segunda-feira, abril 29, 2019
domingo, abril 28, 2019
MEMÓRIA DE UM PERFUME...
Quero atar a flor
ausência
Em laço azul de seda e
nela me amarrar
Cativo ainda.
E beber o frémito do silêncio
Como memória de um perfume
Que à distância inebria
E quero o murmúrio de um
poema
Que nada diga - apenas
mágoa! …
E uma cabana abandonada
Que se visita
Em peregrinação
Devota…
Manuel Veiga
quinta-feira, abril 25, 2019
segunda-feira, abril 22, 2019
FLOR SANGUÍNEA ...
Na implosão de
cravos fincam-se as raízes e a cor
Em bandeiras de
luta – que os dias são ávidos
E o Futuro
esgravata-se corpo a corpo
Nos trilhos e
agruras do Presente.
E, neste tempo
circular, mais pesado que chumbo,
Os muros são escombros
a afirmar
O fracasso e a anunciar
o estertor
De mitos
poluídos.
E, no entanto,
no arrepio dos dias uma memória
Perfumada. Uma pulsão e uma vertigem
Perfumada. Uma pulsão e uma vertigem
A explodirem nos
olhos
Que a Liberdade
não tem métrica que a aprisione
Nem claustro, nem
norma, nem mestres, nem barreiras
Que a detenham –
fogo puro!
E ergue-se nas
bocas, com seu nome de Igualdade,
Em apoteose de
flor sanguínea tatuada
No corpo
imaculado
Dos dias do
Porvir.
Cristal aceso. Em
noites de alvoroço
E no luzeiro das
auroras.
Manuel Veiga
quinta-feira, abril 18, 2019
A VOZ DO SANGUE
A tua bênção, Pai
Antes que as margens se
afastem infinitamente
E o rio seja o turbilhão
de lava
Frio de nada...
Calo a lágrima
E beijo a terra na
ubérrima mão
Do que por ti fomos
E das lonjuras que
logramos...
Na flor tatuada dos dias
E na vara do tempo onde
gravamos solstícios
E os nomes
E as sombras
Entrelaço a folhagem do
carvalho
Em tua fronte
Como templo...
E soletro o frio
E a amargura da Hora
E calo o peito...
E ergo-me
Medianeiro
Encruzilhada de
torrentes e dos invisíveis fios
E da seiva que somos...
E evoco os caminhos
E a voz do sangue
E os passos que são
E os passos que se
anunciam...
E solto tuas bênçãos
Na carne da minha carne
E no sorriso da criança
com teu nome:
António!
Manuel Veiga
FELIZ ´PÁSCOA!...
segunda-feira, abril 15, 2019
E No Vórtice Arde...
(in) Submete-se o poema
ao seu desígnio
Qual barro em busca da
perfeita forma
Na maturação dos dedos
Ávidos...
Demiúrgica a palavra
volve-se e revolve-se
E no vórtice arde –
coisa de nada!...
.......................................................
Desamparo do poeta a
tropeçar
Nos dias do Mundo
E na sua alma
Inquieta...
Manuel Veiga
sábado, abril 13, 2019
Que Se Soltem Os Ventos...
Em mar de sargaços
Sacudo meus presságios.
E reinvento o sentido
De meus passos.
Que meu relógio é de
badalo!
E lembra apenas horas
faustas
Que, outras, não quero.
Nem meu nome é coito
De insídias, nem pasto de
perfídias.
Nem meu corpo é cacilheiro.
Porém, navio de
corsário…
Parto. E passo!
De alto – que nada
renego.
Nem dou trocado.
Nem vendo.
Que se soltem pois os
ventos.
Que ventos, não temo.
Nem as Fúrias
Que os dizem!...
Manuel Veiga
13/04/2019
quinta-feira, abril 11, 2019
DIÁLOGOS À MARGEM - 1
O Poeta-Aprendiz, o Poeta-Mestre e Figuras de Estilo
O aprendiz de poeta, na oficina do Mestre, que, penosamente, amassa um poema: - “E se lhe meter uma anáfora?...”
E o
Mestre, com ares de entendido, mirando a obra, monossilábico: - “Nah!”
Insistência
do aprendiz, perante a hesitação do Mestre: “E
um assíndeto?..."
O Mestre,
em silêncio pesado, coça cabeça!...
E o poeta-aprendiz dubitativo, insiste: - “Talvez uma
catacrese?!...”
Geme suor resiliente
a testa do Mestre: - “Há-de sair… há-de
sair…um poema para deslumbrar o Mundo”! ... E espreme-se, esforçado…
E o novel poeta,
cada vez mais duvidoso: - “E
umas metonímias? E que tal uma elipse? ...”
E o
Mestre, lívido e desanimado: - “Ora
esta! Nunca tal me tinha acontecido…”
E o jovem,
de sorriso rasgado, salvador: “Porque
não umas metáforas? Resultam sempre...”
E o
Mestre, resignado: “Pois, sim. E como?
Tinha por aí duas ou três, mas, com a Primavera, regressou uma andorinha e ela forrou o ninho com minhas gastas metáforas!...”
O
poeta-aprendiz, saindo porta fora, a morder uma hipérbole:
- “Este Mestre está … gasto! Melhor lhe fora ir salvar o Mundo para o “corno de África”…
Manuel Veiga
12.04.19
terça-feira, abril 09, 2019
PASSAGEIRAS GLÓRIAS ...
Breve o desfilar dos dias em que me planto
Em palavras.
São beijos? São afagos?
São passageiras glórias a baterem como asas
Que voando se despenham...
Quem por mim as toma? Quem as agarra?
Nada quem as queira. Apenas o sussurrar
Quente da cigarra. E o vento.
E o logro em que inúteis
Se desenham...
Abrem-se os braços à colheita e voam!...
E este mar de brasas em que ardo.
E nesta fome de lonjuras em que me fito
São as palavras tudo-nada.
Barco sem remos
De meu grito...
E como tal as tenho…
Manuel Veiga
sábado, abril 06, 2019
PONTO-CRUZ E UMA FLOR...
(Im) prováveis linhas de
luz
E um bailado de palavras
Que estas cinzas
Se alvoroçam…
Ponto-cruz e uma flor
E um disperso murmúrio
Sem cor. E certa graça…
Cabana festiva
A exibir-se ermitério
E virtude
E a revelar-se
Acesa…
Manuel Veiga
quinta-feira, abril 04, 2019
Sem Atilhos, Nem Atalhos
Dos barcos a
quilha. E o sulco das águas
Que não me seduz
a amurada
E do fio dos
dias não quero a espuma,
Mas o âmago
Que sei bem de
meus cansaços.
E de minhas
margens
E de meus rios.
E de meus
passos. Sem atilhos
Nem atalhos.
Manuel Veiga
terça-feira, abril 02, 2019
A CARTA QUE NUNCA TE ESCREVEREI - Take 13
Prossigamos, pois, nesta senda, como quem,
depois de limpo o terreno, ergue andaimes e depois os primeiros tijolos,
obedecendo a linhas ainda mal definidas, sendo certo, porém, que em toda a
humana obra, Deus põe e o Homem dispõe, o
que, no caso, mais valeria dizer, de acordo com a precaridade da obra e de seus
humanos desígnios, que ergue-se a espada
e a espada faz-se, pois que apenas o barro de que a obra é feita lhe pode
definir o perfil ou traçar-lhe o destino. Erga-se, então, a espada, que é como
quem diz, em linguagem chã e rude, atiremo-nos a esta servidão da escrita como gato a bofes, bem se sabendo quão
débil é o braço e ousado o sonho e, sendo verdade que “felix qui potuit rerum cognoscere causas”, quer dizer, em romba
tradução, que “feliz aquele que pôde
perscrutar as causas das coisas”, se isto é verdade, então, do fraco
entendimento do mundo e dos homens, procuremos elucidar os fios desta
coreografia, que episodicamente tem a Casa
Grande e seus domínios como palco, qual teatro de sombras que, aos poucos,
se vai desvendando trave mestra na arquitectura da narrativa que, em temerária ousadia,
se requer literária.
Diga-se então que, ao contrário de Zé Canhoto, que ali chegara,
inesperadamente, como as trovoadas, vindo de norte para sul, seguindo o curso
das águas, Dona Camila Simone de Bernadette e
Malafaya, subira,
por esses tempos, de sul para norte, para ser entronizada, por suas virtudes e
educação, como castelã daqueles domínios, ponderados, não apenas a beleza que a
excelsa senhora castamente exibia, mas, sobretudo, a esmerada educação e a
luzidia estirpe e o aristocrático sangue e porte e, como é próprio de homens
sensatos, obviamente, o peso dos cabedais, medidos pelo tamanho do património
que lhe haverá caber, depois da morte do velho Visconde de Malafaya.
Com Dona
Camila Simone, qual peça do enxoval, subira também a graciosíssima Violante, filha de um dos caseiros da Casa Malafaya, que, desde tenra infância,
aparava as tropelias e humores da fidalga e, depois, na adolescência, sua amiga
e confidente e, agora, neste tempo narrado, dama de companhia da Senhora da Casa Grande, que agradecia a
Deus, a dócil presença da amiga, a amaciar a sua vida, como bálsamo
reconfortante, naquele desterro em Terras
do Demo e na claustrofobia de seu novo Lar, para onde fora arrastada por escolha dos homens e dever de
obediência de filha amantíssima, bem como, bálsamo ainda, nas agruras que iria
passar, fidelíssima esposa, como toda a mulher temente a Deus tem obrigação de
ser, sobretudo, as mulheres de sua condição e estirpe e, assim, vinculada
também ao dever de obediência ao marido e a obrigação de lhe suportar, sem
rebeldia, exigências e caprichos, pois tal é condição de mulher, sempre ao lado
ou atrás do amantíssimo esposo, nunca à frente, conforme a boa ordem do mundo e
prescrição das Escrituras, ou não fora o matrimónio laço sagrado que nenhum
poder terreste pode quebrar. Assim, seja!…
Ora, na realidade, qualquer
coisa na Natureza criada, ou qualquer facto, ou humano acontecimento podem e
devem ser considerados ou avaliados ou vividos de forma diversa, pois diversos
são os homens e diversos os seus interesses e mais diversos ainda e
estruturalmente diferentes os homens e as mulheres, que se Deus quisesse que as mulheres fossem iguais ao homem não as teria feito da costela masculina, mas sairiam
homens e mulheres do mesmo sopro divino sobre o barro, donde o homem saiu e que ainda
são visíveis, nos nossos dias, os resquícios de tal barro original, nos pés de barro dos heróis, o que não acontece com as mulheres que feitas da costela do homem, não consta que tenham pés de barro.
Assim, o casamento, está claro,
é um passo sério, que exige reflexão e todo o homem de bem deve casar, com
mulher de sua condição, pois o casamento dá respeitabilidade e, sobretudo,
permite somar património e mulher séria é para fazer filhos e zelar pela
felicidade da Família, que para prazer não faltam mulheres a quem corre no
sangue a sua condição de fêmeas, para desfrute dos homens que as saibam domar,
como se desbasta uma égua e se lhe mete trote.
Portanto, para Federico Amásio, Senhor da Casa Grande, a vida era o que era e
sempre fora, Deus no Céu e ele na terra, urbe
et orbe, e as mulheres com arreata curta, pelo menos em seus domínios e,
como se compreende, não seria o casamento, ainda que criteriosamente escolhido,
que iria alterar a ordem das coisas e pessoas sob seu domínio, nem sua forma de
viver, nem a domar seus instintos e pulsões, mais a mais agora que tinha em Zé Canhoto, não um verdadeiro alter ego, que tanto não lhe permita,
grande que fosse a intimidade, a relação senhor e servo, que instintivamente se
sobrepõe a todas as condescendências, e cujas longas mãos, braço armado e
excelente pontaria, uma raridade apesar de canhoto,
estavam permanentemente disponíveis, como coisa sua, para lhe limpar a honra de qualquer ofensa e para
ajustar contas com todo e qualquer recalcitrante que lhe saísse, fosse ele
marido encornado, pai ofendido ou meeiro
atrasado nas rendas e alcavalas a que se julgasse com direito.
Na realidade, em pouco tempo, Zé Canhoto, assim definitivamente
entronizado, porque assim o Senhor da
Casa Grande o nomeara e assim o desejara, pois não é verdade que um canhoto dá sorte? , em escassas
semanas, portanto, o Zé que até ali
viera, com uma mão atrás e outra à
frente, que é como quem diz a morrer de fome e, numa noite de negrume, batera
aos portões da Casa Grande, como
forasteiro de passagem, não se sabe para onde, seguindo o curso dos rios, e
cujas mãos, longas e largas, poderosas como garras e o seu porte alto e seco de
carnes, como um choupo, haviam despertado a atenção do senhor da casa, em pouco
tempo, dizia-se, tal criatura de Deus, sem outro nome que não fosse a
monossilábica designação de Zé, mereceu
a confiança do seu amo, que depois de o ver atirar certeiro, sobre uma perdiz
espavorida, o colocou ao seu serviço, com pagamento fixo, como se fora criado
de lavoura, com ajuste por ocasião das festas de S. Pedro e não um qualquer Zé Ninguém, a fazer uns
biscates a troco de guarida.
Claro que Zé
Canhoto, homem temente a Deus, nem sempre gostava do que fazia, ou seja os
trabalhos sujos de seu amo, mas ajeitou-se
quanto pôde, pois a vida é o que é, e mais vale a gente ajeitar-se conforme
pode às oportunidades que na vida de cada um surgirem, pois é bem sabido que o
mais forte dita a lei e os restantes obedecem e, assim, mais vale estar do lado
do poder que arrastar a vida aos solavancos, sem nunca ter onde cair morto,
mais a mais depois daquela cena com os ciganos, na Feira de Trancoso, numa
vingança jurada pelo chefe do clã, que nunca perdoou a desfeita de o fidalgo lhe ter desonrado
a filha, que era a sua jóia mais preciosa, cena de pancadaria, portanto, em que
rolaram varapaus e cabeças partidas, apenas os dois, amo e criado, irmanados na
mesma fúria contra a seita de ciganos e com eles correram, por entre o
estardalhaço da feira em fanicos, até que mão cobarde puxa de pistola e dispara
directo a cabeça do fidalgote, que
teria ido desta para melhor (paz à sua alma) não fora o sangue frio e prontidão
do Zé Canhoto que, num “de repente”, segurou o braço do jovem
cigano, mais que certo ser o prometido da
linda ciganinha, e o tiro destinado à cabeça do Amásio foi desviado, não sem que a bala apanhasse, embora de
raspão, a omoplata do enérgico e destemido Zé,
agora conhecido em toda a redondeza por Zé
Canhoto, por outorga e carta de alforria de seu amo, Senhor Federico Amásio Jacinto Silvestre Campelo do
Rego, que Deus guarde e que logo ali lhe prometeu fazer dele, Zé Canhoto, seu meeiro, numas terras, no estremo do concelho, há muito tempo, sem
serem semeadas.
E assim aconteceu, os ciganos rufias para os
calabouços da Administração do Concelho para baixarem a crista e saberem quem
manda naquelas redondezas e o Zé Canhoto,
“ajeitando-se” quanto pode e a subir na hierarquia rigorosamente escalonada
do universo fechado da Casa Grande, a
tudo indiferente que não seja o seu poder e o seu prestígio. E, neste
itinerário de revulsão do destino, Zé
Canhoto casou, Federico Amásio, Senhor
da Casa Grande, ditou a decisão e a
noiva e apadrinhou o casamento, fez a festa e deitou os foguetes e apenas não
dormiu com a noiva porque tal não era necessário, uma vez que já o havia feito
e estava em condições de garantir que o Zé
Canhoto ia bem servido. E de facto, foi!...
Todos os anos a mulher paria um
filho, todos varões, rijos e corados, e se ter mais um filho representa ter
mais uma boca para comer, também é verdade que por cada filho mais dois braços
para trabalhar, de jeito que se é vontade de Deus ter muitos filhos, todos eles
são bem vindos, pois trabalho(s) não lhe hão-de faltar e, bem se sabe, não há
riqueza possível sem trabalho.
E assim as coisas se passaram, como se um guião
escondido de uma peça pré-determinada viesse, de vez em quando, à superfície e
iluminar a vida de Zé Canhoto, que no
assento baptismal dos filhos, o estigma da alcunha foi amaciado para Esquerdino, como
o zelo do pároco e o sopro de
Federico Amásio, então investido da dignidade de Espírito Santo, salvo seja, e assim o anátema da alcunha, por
milagre dos Céus e dos poderes da Terra se transmutou no soante apelido de Esquerdino, orgulhosamente ostentado, em
primeira mão, pelo primogénito, José
Augusto Esquerdino.
E assim as coisas se hão-de passar, no corpo mártir
da narrativa, ano após ano, com o Zé
Canhoto “ajeitar-se” quanto pode à carga e à canga, cada vez mais pesadas. Até
que um homem, um dia, sem se dar conta, se
põe a pensar!...
Manuel Veiga
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