sexta-feira, março 20, 2015

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA e Outras Metáforas - Lançamento




PREFÁCIO
António Bica e João Corregedor da Fonseca

É sabido que qualquer obra de arte, literária ou qualquer outra, é em si mesma, um acto de comunicação e de partilha. Escreve-se, sobretudo, para ser lido e merecer, se não adesão, pelo menos a atenção dos outros. E, por mais impessoal que seja um autor em relação ao seu trabalho, raros serão os casos em que o acto de escrever não seja uma inquieta busca de cumplicidade com o leitor.

Mas se isto é verdade, não é menos certo que – desde o mais singelo acto criativo da vida quotidiana até à obra de arte mais elaborada – qualquer “criador” se revela ou projecta na “criatura” criada. Isto é, qualquer obra “fala” sempre do seu autor, por mais obscuro que seja o resultado, ou por mais sofisticado que seja o método e a linguagem em que se expressa.

Em particular na escrita, a linguagem do escritor remete de forma mais ou menos explícita, mais ou menos consciente, para as suas próprias pulsões, sonhos e desejos que exprimem e moldam o carácter do autor, enquanto sujeito da escrita e, no plano mais geral, expressa a sua específica “visão do mundo” e a sua própria matriz ideológica.

De tal forma é assim, que muitas vezes, para apreender completamente o sentido de um texto é indispensável compreender as específicas circunstâncias da sua criação, quer dizer, o contexto socio-temporal em que emergiu e as idiossincrasias do seu autor. As “Notícias de Babilónia e Outras Metáforas” são, ao que julgamos, deste ponto de vista, elucidativas.

Como refere a nota biográfica que integra este livro, Manuel Veiga nasceu e cresceu no meio rural transmontano, (...) em meados da década de quarenta do século passado. Em finais da segunda guerra mundial, o País era o que sabe – politicamente opressivo e retrógrado e, por outro lado, económico e socialmente atrasado.

Em todo o interior norte, prevalecia uma agricultura de subsistência. E, nesse mundo agreste, mais que a indispensável força física, era o engenho e “os saberes” a decidirem o resultado do confronto directo do homem com a natureza e os outros homens, no trabalho ou nas horas de lazer.

Não havia electricidade, nem estradas, nem “influências exteriores” significativas, para além da omnipresença da Igreja, desde o nascimento até à morte, no seu papel de conformação ideológica. Vistas do exterior, as comunidades rurais apresentavam-se assim formalmente homogéneas, a que um certo romantismo serôdio, estimulado pelo fascismo, dava uma aura de “paraíso perdido”. Mas, para um olhar mais arguto ou mais atento, eram perceptíveis as contradições e as subtis fissuras que atravessavam o espaço social rural daqueles tempos.

Cada um ocupava o lugar social que lhe estava naturalmente destinado, quer na Praça, quer na Igreja. E, se eram os teres e os haveres a destinarem o lugar de cada um era, no entanto, o saber quem dava autoridade e se impunha a consideração dos outros.

O tempo era circular, marcado pelo ritmo das colheitas. E a palavra parca. Mais que a enunciação de um discurso, importava a decifração dos sinais – os humores da meteorologia, o estado das colheitas, a fecundidade da terra, o trilho dos animais. Por vezes, no entanto, o Verbo fazia-se carne. E a Praça erguia-se, então, como lugar de todas as metamorfoses da Palavra – nas celebrações colectivas, na arrematação do trabalho, na proclamação do justo e do injusto, na definição do certo e do errado, na transgressão festiva, no picaresco, nas zombarias...

Foi este, pois, o tempo e o espaço social que o autor de “Notícias de Babilónia e Outras Metáforas” bebeu na infância e na adolescência e que, decisivamente, lhe moldaram o carácter (...).

Em meados dos anos sessenta, foi Coimbra e um outro despertar. Pouco depois, a guerra colonial, a que foi forçado. A posterior licenciatura em Direito, como trabalhador estudante, nos últimos anos do curso. A Revolução de 25 de Abril e a intervenção cívica e política - metas de um percurso em que se forjou como homem e cidadão (...).

Escreve agora Manuel Veiga com olhar crítico sobre os tempos de crise que o país e o mundo têm vivido desde há décadas e que, nos mais recentes anos, se tem acentuado, mediante a afirmação desenfreada do neoliberalismo económico e a proclamação de uma “cultura planetária” que esmaga todas as singularidades e se impõe em todo o lado, como expressão de uma ideologia de “pensamento único”.

O autor entende a crise racionalmente, mas sente-a emocionalmente. É sobretudo um criador de poesia, da qual não se desembaraça nestes textos. As suas metáforas políticas, quase sempre amargas, constituem, de alguma forma, insurgências de uma zombaria ascentral, com que a arraia-miúda se vingava dos desmandos dos poderosos. Outras vezes, os textos ecoam uma plangência dorida e esperançosa, como gestos solidários que se expõem desamparados ao leitor.

E, hoje, não deixa de manter uma grande firmeza na justa crítica que faz ao panorama social, cultural e político, nacional e internacional e aos contínuos desmandos do capitalismo de que o governo português é fiel servidor.

Que assim sejam, sempre – o autor e os seus textos. Com autenticidade e independência, seja qual for o género literário. E, como diria Aquilino Ribeiro “seja o autor o que lhe apetecer, desde que não arme em fariseu e não esteja nunca contra os simples de braço dado com os trafulhas, nem contra os fracos de braço dado com os poderosos.”

Como o percurso de sua vida garante!...

António Bica

João Corregedor da Fonseca

10 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Já me "inscrevi"...
https://www.facebook.com/events/869571826454729/

não faltarei!

luis lourenço disse...

Meu caro herético!

Antes de mais, parabéns pelo teu novo livro que não sendo agora de poesia, revela-estou seguro disso. a tua integralidade como homem e criador.
Fui lendo algumas dessas tuas crónicas e num comentário ou outro lembro-me de me sorrir com o teu sarcasmo bem humorado e profundo. Quanto ao texto assinado por António Bica e...é realmente um espelho belo e profundo do ser transmotano no período a que se refere...Deixo-te um grande abraço. Logo que tenha mais disponibilidade...lerei pelo menos, os Teus poemas cativos...

Ana Tapadas disse...

Muito sucesso!

beijo meu

CÉU disse...

Trás-os-Montes "deu" muitos escritores e poetas, com características únicas. Regem-se pelo ditado popular: "mais vale quebrar que torcer". A "rudeza" e a "agressividade" da província, talvez possam explicar esta atitude. Muito sucesso, a todos os níveis!

Bom fim de semana!

Majo disse...

~
~ ~ Gostei de ler as notas biográficas que desconhecia.

Tenho a certeza que vai ser um evento muito agradável.

~ ~ ~ Que tudo corra da melhor maneira. ~ ~ ~

~ ~ ~ ~ Abraço amigo. ~ ~ ~ ~
~~~~~~~~~~~~~~~

jrd disse...

E que melhor garantia do que o percurso de vida.
Que tenhas muito sucesso.

Grande abraço meu irmão

Mar Arável disse...

Lá estarei meu irmão

Abraço sempre

MS disse...

Oh! 'Herético', muitos parabéns!
Mereces bem, escreves lindamente, és acertivo nas crónicas dos tempos que passam, vigilante, com humor sarcástico, como te é peculiar.

E depois da poesia, vêm os textos de costumes. Como gostaria de estar presente, mas não me será possível :-(

Deixo-te um beijo, e o desejo profundo de muito sucesso.

Até breve!

jorge esteves disse...

Não estarei por aí, mas não me esquecerei de te abraçar, amigo.

jorgesteves
www.tintapermanente.pt

Lídia Borges disse...


Felicito-o, Manuel, por mais este trabalho que terá, por certo, uma receção condicente com a qualidade irrefutável da sua escrita.

Tudo pelo melhor.

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...