segunda-feira, agosto 22, 2016

MEUS OLHOS SÃO MEUS PASSOS.


Meus olhos são meus passos. E meus portos.
Sede e água a percorrer o declive da tarde
E o fio deste azul tão breve que se derrama
Plangente como o zarpar do barco na distância muda
A acenar lonjuras e a prosseguir a rota sem mapas.
Nem bandeiras. Ou mestres a quem sirva.

Capitão de meus silêncios, administro amoras do tempo
Colhidas no alvoroço dos dias. E meus dedos
Esgravatam os sinais e as fissuras da condensação
Da rocha captando por vezes as vozes e os timbres
Na vibração das formas e nos percursos que existem
Na memória das coisas que entre si se acolhem
Qual pauta inscrita na música que entoam.

Secretos são os milagres que os deuses concedem.
Apenas a inocência lhes colhe a espuma.
Que não a barbárie. Nem a frívola dança das estrelas.
Nem os poetas, a procurarem salvar o mundo
Que o mundo não se salva. Apenas perdura.
E se transforma. E gloriosamente se reinventa...

Explodem os corpos nesta ilusão de sol
A crepitar na pele. E neles mergulho neste bailado
Que arrasta qual turbilhão de cores furtuitas e macias.
E nesta plangência de tons e gestos que entram
Pelos poros e consomem os dias em registo lúcido
De um poente altivo e um azul benigno e calmo.

Manuel Veiga

13 comentários:

Mar Arável disse...

É um prazer ler-te. Desvendar as tuas belas metáforas.
Não como as quero mas como são.

Abraço de sempre
eufrázio filipe

Manuel Veiga disse...

Eufrázio Filipe,

reconheço-te. e saúdo-te, com amizade.
mas das minhas metáforas não tens que querer nada - apenas aceitá-las (ou não).

abraço

Ana Tapadas disse...

Forte poema, pelo hábil uso das palavras!
Beijo

Mar Arável disse...

De acordo
é um bom critério universal

Abraço amigo

São disse...

"Secretos são os milagres que os deuses concedem " e raros os dons poéticos que oferecem: foste um dos poucos a quem os deram.

Boa semana :)

Agostinho disse...

Que generosos propósitos estes.
O Capitão-Poeta, que nada pretende mudar ao destino do mundo, administra amoras fescas de verão, em todos os cais. Em qualquer estação.

Abraço.

Suzete Brainer disse...

Um poema tão belo, belo, a nos confessar os olhos
como caminho navegado e navegador dos instantes
da vida, que entram na sua órbita a manisfestar
o próprio percurso. Já que no sentido mental, os
pensamentos conduzem as imagens, o olhar traz os
cenários a conduzir os percursos.
Principalmente quando o olhar revestido de um
sentir poético colhe estas imagens, a guardar
numa consciência da sua importância:
"Pelos poros e consomem os dias em registro lúcido
De um poente altivo e um azul benigno e calmo."

Um dos teus (são tantos...) mais belos poemas, Manuel!
Adorei!
beijo.

luisa disse...

São os poetas que, gloriosamente, reinventam o mundo.
:)

Tais Luso de Carvalho disse...


"Nem os poetas, a procurarem salvar o mundo
Que o mundo não se salva. Apenas perdura.
E se transforma. E gloriosamente se reinventa..."
_____________________

Não creio num mundo muito melhor ou pior em se tratando principalmente de sentimentos, embora ainda tenha campo para isso. O homem sempre foi e sempre será imbuído de exacerbadas paixões, sejam elas políticas, religiosas, amorosas. Para mim, as crises do mundo são, em sua maioria, consequentes erros de visão, de atitudes, postura e pensamentos, e uma enorme ausência que vai esvaziando a alma – e que se chama sentimentos.
Mas vai indo, e com todos os defeitos, se reinventando. Progredindo na tecnologia, nas descobertas, nas invenções. Esse é o homem contemporâneo, os sete bilhões de inquilinos desse planetinha.
Belo poema.
Bjs, amigo Manuel.


Tais Luso de Carvalho disse...

...Completando, amigo Manuel, adorei o ritmo de seu poema, gostei das metáforas usadas e a construção das frases de cada verso.
Parabéns, amigo. Show!
Bjs.

jrd disse...

Belo poema meu irmão poeta.
Um abraço fraterno

Graça Alves disse...

Adorei!
Parabéns!
bj

José Carlos Sant Anna disse...

Reverencio este "capitão de silêncios" e vou sorvendo não só "as amoras do tempo", também este "poente altivo" e o "azul benigno e calmo".
Eu vos saúdo, poeta! Abraços, caro amigo!

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