quinta-feira, maio 26, 2016

"NOTICIAS DE BABILÓNIA e Outras Metáforas" - FEIRA do LIVRO


ZANDINGA NO SEU MELHOR

Esta manhã (26.10.2007), inesperadamente, entrei em estado de choque. Receei pelo meu pobre coração. Mais grave ainda. Receie pelos meus genes, por quem tenho, elevada estima. O caso não é para menos, como compreenderão. Eu explico...

Fiquei a saber, através do “Diário de Notícias”, que “a espécie humana pode vir a subdividir-se em duas”. E melhor que La Palisse, acrescenta o jornal que “as duas subespécies vão dar origem a uma classe superior e a uma inferior”...

Os descendentes da classe superior serão “altos, magros, saudáveis, atraentes, inteligentes e criativos”, enquanto que os descendentes das classes inferiores serão baixos, feios e pouco inteligentes, “uma espécie de goblins” (não sei que raio seja, mas não é certamente coisa boa!). Fundamenta-se o jornal nas últimas descobertas do especialista em evolução(?) Oliver Curry, da London School of Economics...

Entrei em pânico, garanto-vos!.. O meu pânico assumiu foros de catástrofe ao saber que os homens – da classe superior está bem de ver – “vão ter feições mais simétricas, o queixo mais quadrado, a voz mais profunda e o pénis maior...”

Pénis maior, já viram! Querem maior castigo?!... A natureza é madrasta, sem dúvida. Não poderia, ao menos, o pénis ficar fora da distinção de classes?!...

Acalmei quando, em segunda leitura, percebi que o risco é apenas para daqui a cem mil anos e que a espécie humana vai atingir o pico de evolução no ano três mil. Pus-me então a fazer contas, a partir do homo sapiens e dos milhões de anos desde então e suspirei fundo... Afinal, talvez os meus genes ainda se safem e o meu neto – uma terna criança de escassos meses - não esteja condenado a ostentar as orelhas de um goblin...

Fiquei mais confortado quando soube que “vamos mastigar menos” (isto deve ser música aos ouvidos de Sócrates) e “ficaremos com os maxilares menos desenvolvidos e com os queixos mais pequenos”. Pudera!...

E foi já com bonomia que recebi a explicação de que “não podemos prever exactamente o que irá acontecer, mas podemos fazer previsões com base no conhecimento que temos...”. Era o que faltava que não pudéssemos fazer previsões. Não vos parece o máximo rigor científico?!...

Melhor apenas o Zandinga!... Ou o argumento do laureado James Watson, de que bastará reparar num empregado de café para se concluir que os negros não possuem a inteligência dos brancos...

Claro que tudo isto é de gargalhada. Mas não são inocentes estas novidades. Os “fazedores de opinião” batem sempre a mesma tecla, com novos métodos, seguindo a linha do tempo. E a roupagem científica dá sempre jeito...

As fantasiosas mutações genéticas poderão ocorrer apenas daqui a cem mil anos. Mas tão bombásticas revelações são ideologicamente produtivas no presente. Escutem o murmúrio subliminar – as desigualdades estão instaladas na matriz biológica da natureza e inscritas no ADN da Humanidade...

A espécie humana está assim fatalmente condenada a divisão em classes. Já não apenas classe sociais, historicamente superáveis, mas “subespécies vão dar origem a uma classe superior e a uma inferior”, predeterminadas pela natureza...

Perante tamanha fatalidade, cientificamente proclamada, porquê lutar contra as injustiças? A natureza é injusta, porquê então preocupar-nos?!... Não será melhor conformar-nos e adaptarmo-nos ao sistema? E sobreviver, pois claro! Salve-se quem puder...

Há, porém, aqui, um pormenor intrigante. Foi a London School of Economics – uma escola de economia política - a difundir semelhantes teorias sobre a evolução da espécie humana. Compreende-se. A ciência é coisa demasiado séria para ser deixada apenas aos cientistas...

Bem melhor seria, porém, que os “sacerdotes” do mercado e os gurus do liberalismo económico, em vez de especulações à distância de milhares de anos, tomassem consciência do eminente “beco sem saída” que o capitalismo, de que são oficiantes, está a empurrar a humanidade...

 Manuel Veiga

"NOTÍCIAS DE BABILÓNIA e Outras Metáforas" - pág. 85
Edição - Modocromia - Lisboa 2015 

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(Novas) NOTÍCIAS DE BABILÓNIA - I

Havia em Babilónia uma consigna – “O povo é quem mais ordena!...”
Que explodia como uma canção nas ruas. E na garganta dos babilónicos em momentos de euforia...

Hammurabi, o Grande Dissimulador, reveste-se da majestade do Direito e, mefistofélico, saboreando um subtil veneno, captura a consigna: “O Povo é quem mais ordena!..” – proclama, solene, do alto de sua vitória...

E um velho escriba de olhar cansado de tanto ver – “Depois da flor do Direito, a mão pesada da Ordem, se for o caso... Cautela, babilónicos – o Grande Dissimulador disse ao que vinha...”




5 comentários:

Suzete Brainer disse...

Deve ser bom este teu livro.
Acompanho no teu blog e sempre
apreciei muito a leitura dos textos
com informação, crítica sarcástica
e ironia pura.
Sucesso, Manuel!

Marta Vinhais disse...

Tenho que esperar pela Feira do Livro no Porto....
Pois, com tanta coisa que deve ser resolvida agora, neste momento, preocupam-se com análises que não servem para nada...
O maior sucesso para o Livro...
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta

José Carlos Sant Anna disse...

Ah, se "a gente grande" e os cientistas soubessem o quanto este "moço" escreve...
E como escreve!
Pena que não posso estar em Lisboa em Maio par descobrir "que nos conhecemos".
Muito sucesso, meu caro poeta, você bem o merece.
Adorei a leveza e a fina ironia entranhados na sua crônica.
Abraços,

AC disse...

Desejo, sinceramente, que o livro seja um sucesso e ajude a afastar o sentimento de culpa de possíveis candidatos a "goblins", que de manipulações sempre o mundo esteve farto, por mais que teimem em querer apagar memórias.

Abraço

Agostinho disse...

Mas tudo confere, meu caro Herético. Basta ver a origem da ciência.
Mas, o que eu digo, é que essa transformação genética já está em curso. Basta ver o aumento da obesidade verificada nas classes sociais desfavorecidas do mundo ocidental. Por quê?

Sucesso nas vendas.

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...