terça-feira, maio 29, 2018

Sei De Minha Sede....

Sei das fontes e das festivas águas.
E sei das lendas. E de moiras a bailar
E dos fios do luar.
E sei das noites
Cálidas.

E sei de ledas fantasias.
E de harpejos murmurados
E de folias.

E sei de minha sede
A crestar-me os lábios. E da água
Bebida pelos dedos. E sei de furtivos beijos.
E da cascata dos cabelos
Negros. Já passados.

E sei do colear das ancas.
E das ânforas.

E sei daqueles olhos. Estouvados.
A arder em chamas.Vivas.

E sei das pálpebras descidas.
E dos enleios. E dos seios. E dos dedos.
E sei dos medos –“que se faz tarde”!
E sei da lua a espreitar -
Linguareira.

E sei desta subterrânea corrente.
A soltar-se em lava. E sei deste cântico.
E desta dor funda. Derradeira.
E deste deslassar dos ecos
Pelas margens da ribeira.

E sei da música do tempo
E desta memória em flor. A teimar
Alvoroçada.

Manuel Veiga







domingo, maio 27, 2018

AZUL SEM MÁCULA...


Neste marulhar de memórias, a planura
E o azul sem mácula no voo
Do milhafre…

Os olhos são redemoinho das coisas
Que cegam como lâminas. Poeira dos dias
No percurso dos passos
E profundos rios.

Austera, a sede
De mil anos.

Lonjura e calcários. E desfiladeiros
Na inocência dos dedos que se alongam
Na irrupção dos sonhos…

Tudo é matriz e espanto
Na vastidão. Ardente.
E água e brisa no corpo líquido dos afectos.
Sopro de elísios ventos
A clamar por dentro
O sobressalto
Das nascentes.

E a afagar impolutas dores
Febre de cansada ave
No apelo do sangue.
E o regresso.

E o voo planado
Em círculo. A descer.
Ileso.


Manuel Veiga



quinta-feira, maio 24, 2018

ANTÓNIO ARNAUT - "PEDRA-PALAVRA"...


 PEDRA-PALAVRA

"Trabalho a pedra bruta, afeiçoando,
Como vento penitente as impurezas
Que ferem a harmonia do universo.

E assim a transformo em pedra cúbica
A letra que falta na palavra
Perdida no silêncio das acácias.

Tomo outra pedra, outra ainda e construo
Pedra a pedra no seu lugar exacto,
O sonho antigo, ogiva-catedral.

Alguém decifrará esta mensagem
Como uma flor azul desabrochando
Sílaba a sílaba no mármore do Tempo."

António Arnaut (1936/2018)
In “RECOLHA POÉTICA” – Coimbra Editora

……………………………………………………….

ANTÓNIO ARNAUT desde jovem se envolveu na oposição ao Estado Novo. Participou na comissão da candidatura presidencial de Humberto Delgado, em Coimbra, em 1958. Foi arguido no processo resultante da carta dos católicos a António de Oliveira Salazar, em 1959. Foi candidato à Assembleia Nacional, pela Comissão Democrática Eleitoral, no círculo de Coimbra, nas eleições legislativas de 1969.

Militante da Acção Socialista Portuguesa desde 1965, foi co-fundador do Partido Socialista, em 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel, tendo sido seu dirigente até 1983.

Advogado, político, antifascista, poeta e Homem íntegro!

segunda-feira, maio 21, 2018

ERGUENDO HOSSANAS ...


Colher-te, frágil flor, assim sanguínea,
Tão exposta, é apenas outra forma de dizer-te.
Que nomear-te é expressão quente
De bocas peregrinas.

Númen e nome na semente de teu grito!

Detenho-me – teu rosto ígneo! E despenho-me
Reflexo de ti em mim. E nessa distância onde me levas,
Ondas sem fronteiras na pele de meu desejo:
Onde tu moras - castelã de mil torneios!…

Celebro-te no fragor de mil batalhas
E ergo hossanas. E sou guerreiro-monge e trovador
De mil toadas

Onde (te) fundeio!


Manuel Veiga

sexta-feira, maio 18, 2018

"Do AMOR e Da GUERRA - Fragmentos"...


 “O autor não existe. É um ponto neutro, uma emergência ou, porventura, um cruzamento de possibilidades por onde perpassam os filamentos de uma trama, que não sabe bem como encenar-se. Nem muito menos é um manipulador que, por detrás do pano, se esconda e, na obscuridade do proscénio, desenhe os lances da dramatologia em que se joga a contragosto, pois que, se autor fora, assumiria o registo linear da forma e da escrita, como redenção ou glória. E, então, porventura, obra seria – sabe-se lá se poema, se novela…

Nem o tempo, nem o espaço existem, devorados naquela noite de relâmpagos e medos, os corpos em chaga e lama e o dilúvio tropical despenhando as atrocidades da guerra num buraco negro, de que não há refúgio. O absoluto Nada (tangível) no arrepio da alma transida e a tempestade soberba, fazendo da metralha um bailado mortífero, fantasmagórico, replicando fogos-de-artifício perdidos, que, como bálsamo, emergem da noite, miasmas da memória em chama, atiçados no nó em que os corpos se enrolam, sem outra saída que não seja o desesperado desejo de diluir-se na noite ou fundir-se na água.

Então a fuga redentora, inconsciente, provinda do fundo do medo, físico e viscoso, para os dias primaveris da infância e o cálido regaço materno, como quem ajusta contas, em desespero, no deve e haver da vida. E na agitação febril, sobre os gritos, os trovões e o metralhar das armas, o incêndio do sonho ganha então asas e entretece um murmúrio de luz inesperada no olhar do menino perdido, elevando-se na noite negra…”
 (…)

Manuel Veiga
“Do AMOR e Da GUERRA – Fragmentos”



"SEJA BEM VINDO QUEM VIER POR BEM" !...



terça-feira, maio 15, 2018

ORLA DO TEMPO...


 Orla do tempo
E bainha das coisas perecíveis
Na maceração dos dedos.

Todas as esperas se declinam
Em ausências.

Apenas o fio de Ariane
E a frágil teia e a oscilação
Da memória.

E o sopro do Acaso. Apenas.

Nada perdura.
Todas as devoções cristalizam
E todos os vagidos
São grito. Sufocado.

(Ou nostálgica melodia)


Manuel Veiga





quinta-feira, maio 10, 2018

Do AMOR e Da GUERRA - Fragmentos - Lançamento




 Sábado, 2 de Junho às 16:00 - Palácio Baldaya
Estrada de Benfica, 701 - Lisboa


"A deliciosa simplicidade da obra inicia-se com a primeira frase do livro: “O autor não existe”. Assume-se assim o autor como um ser fora da história ou de somenos importância. O livro inicia-se, assumindo-se de forma desafiante como se não houvesse um narrador humano, e onde o próprio livro ganha essa especialidade. É assim que a obra ganha vida e forma no palco da imaginação e vive das emoções criadas pelo enredo.

E o enredo é fantástico, tanto pela remanescência das memórias de um escritor que se revela, mesmo não existindo autor, mas também por se afirmar um livro maduro e enredado nos saberes da vida, que fala por si num espaço temporal de memória, no espaço que lhe couber, para acolher personagens, com liberdade plena para serem moldados e caracterizados pelo leitor, deixando à sua mais ímpia imaginação, as feições, gestos e anatomias, sem que isso altere o rumo da história.
(…)
O livro veste o leitor com os seus atributos, e o seu conteúdo torna-se aliciante na leitura. Cresce e ganha forma, como os seus personagens na construção da história. E porque não há autor, é o livro que veste o corpo de um ser que viveu uma trilogia social, entre dois regimes e o teatro de uma guerra. Fragmentos  rasga o convencionalismo da escrita e fala como gente que vive o que escreve, semeando as emoções reais daquilo que efectivamente é importante no enredo.
(…)
A guerra na Guiné, talvez a maior das fobias coloniais para os soldados portugueses, contrasta no seu absurdo, com a absurda realidade da tentativa de transformar em máquinas de guerra, gente simples e pacífica que simplesmente tenta sobreviver num país decadente e inerte, despejando-os num palco de um outro mundo, sem uma justificação coerente, onde tanto fere a razão de tal facto como a metralha. E neste espaço se embriona a revolta interna das consciências da simples gente, que se sente usada num conflito que não é seu e que nele resgata as memórias da sua origem.

Um conflito armado que gera conflitos existenciais que forçosamente mudariam o discurso literário e filosófico de toda uma sociedade e mentalidade emergentes. Fala-nos assim este livro, numa escrita inovadora, moderna e atraente, desmistificada e que motiva, mesmo ao leitor mais passivo, o interesse pela leitura.
(…)
Uma obra extraordinariamente criativa pela forma como estruturalmente é apresentada e que deliciosamente nos prende do início ao fim."

Raúl Ferrão, escritor

(Posfácio)



quarta-feira, maio 09, 2018

VERBO TRANSITIVO...


Felina vibração e dorso-cume
E olhar-amaragem
No declive…

Revoada de tordos
E morfemas de lume.

Verbo transitivo
A inventar-se libérrimo.

E a dizer-se
Sem tino...


Manuel Veiga

segunda-feira, maio 07, 2018

Na Linguagem das Coisas Simples


Na linguagem primordial das coisas simples
Tudo flui na alegria de existir sem metafísica...

A flor abre-se ao sol
A pedra afeiçoa-se à montanha
E os pombos catam “o piolho da existência”
Abrindo as asas em festiva celebração
Sem cuidados...

Assim fora o Mundo
E a minha inquietação...

E a noite dos proscritos. Assim fora...

E aridez de todos os desertos.
E as dores. E todas as devoções
Das almas simples...

E a reabilitação da Palavra profanada...

E todas as leis. E todos os mistérios
Assim fossem – alento breve
Na consumação dos dias...

Manuel Veiga

"Poemas Cativos" - POÉTICA Edições - Pág. 25

(Poema editado)


sexta-feira, maio 04, 2018

MAGMA E SOLFEJO...


Em cada rubor
Uma ligeiríssima vibração
Um impulso contido
Ou artifício sem trama
Que se desvenda
E se realiza
Nesse jogo
De se dar
E negar…

Percurso e sussurro da pele
A soletrar a palavra transgressiva
No murmúrio dos lábios.

E a gramática
Dos dedos.

Paráfrase íntima
A engendrar-se
Sinfónica
Nas salivas.
……………………….
E a derramar-se no rosto:
Magma. E solfejo.


Manuel Veiga


terça-feira, maio 01, 2018

ANTI - RUÍDO(S)



- “Calem-se esses ruídos impertinentes
Que minha alma está a obrar!…”

- “Não há ruídos. É apenas o tempo
A desfolhar-se. E a ara de teu talento…

E o látego das emoções fortes
Está claro!...”


Manuel Veiga

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Vou ali e já venho! ... Beijos e Abraços!




Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...