domingo, outubro 27, 2019

DEVIR ESQUIVO...


Na clausura das coisas antes de acontecerem
Agita-se secreta a vibração do sopro.

Não tempo ainda - nem o milagre.
Nem murmúrio sequer.
Nem indicio...

Apenas invertebrada escuta...

Tensão do arco. Ainda não seta.
E o júbilo que se solta inesperado
E se liberta em bailado.

Talvez sopro iniciático
Ou devir esquivo
Irrompendo
Ante o poeta
Desarmado  

Manuel Veiga






quarta-feira, outubro 23, 2019

JOGO DE AFINIDADES...


Jogo de afinidades e transparências
A dissolver a inóspita presença
Das limalhas. Decantação
Dos dias e flor dos lábios
A arder gloriosa
Na subtil dádiva…

Flor ainda!

Rosto e delicadas formas
No bailado da espera
A acender os olhos
E a soltar o frémito
E o cume…

E o alvoroço
Dos sentidos…

Já não flor – fio de lume!


Manuel Veiga




sábado, outubro 19, 2019

NA MINHA CIRCUNSTÂNCIA ...


No pórtico da Lonjura e da Distância
Onde a Palavra germina – febre e fio de água!
E o grão de areia explode – quase-nada!

E as esferas se movem. Surdas.
Frias e eternas. E absurdas em sua eternidade...

Nesse indefinido lugar onde todos os possíveis
Se resgatam. E outros tantos colapsam.
Sem memória que os diga.
Nem sobressalto
Que lhes valha...

Nessa tensão desesperada entre a euforia do Ser
E a neutra alvura do Nada...

Nessa oculta razão das coisas
Em que – dizem-me – os deuses se recriam
Em interminável jogo de dados...

Nessa tatuagem dos dias
Em que apenas os nomes são presença
E a árvore da vida... 

Aí nesse fogo sem lume
Esculpo minha circunstância – de palavras e cinza!
E me (des)digo – água clara.


Manuel Veiga


sexta-feira, outubro 18, 2019

SEM TÍTULO...



1.
Enamoramento das palavras
No interior do poema. E a subversão
Do Mundo…

2.
Cadências mudas. E formação
De concordâncias. E a iminência de sílabas
E das salivas…

3.
Olhos nos lábios a desenharem
A desordem dos sentidos, E a orla do verso
E do reverso...

4.
Ninfas nuas e faunos
Em seus folguedos. E cítaras nos dedos.
Pagãos que somos...

5.
E puros...


Manuel Veiga   

terça-feira, outubro 15, 2019

SEARA NOVA - 98 ANOS - 1921-2019

Foto
Fundadores da SEARA NOVA 

O primeiro número da Seara Nova foi publicado no dia 15 de Outubro de 1921, numa época conturbada, de desastre colectivo, em que pontuavam enormes desigualdades socais, consideráveis atrasos económicos, interesses inconfessáveis das clientelas e de oligarquias plutocráticas, baixo nível cultural da população, ausência de valores e de preocupações éticas na camadas dominantes, regime político de mentira e incompetência, alastramento da corrupção entre os detentores dos poderes, privilégios escandalosos destes últimos. Um quadro em tudo semelhante ao dos nossos dias.
Os fundadores da Seara Nova - Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Azeredo Perdigão, Câmara Reys, Faria de Vasconcelos, Ferreira de Macedo, Francisco António Correia, Jaime Cortezão, Raul Brandão e Raul Proença - opunham-se ao que designavam de "desastre colectivo" e pugnavam pelos valores da inteligência, da cultura, da ética, da justiça e do progresso. No editorial do primeiro número da revista escrevia-se: "...a Seara Nova não pode proceder... como se uma maior justiça social não fosse possível... como se o socialismo não representasse uma promessa de realização dessa justiça. Todas as suas simpatias vão, pois, para os que lutam, dentro da ordem, dos métodos democráticos e desse espírito de realidades sem o qual são inteiramente ilusórias quaisquer reformas sociais, pelo triunfo do socialismo".
Ao longo destes quase 100 anos de existência, pelas páginas da Seara Nova passaram muitos colaboradores, assinando páginas de grande qualidade, como (de entre os já falecidos) Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, Alberto Vilaça, Alexandre Cabral, Alves Redol, Armando Castro, Augusto Abelaira, Bento de Jesus Caraça, Blasco Hugo Fernandes, Fernando Lopes Graça, Fernando Namora, Francine Benoît, Francisco Pereira de Moura, Gago Coutinho, Gilberto Lindim Ramos, Hernani Cidade, Irene Lisboa, Rodrigues Miguéis, José Saramago, José Gomes Ferreira, Magalhães Godinho, Magalhães Vilhena, Manuel Mendes, Manuel Machado da Luz, Mário Azevedo Gomes, Mário Sacramento, Mário Sottomayor Cardia, Mário Ventura, Jorge Peixinho, Jorge de Sena, Rogério Fernandes, Rui Grácio, Sarmento de Beires, ou Vitorino Nemésio. Intelectuais de grande valor. Homens de carácter. Homens cuja moral está espelhada nesta frase do editorial do primeiro número da revista: "Em democracia quem mente ao povo é réu de alta traição".
Esse mesmo editorial terminava com a aspiração de que ainda hoje a Seara Nova comunga: "Possam os homens de boas intenções de todas as Pátrias erguer um dia, sobre um mundo que ainda hoje se debate em miseráveis disputas nacionalistas, o arco-de-aliança duma humanidade justa e livre, realizando na paz vitoriosa as conquistas da inteligência e da vontade desinteressada!".
A Seara Nova foi sempre um espaço de diálogo, de abertura às ideias do progresso, de rigor ético, de investigação e de divulgação cultural.
Embora tivesse passado por alguns períodos de hegemonia de grupos ideologicamente mais restritos, o traço saliente da Seara Nova e que caracterizou os seus momentos mais conseguidos foi a sua grande abertura à cultura e à unidade pelos ideais progressistas, criando esse fenómeno ímpar que se tem designado por "espírito seareiro".
No final da I República, a Seara Nova foi uma "pedrada no charco" daquele desastre colectivo, elevando-se pelo seu valor intelectual e, desde logo, alertando e denunciando os perigos do advento da ditadura. A Seara Nova foi ideológica e culturalmente antifascista e até antes da ditadura fascista estar implantada em Portugal.
Na Resistência ao fascismo, a revista, mesmo quando gravemente mutilada pela censura, foi um farol democrático e espaço de elevadas polémicas e de valiosas colaborações de toda a intelectualidade progressista. A partir da década de 60 do século XX atingiu mesmo o estatuto de grande revista da Resistência antifascista, mantendo o seu forte pendor cultural. E neste plano teve importante papel directo em momentos altos da luta democrática e de resistência ao fascismo, como eleições de Humberto Delgado, Congressos da Oposição Democrática de Aveiro ou campanhas eleitorais das CDE's.
A Revolução de Abril entrou pela Seara Nova dentro, a começar no entusiástico e prudente editorial de Maio de 1974, redigido por José Saramago. Mas as condições da sua circulação alteraram-se. Deixou de haver espaço para ser "a revista da oposição democrática".
Porém, nos anos 80 do século passado e tendo em conta a situação gerada no País pelo sucessivo prosseguimento de políticas hostis à dignidade do Povo português, pela acentuada perda de soberania nacional, pelo retomar de condições de exercício do poder similares às que determinaram a fundação da revista, pela deriva neoliberal e pela submissão do poder político ao poder económico, a Seara Nova renovou o seu projecto como revista cultural e democrática, apostada nos valores da democracia, do progresso, da justiça social, da solidariedade e da Paz e arrimada no espírito seareiro, princípios que continua a perseguir.
Ao longo da última década, cerca de 300 homens e mulheres empenhados na realização daqueles princípios e numa sociedade mais justa honraram a Seara Nova com as suas valiosas colaborações. Gente das mais diversas áreas do saber e do conhecimento, que não se resignam perante as injustiças, a mesquinhez e a mentira e que ajudam a fazer da Seara Nova um ponto de encontro de ideias desenhadoras do futuro e do aprofundamento dos valores democráticos e culturais.
Estabilizada a situação da Seara Nova, através do apoio da Associação Intervenção Democrática - ID, sua actual proprietária, a Seara Nova tem saído com regularidade e assegurado o cumprimento da sua periodicidade trimestral, com uma atenção constante e selectiva às grandes questões nacionais e internacionais.

C.d.R/Seara Nova

domingo, outubro 13, 2019

CORRENTEZA (QUASE) TÍMIDA ...


Nas profundas correntes subterrâneas
Onde se anunciam os nomes
E se inscreve o perfil das coisas
Antes de acontecerem…
                                              
Nesse magma de possibilidades
Que os deuses capricham
E os mortais são acaso
Ou destino mudo…

Na eterna emanação de afectos
Onde se desenham as órbitas
E inesperados percursos
De alegria ou dor…

No rubor do mistério             
Que incendeia os corpos. E permanece
Fervura de mostos ...

Na glória dos dias peregrinos
Uma urgência a circular no interior do sangue
E uma prece muda…

E uma correnteza outra – quase tímida!
A inundar a boca. Como promessa.
Ou nascente. Ou chama...

Manuel Veiga




quinta-feira, outubro 10, 2019

MADRIGAL II


Frémito do beijo
A navegar sobre teus ombros.
E os seios

E o cetim da pele
Em secretos dedos.

Veludo aberto. E o linho.
Percurso do teu corpo.
Assim macio.

Manuel Veiga



segunda-feira, outubro 07, 2019

PALAVRAS DITAS...


Breve o desfiar dos dias
Em que me planto – palavras ditas!

São beijos? São afagos? Ou venenos?
São palavras. Passageiras glórias
A baterem como asas, que voando
Se despenham...

Quem por mim as toma? Quem delas cuida?
Nada quem as queira. Apenas o sussurrar
Quente da cigarra. E o vento
E o logro em que inúteis
Se desenham...

Abrem-se os braços à colheita e voam...
E este mar de brasas em que ardo. E nesta fome
De lonjuras em que me fito
São as palavras tudo-nada.
Barco sem remos
De meu grito...

E como tal as tenho…
Apenas!


Manuel Veiga

sábado, outubro 05, 2019

POEMETO...


Tombam a teus pés
A lucidez fria do instante
E a acidez da hora…
………………………       
Em cada palavra tua
Que te nega…

M.V. 


sexta-feira, outubro 04, 2019

PRADARIAS NUAS


Acendem-se brisas
E amanhecem potros.
Pradarias
Nuas  

Declive dos seios
E a geometria
Reclinada
Das coxas.

Grutas. Abruptas
Veredas líquidas.
E as línguas.
E as bocas.

Crepitam os corpos.
E o cio inaugural
Dos dias….

Manuel Veiga




quarta-feira, outubro 02, 2019

Farsantes Os Deuses ...


Frémito dos lábios
E farsantes os deuses
Que se divertem
E teimam…

Celebrar o fogo
E a ausência
Dos corpos…


Manuel Veiga





Orquestração de Hinos

  Polpa dos lábios. E a interdita palavra Freme… E se acolhe Em fervor mudo E sílaba-a-sílaba Se inaugura… Percurso De euf...