segunda-feira, setembro 29, 2014

PRODIGIOSO DIA...


Encobre-se o poeta em seu nome
E assim emboscado
Recolhe a graça
E se faz Mar
E barco...

E se unge
E se alcança
Marinheiro...

Torna-viagem de si próprio arde.
E na amurada do sonho funde as rotas
E todos os mapas. E em todas as praias
Aporta. Peregrino...

Em cada enseada se derrama.
E em todas as ilhas cativo.

E é mastro altaneiro. E gávea.
E é o alvoroço inaugural das ondas.
E o corpo em flor de Nereide.
E o canto enfeitiçado...

Tece agora em seu diário
A ortografia da viagem. E o assombro.
E a vertigem.

E em registo cifrado
Tabelião de desacertos
Resguarda-se.

E desdizendo-se se faz rota.
E do sangue incendiado
Se faz Grito.

É companheiro das brumas
E Argonauta de todas as demandas.

E de todas as âncoras
O prodigioso dia!...


Manuel Veiga





sábado, setembro 27, 2014

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LIX


Babilónia, com o barco afundado, dá cartas na arte da Diversão e do Prodígio - louvados sejam os deuses que a protegem...

Hossana, hossana!...

Hammurabi, o legislador, um primor de sensibilidade e bom gosto, transmutou, há dias, fenomenal, o ensino público em salsicha - que muitos dizem ser podre...

Exímio, agora, no contorcionismo, nega-se porém ao número de strip-tease - a Praça encolhe os ombros e murmura “que o rei vai nu..."
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E um velho valdevinos, ruído pela sífilis e pelo álcool, desabrido: “antes o Cabaré da Coxa – onde as p... eram p... e a conversa era séria ...”

terça-feira, setembro 23, 2014

DESAMPARO DO POETA.

(in)Submete-se o poema ao seu desígnio
Qual barro na busca da perfeita forma
Em prestidigitação de dedos
Ávidos...

Demiúrgica a palavra volve-se e revolve-se
E no vórtice arde – coisa de nada!...
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Desamparo do poeta a tropeçar
Nos dias do Mundo
E em sua alma
Inquieta...

Manuel Veiga

quinta-feira, setembro 18, 2014

NA MUTAÇÃO DAS HORAS...


Na mutação das horas pressente-se o alvoroço das aves
Nos mastros mais altos em prenúncio de cântico...

Caótica uma cor indecisa alastra desordenada
Sem forma que a prenda
Magma quente
E fio de água
Que se insinua
Na pedra
Tímida...

E o sobressalto
Como arco tenso
Ainda preso...

Ou fera
No agitar da presa
Apenas pressentida...

Sou guardião dessa memória - que não da gesta!...
Desses trilhos que se avolumam
Como sinais de fogo
Nas montanhas
Soprados
Pelo acaso...

E pelo inesperado dos ventos...

E que o coração dos homens
Guarda como sacrário
E estremece
Na persistência alada
Do sonho...

E se transforma em vida
No corpo enxague
Dos proscritos...

Manuel Veiga


terça-feira, setembro 16, 2014

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LVIII


Existe em Babilónia um bonzo. Maior que o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Que se julga pai fundador do reino...

Retirado em suas mercês, emerge à superfície, quando a porcaria entra em ebulição e odor fétido se estende pela cidade...

Com o império do Espirito Santo derrubado e o vazadouro a escorrer a céu aberto, o bonzo garante que o anjo caído, qual Ricardo, Coração de Leão, flamejante e justiceiro, há-de um dia voltar...

E falar... - “E quando disser, as coisas vão ficar de outra maneira...”

Cuidem-se, então, os incautos...
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E um velho publicitário, roído pela aguardente e o tabaco – “Que grande barrela! nem o Tide lava tão branco!...”


domingo, setembro 14, 2014

METEÓRICAS CLARIDADES...


Esplêndido o relâmpago e voo das aves.
E o estertor do grito nos abismos do silêncio.
E as impolutas neves e os fundos vales.
E as máquinas modernistas celebradas em poema.
Meteóricas claridades!...

(E também o senhor Álvaro de Campos, engenheiro.)

Gloriosos são os tempos sem memória.
E o gesto puro que se esgota no “Nada que é Tudo”.
E a altivez das estrelas em seu gelo derramado
Na profusão de brilho sem mistério...

Dor “mater” dos medos
E pudor dos passos.

E a inútil espera das amoras antes de acontecerem.
E as palavras escavadas. E o fogo das rochas.
E a líquida emoção das horas
Suspensas nesse enredo...

Gloriosas são as águas no ventre das montanhas.
E a viagem dos barcos.

Soberbos os guindastes.
E o camartelo arrancando chispas nas margens.
Glorioso o pão e vinho. E as máquinas. Ainda.
E a opulência das estátuas. E a febre dos archotes
Rangendo fúrias...

(in)Úteis Odes Triunfais.
Minervas sem alma.
Gares e cais.
E Desertos.

Que não sendo certos, são toda gente
E em toda a parte
Embora!...

Manuel Veiga



quinta-feira, setembro 11, 2014

FLOR SANGUÍNEA...


Na implosão de cravos
Apenas a raiz
Se finca
E a cor
Em bandeiras
De fome…

Dias amputados de Futuro
Nos trilhos do Nada…

Descartáveis auroras
De um tempo sem fronteiras
Como chumbo…

E no arrepio da dor
Uma memória perfumada
Uma vertigem que explode
Nos olhos…

E carnívora se ergue nas bocas
Em apoteose de flor sanguínea
No corpo imaculado da Tragédia
Prenunciada…

Como cristal aceso
Em noite de facas…


Manuel Veiga

terça-feira, setembro 09, 2014

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LVII


Em Babilónia, havia um ministro que gostava de robalos.

Era essa a sua circunstância – gostar de robalos e de facilitar negócios aos amigos! Fora essa sempre a sua vida...

Um dia, as circunstâncias da Justiça alteraram-se (pouco que seja) em Babilónia – e o ex-Ministro foi condenado por tráfego de influências...

Condenado, o ex-Ministro indignou-se. E, filosofante, sustenta que a pesada sentença visa, não a ele, mas a sua circunstância...
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E um jornalista da velha escola, de olhos cansados e ironia aguçada: “Sábia conclusão! As circunstâncias colam-se à pele como segunda natureza – importa saber cuidar delas...”


segunda-feira, setembro 08, 2014

GALERA DE GLÓRIAS PASSAGEIRAS...


Navego canela e marfim
E em meu sal marinheiro...

Solto os mares.
Que porto abandonado é fogo ardido...

Corsário de um corpo indefinido
Em cada remo me fundeio. A bruma é lua.
E o rosto indefinido vaga cheia...

Cartografia dos sentidos
Rebentando as veias...

Não mais bandeiras. Outras.
Apenas o convés engalanado
E o mastro altivo...

Tão grávida de Índias
Minha galera de glórias passageiras...

Manuel Veiga


quinta-feira, setembro 04, 2014

NÃO HÁ FESTA COMO ESTA...


 Transporta-nos ao Futuro. A Festa.
Como se o tempo fosse veleiro de todas as quimeras
E os punhos de agora explodissem em flores
Na boca das crianças...

E o ventre da terra fosse uma papoila ruiva
No corpo das searas. E os braços dos homens
Fossem torrentes de afectos no ombro cansado
De todos os proscritos...

E o trabalho o generoso gesto da partilha dos frutos.
Apenas.

Transporta-nos ao Futuro. A Festa.

Na claridade integral dos dias pressentidos
Que os homens desenham no ardor de suas lutas.
E na reinvenção do amor em cada esquina.

E no farnel da Igualdade.
E na febre de Liberdade.

Que os hinos sejam. Então. E os rituais se cumpram
Como umbrais de Esperança. E luz de alvorada.
E lanterna. E guia nos passos de dor
Que trilhamos.

E a porta aberta. Seja.

E o rosto dos homens livres e diversos
Seja em seus traços alegoria sinfónica
Do Mundo...

Manuel Veiga






Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...