sábado, janeiro 14, 2017

DE NOVO A MONTANHA


De novo a montanha e um silêncio íntimo
Em que percorro veredas d´água. E o magma
E nesse fogo se condensam estalactites. Afectos agora
Evanescentes. Essências matriciais ainda.

Fecha-se o círculo. Em redor as brumas
E os rostos. E os cheiros. E esta pedra
Em que trôpego desfaleço. A febre quente.
E o suor frio. E o grito d´alma que voa
Qual corrente. Veleiro sem regresso
Nem destino certo...

A vida? Esquivas corsas que de tão lestas
Se pressentem e apenas no rasto se iluminam.
Fortuitas são as horas. Não o caçador negro
Nem o coração da pedra. Apenas a água
(E sal da lágrima) são lírios e são heras.

Guardo sôfrego este silêncio e me retiro.
O fogo é agora esta paixão de nada: o eco de calcário
E meus dedos brasa. Poeira e caliça.

E muros derrubados.
E esta centelha viva que na queda
Se derrama.

Fim de tarde
Que no declinar do sol
Se incendeia.

Manuel Veiga

"Do Esplendor das Coisas Possíveis" - Poética Edições
Lisboa Abril  2016

10 comentários:

jrd disse...

E de novo poema-cume a quebrar cerco da bruma.
Abraço fraterno

LuísM Castanheira disse...

Vulcões a desenharem montanhas no magma do poema...
e a tarde cai, enquanto a matéria se renova, no
"...Esplendor das Coisas Possíveis."
Visão poética por dentro da bela Natureza.
Gostei muito.
Um forte abraço, Amigo
e uma boa semana.

Jussara Neves Rezende disse...

Uau... que belo Manuel!
Não o conheço, estou a chegar agora, sem saber a razão de a montanha já ter por aqui aparecido... mas a imagem desse ocaso, que pode ser lido como o da própria vida, é de uma beleza muiiitooo bem construída.
Fiquei como seguidora...
Abraço!

Suzete Brainer disse...

Este teu poema além de belo, é único no teu caminhar com as palavras
numa escalada de significados, luminosidades e efervescências de um
sentir que incendeia, transportando este fogo para a construção imagética:
"De novo a Montanha":
"Fim de tarde
Que no declinar do sol
Se incendeia."
Maravilhoso reler passeando neste caminhar poético de Manuel Veiga.
Bom domingo, amigo!
Um beijo.

Graça Pires disse...

"Só quem sobe à montanha toca o céu. Na terra chã ninguém se transfigura", disse Miguel Torga. Foi isso, transfiguraste-te a escreveste este poema tão belo...
Um beijo, meu Amigo.

luisa disse...

Vejo paisagens de gelo e de fogo nos contrastes do poema.

Graça Alves disse...

Gosto desta música entre os sons das palavras e o sentido...
Bj

José Carlos Sant Anna disse...

Só contemplando este "fim de tarde/ que no declinar do sol / se incendeia. Este silêncio que nos é tão caro e a força das imagens neste belo poema.
Forte abraço, meu caro amigo

Teresa Almeida disse...

Eu própria me incendeio com o declínio do sol, mas a verdade é que fiquei fascinada com o modo como se despede na tua montanha.

Beijos.

Odete Ferreira disse...

Tão íntimo este amor que exaltas na perplexidade da contemplação (quase veneração) de momentos como este!
Excelso sentir. Excelsas palavras. Magnificente poema!Tocou-me como me tocam os meus montes.
Bj, Manuel :)

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