quarta-feira, fevereiro 15, 2017

Desdizendo-me Me Digo


No cume mais alto da inóspita palavra
E desabridos ventos. E no topo mais alto das montanhas
E profundos vales…

No mais cálido despojamento
Dos passos. E de percursos íntimos.
Neste lugar de altivez e gélidas fronteiras
Onde se aventuram apenas asas de condor
E amáveis gestos. Contidos e parcos.

Na gloriosa solidão dos guerreiros
Ante um campo de despojos. E seu remorso.
E das batalhas perdidas.
E das horas gastas.

E na bravura dos arados.
E no perfume dos mostos. E nos olhos rasos.
Solto a emoção breve. E soletro o nome
E desdizendo-me me digo. Em face encoberta
De desprendido poema.

 Manuel Veiga




11 comentários:

LuísM Castanheira disse...

Quatro planos, entre dois contrastes
(guerra e paz). Viagem do Condor/Poeta, na construção dum 'desprendido' poema (contrição?).
Fez-me lembrar o belo filme 'Torre de Babel', também construído em planos (3).E gosto de estórias assim elaboradas.
Muito bom Poema, Manuel.
Gostei, deveras
Um forte Abraço, Amigo.

LuísM Castanheira disse...

*'Babel', e não 'Torre de...'
(essa é outra história)

Manuel Veiga disse...

Se tu o dizes, eu acredito, meu caro Luís
lamentavelmente não vi (ainda) o filme.

abraço

Teresa Almeida disse...

Não esqueço"Babel", assim como não esqueço a tua paisagem poética, Manuel Veiga.
Gosto deste percurso agreste e meigo. Todo ele desafiante.

Beijinho.

anamar disse...

Dificil comentar.

Sobretudo a esta hora.

Passo para olhar com a promessa de voltar.

Abracinho.

Suzete Brainer disse...

Poema belíssimo e maravilhosamente original,
revela a riqueza da sua assinatura de poeta;
um caminho tão seu de expressão, construção de
imagens e com o tom da ironia a oferecer
o paradoxo (contraditório):
"E desdizendo-me me digo".

Beijo.

Genny Xavier disse...

Elaborados sentidos nos versos de entrelinhas...paisagem como artifício entre o dito e o implícito...paradoxo dos bons...Beleza e reflexão para a leitura dos olhos.

Beijo.
Genny

Tais Luso de Carvalho disse...

Concerto de Aranjuez com Amalia Rodrigues... Maravilhoso!
Show de interpretação! Não conhecia com ela.

E, Desdizendo-me Me Digo... Belo e forte poema!
E tocando Aranjuez ao fundo.

E na bravura dos arados.
E no perfume dos mostos. E nos olhos rasos.
Solto a emoção breve. E soletro o nome
E desdizendo-me me digo. Em face encoberta
De desprendido poema.


Beijo, Manuel. Show!

Emília Pinto disse...

Quantas vezes nos " desdizemos", quantas vezes falamos sem dizer nada que interesse e quantas vezes calamos sem coragem para falar o deveria ser falado ? Muitas! Neste " percurso" da vida vamos dando os nossos " passos " , umas vezes com " altivez", sentindo-nos grandes no " topo mais alto da montanha", outras, como que despojados de tudo, até de esperança, com passos " parcos e contidos" descemos, pequeninos aos " profundos vales " da solidão". Os ventos são variados, ora sompram de um lado, ora de outro, serenos alguns, furiosos e desvastadores outros; ao sabor deles vamos nós perdidos neste emaranhado de sensações, de acontecimentos, de " batalhas ganhas, " de batalhas perdidas ; guerreamos no nosso interior, com bravura, com cobardia, com coragem, sem esperança, também chamando toda a fé, renegando-a outro tanto, desesperados. E nesta confusão de sentidos , desdizemo-nos, dizemos, desfazemo-nos, fazemos, contradizemo-nos e contrariamos e tanto julgamos.É a insatisfação da alma humana..é a sua inquietação, a sua busca constante pela serenidade que não encontra. E como encontrar neste desencontro, neste emaranhado, nesta confusão de desafios a que a sujeitam? Senti este " punhado "e belas metáforas como um desabafo, mas sem sequer querer ter a certeza de que o são; isso só o poeta sabe, mas...aproveitei e fiz o meu. Não te importas, pois não? Amigo, creio que não preciso dizer que é um belo poema, mas....digo e não desdigo, de certeza! Muito bom! Um beijinho e belo fim de semana, sem precisares de desdizer seja o que for.
Emilia

Odete Ferreira disse...

Levas-me na cadência do verso e, assim, ao "topo" da comunhão desse encontro nu entre o que não se pode negar, o sentir (desdizendo-te, dizes-te) e a magnitude do percepcionado.
Poema de léxico perfeito (e construção) para tal estado contemplativo.
Curiosamente, logo na primeira estrofe, vieram-me duas palavras chave, despojamento e emoção. Não as quis repetir no comentário. Mas bastavam!
BJ, Manuel 😊

Graça Alves disse...

Sempre bom passar por aqui, para apreciar esta poesia sempre tão bem conseguida.
beijinho

CELEBRAÇÃO DO TRABALHO

  Ao centro a mesa alva sonho de linho distendido como altar ou cobertura imaculada sobre a pedra e a refeição parca… e copo com...