simplicidade da capa que contrasta com o arrebatamento da cor...

:-)

lis disse...

Gostei muito heretico
" ...A palavra ainda é nada.Apenas o estrelar da luz .
Fogo e água .E solidão acesa..."
Talvez quimeras.
abraço

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