segunda-feira, fevereiro 09, 2015

DIAS SATURNINOS...


Sob a dominância dos escombros e dos dias gelados
Tacteiam os dedos a fina película dos muros
Em que a metamorfose da cal se desvanece
Como palavras gastas ou fomes caladas
Sem reverso...

Somos esta profusão de sombras por onde sobem
Como larvas tecendo o casulo e a teia nossas dores
Na amargura dos dias e no degredo das paisagens
Clarins sorvendo a alvura do silêncio
E sem nada mais restar que o sopro
E a inversão metafórica das vozes em polifónicos
Cânticos calcinados...

Nada sugere outra luz ou outra vibração
Que não seja o lusco-fusco e a palidez dos dias saturninos
Ou auroras de frio...

E no entanto o grito sufocado dos dedos
E os lábios gretados balbuciam inesperadas correntes
E águas soltas e margens extravasando percursos
Percorridos.

Subtis incandescências no topo das montanhas
Ou o delírio de pássaros
A balancear o voo...


Manuel Veiga - in "Poemas Cativos"


12 comentários:

Lídia Borges disse...


"E no entanto..." há a poesia. E que bela se faz às mãos do poeta.

Lídia

luisa disse...

Tal como os pássaros, quisera eu fazer voos delirantes.

Rogério G.V. Pereira disse...

libertos
estes teus versos

Maria disse...

"O delírio de pássaros"
a vertigem do voo...

Muito belo. Beijos.

Andrea Liette disse...

Querido Herético,

Ainda temos um "no entanto" para extravazar nossas águas em versos cativos, verdadeiros cânticos de uma aurora boreal!

Beijo!

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...


o Poeta cantou!

e ninguém o ouviu, talvez só os pássaros.

e o delírio dos pássaros em inusitado voo sobre um País em com falta de azul e tanta coisas mais...

:).

Majo disse...

.
~ ~ Dias que vivemos, Poeta - soturnos e saturninos.

~ ~ Um canto belo e infinitamente triste sobre os escombros.

~ ~ ~

O Puma disse...

Cantas às mãos cheias

sempre te oiço
Abraço

anamar disse...

Estaremos pois...

Bjs

Graça Sampaio disse...

Deprimente, heretico. Muito deprimente! E para deprimente já nos basta a vida! Gosto mais dos teus voos rasantes do sonho e da fantasia...

Beijinho

jrd disse...

Até que do cinzento se irá soltar o branco solar nas asas dos pássaros.

Abraço meu irmão poeta

Agostinho disse...

Grato pela visita, herético.

A cal dos muros caiados
há-de cegar a ganância
com a brancura da razão.

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