sábado, agosto 31, 2019

Fascínio Do Sol Sobre As Pétalas ...




Avidez de luz
No fascínio do sol sobre
As pétalas…

Voragem e vertigem
E a alquímica passagem
Para além das cores

E dos nomes…

Euforia da palavra
Ou magia, onde o poeta perpassa
E se dilui. E celebra
A orquestração
Dos corpos

Qual percurso solar
Das flores…

Manuel Veiga
.......................................................................................


ESTE BLOG 
PASSOU A ADMITIR COMENTÁRIOS
NOVAMENTE ! ...

Grato pela vossa compreensão no dilatado período 
em que não foi possível comentar !

Beijos e Abraços

segunda-feira, agosto 26, 2019

As Cores Do Poema


Derrama-se a palavra
Sem mais nada.

Leve fissura apenas. Milimétrica.
Na estrutura de que é feita.
Tensão da espera
A corroer por dentro
Sem plano
Ou guia...

Mistura benfazeja.                             
(Corrosão de água sobre a pedra).
Alquimia do verso fugidio
E o incauto morfema...

Como se bicho alado fora
Já não apenas pedra.

Inquietação do poeta a engendrar
As cores do poema.

E a dissolver a água e a pedra
Nas dores e alegrias da hora.
E na escrita maior
Do Mundo!...

Manuel Veiga

sexta-feira, agosto 23, 2019

A Fava Que Nos Calha ...


No gosto da fava
Que na boca nos calha
Haja dente para ferrar o naco
E guardanapo para limpar
A migalha...

De queixo caído
Que fiquem o invejoso
E o velhaco
Mais sua tralha
A mastigarem raivinhas
E o perdigoto,
Que caiu no goto
Cá da maralha
Que não vai ao pote
E pouco come
Mas saiu-lhe a fava...

E fica então o dichote
Que é como quem diz
Uns comem a fêvera
E os burros a palha...

Manuel Veiga

quarta-feira, agosto 21, 2019

VIBRAÇÃO DE LIRA

No desenho dos dias um gesto
E uma cadência. Ou o rubor de uma cor
A latejar viva sobre a tela.

Os dedos buscam o recorte imaculado
Das linhas. E, do poema, o poeta
O primeiro verso.

E a dança inaugural
Sobre a lombada das distâncias
E o movimento da luz
A desabar no dedilhar da lira.

Ou o último silêncio
E o esplendor de um livro aberto
Tombado sobre o colo...

Manuel Veiga



sábado, agosto 17, 2019

EM LOUVOR DE LYDIA ...

Jogam os deuses aos dados. E concedem-nos
Esta hora provisória. Ergamos a taça
E celebremos, Lydia!...

A flor que colho poderia não ser.
Bastaria que outra fosse a cor
Com que enfeito teus cabelos...

Mas os cabelos são loiros. E vermelha, a flor –
Isso nos basta !...

Recolhe pois a inquieta ruga.
E o arrepio – que o Universo é apenas filosofia
Infinita forma abstracta por onde descemos
Até ao rio que nos leva
E à brisa que nos guia...

Enlacemos os dedos, Lydia!
E a tarde cai.

E há fios de Sol
A bailar em teus cabelos.

Manuel Veiga

"Do Esplendor Das Coisas Possíveis" . pág. 72
POÉTICA Edições - Abril 2016

Nota – Lydia é uma criação literária de Ricardo Reis








sexta-feira, agosto 16, 2019

SILLY SEASON 3 - Uma História Perversa


Gosto de histórias perversas. Ou se quiserem de histórias sublimes, arrancadas ao luto da História, ou decifradas nas regiões ocultas do coração humano, malditas tantas vezes, sofridas como gestos luminosos, a sublimar o tempo futuro... E, nelas, a Mulher, exorcista do amor e transgressora da “norma” e dos “poderes” masculinos...

Mais não seja, que pela morte redentora. E pelo amor como Utopia!

Ora, escutem então “ la Lai d´ Ignaure”, a história da vida e da morte de um cavaleiro medieval e de seus amores...

"Ignaure, cavaleiro e poeta medieval, vive no castelo de Riol e apaixona-se, uma a uma, por doze senhoras casadas que também aí moram, com seus maridos. Amor era correspondido por todas elas, naturalmente, em segredo, desconhecendo, cada uma o nome do amante das restantes. Certo dia, as damas, desconfiadas da fidelidade do cavaleiro, resolvem jogar um jogo e escolhem uma, entre as doze, para fazer de padre a quem as restantes confessarão o nome do amante secreto. Uma após outra, pronunciam o nome do seu amado e todas nomeiam Ignaure. Descoberta a identidade do único amante secreto, as damas da corte decidem vingar-se e preparam uma armadilha para Ignaure.

Todas concordam em participar no que se adivinha vir a ser uma vingança cruel e sangrenta. Por fim, chega o dia em que Ignaure cai na armadilha e é cercado por doze mulheres em fúria, empunhando facas afiadas.

Porém, graças ao seu belo porte e à sua inteligência, Ignaure consegue escapar da morte. E conta a sua verdade. Confessa amar, de igual modo, cada uma das doze damas e aceita escolher apenas uma delas, única forma de salvar a vida. Ignaure escolhe a mulher que fez de padre, a mesma aliás a propor o desfecho para o dilema.

Pouco tempo depois, um espião do castelão descobre o segredo de Ignaure e conta a história aos maridos que, por seu turno, decidem levar a cabo a sua própria vingança. Um dia, surpreendem Ignaure com a dama que escolhera e prendem-no numa cela do castelo. Após deliberação entre eles, os maridos decidem matar o amante, cozinhar e servir às esposas o coração e o pénis de Ignaure.

Ao saberem do trágico destino do amante, as mulheres, na sua dor, recusam-se a comer daí em diante e acabam por morrer, balbuciando o doce nome do seu amado Ignaure.


Manuel Veiga
.............................................................

Adaptação - In “História Perversa do Coração Humano “ Milad Doueihi – Editora Terramar

quinta-feira, agosto 15, 2019

MADRIGAL ...


Nego a perfídia de teus olhos
Ainda que mintam...

Quero-os assim corsários
Lago dos meus. Assaz perdidos...

Nego a perfídia de teu sangue
Ainda que insónia...

Quero-o assim a corroer por dentro
A ferver em convulsão da dúvida...

Nego a perfídia de teu corpo
Quero-o assim exposto
Ainda que finja...

Nudez alva ainda que fria...


Manuel Veiga




segunda-feira, agosto 12, 2019

Confluência Dos Corpos...


Neste alevantar de ondas
A confluência dos corpos...

Caudais, em cascata, a dobrar pela cintura
E a desenhar a fronteira.
E o mapa.
E a rota.

E uma secreta enseada.
Remanso de espuma
A servir de leito...

E um rei proletário em conquista
De seu reino – poema desalinhado
A arder em movimento vivo –
Como se fora bailado
Ou cristal aceso.
  

Manuel Veiga




quinta-feira, agosto 08, 2019

"A MIÚDA DO CAFÉ ... "


Na usura dos dias, uma flor singular
E a inclemência do sol …

Fervor dos espinhos e murmúrio
De pétalas a abrirem-se em apogeu
De luz branca que apenas
O coração percebe.

Então resguarda-se. E desdobra-se
Em mistério.

Crisálida de fogo e cristal
A que se nega. E se agita fecunda
Flor sem nome.
E se diz
Mulher…

E então se agiganta
Em majestade
Água e febre…

Manuel Veiga





quarta-feira, agosto 07, 2019

"E POR VEZES... " - David Mourão-Ferreira


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
Nunca mais são os mesmos. E por vezes

Encontramos de nós em poucos meses
O que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

Ao tomarmos o gosto aos oceanos
Só o sarro das noites, não dos meses
Lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes, por vezes, ah por vezes
Num segundo se evolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira
in “Matura Idade”

segunda-feira, agosto 05, 2019

Inventando as Linhas do Rosto ...


Tomo na mão o gesto
E traço o oval de teu rosto
E no triângulo que desenho
E nas linhas que demoro
E nas letras. E na saliva das sílabas
E no calor de meus afectos
Em ti me cumpro:
Poeta de dias
E volúpia
Das horas...

Manuel Veiga






sexta-feira, agosto 02, 2019

PRETÉRITO IMPERFEITO


No roteiro de teus passos e no fervor
Dos laços me entardeço. E me derramo
E me desfaço. E (bem) te digo
Seda fina e xaile antigo
Debruado no frémito
Dos lábios…

E me inflamo poeta predilecto
E néscio, sou borbulhar de mostos
E bailado.

E movimento perpétuo.
E a caligrafia dos gestos.

E da lucidez me reclamo. E te proclamo.
Música atonal. Flor tão breve e um poema
Alvoroçado.

Infinito-Presente.
E pretérito imperfeito.

Manuel Veiga




quinta-feira, agosto 01, 2019

TRÊS POETAS PORTUGUESES DA ACTUALIDADE


1 - Os Rituais à Mesa
(Para o Fernando Assis Pacheco, em dia aziago)

“À mesa
Morre-se ritualmente
A salada
O cozido
O puré
As maneiras
E o pavão que no jardim passeia o esplendor duma fuga de Bach
O pó-de-arroz seguindo o rastro das sopeiras

É em ti que me venço e justifico
Nos labirintos de néon  no fumo viúvo da cozinha
No azedo do ranço  do grão de bico
Nos corredores do guisado
No ocre da saliva e do caldo entornado

Os nervos derretem os artelhos da manhã o tempo aquece
E o meu amor por ti tropeça e arrefece

À mesa
Contraem-se os instintos do dia
A digestão é grave
O suicídio breve
E o beijo que te dou arde em melancolia

É sentados na sala que morremos
Prisioneiros num casulo de raiva e solidão
Suspensos da mais alta-fidelidade já sabemos
Que fomos sepultados num buraco sem chão

É no sofá onde os ossos cochilam
Que os nossos guarda-costas
Nos fuzilam

DOMINGOS LOBO
In “Para Guardar o Fogo – Epitáfios” – Pág. 77
Edição “Página a Página”
Lisboa 2012

2 – Ao Acordar

“E não é que esqueça ou não me pesem
Os erros. Mas de que vale quando acordo
Estar em desacordo? Ainda guardo
A luz de um pretérito imperfeito e sinto
Abertas as veias ao que vier injectar-me
Mágoa no sangue e sei decerto
O lado secreto do coração
Lugar obtuso estreito e singular”

2.1 – Mar Explosivo

“A terra arde por fim
No azul de um céu de pedra
Um mar explosivo rebentou
Com tudo. Teria de acontecer disse
No mapa assinalou lugares antigos
Um templo a essa deusa
Mnemósine. Venham ver a nova
Realidade absoluta. Não há palavras
... só a praia sem margens neste oceano
Caótico das imagens virtuais
Vagas informáticas
Ferindo secando os olhos”

ANTÓNIO CARLOS CORTEZ
“Animais Feridos” – págs. 74 e 75
Publicações D. Quixote
Lisboa 2017

3 – O Livro das Horas 7.

Nada me é inacessível neste íntimo culto
Ouvir a música, viver com a matéria aberta do corpo
Mudar as coordenadas da alma.
Imprimir o sangue das feridas na superfície da força.

A minha sede, sei-o agora, tem infinitos que não existem
E por muito que beba e escreva
Haverá sempre esta inexistência formal que me separa dos outros”.

TIAGO NENÉ
“Este Obscuro Objecto do Desejo” – pág. 63
Edição “Guerra e Paz”
Lisboa 2017





ESCULTOR O TEMPO

Escultor de paisagens o tempo. E estes rostos, onde me revejo. E as mãos, arados. E os punhos. Em luta erguidos…  S ons de fábrica...