quarta-feira, abril 26, 2017

Poder Local - Espaço de Cidadania Activa


A propósito das Comemorações dos 40 Anos do Poder Local Democrático, interessa salientar a vocação do exercício do Poder Local na formulação de valores democráticos de participação política, que são em si mesmos, garante da plena realização da democracia, nas suas diversas vertentes de democracia política, económica e social.

Sem dúvida que a institucionalização do poder local, a par de outros elementos estruturantes (a legalização dos partidos políticos e das organizações sindicais, a emancipação do poder judicial e do poder legislativo) é peça essencial do regime político, instituído pela Revolução de 25 Abril. Sobretudo, pelo seu reconhecimento como subsistema vocacionado à realização das necessidades colectivas e a democratização da sociedade pela participação do cidadãos na vida colectiva.

Participação dos cidadãos, presente desde o início da Revolução de Abril, que se concretizou numa multiplicidade de realizações que deram expressão às mais genuínas aspirações populares, desde a instalação das “comissões administrativas” nos Municípios e Freguesias, passando pela intervenção directa, de milhares de pessoas, com seu trabalho voluntário na realização de necessidades colectivas básicas (saneamento básico, electrificação, estradas e caminhos, escolas, creches, etc. etc.)

A partir dos alvores da democracia, portanto, o poder local “antecipou”, por iniciativa dos próprios cidadãos, o seu estatuto e a sua vocação de “lugar institucional” privilegiado de interacção com as populações, permitindo, como em nenhuma outra instância, alimentar e estimular o funcionamento do sistema político.

Quer dizer, o poder local, pela sua situação particular no conjunto do sistema de poder, tende a constituir-se esfera privilegiada de realização democrática, onde assume o fulgor inaugural da ordem normativa, estabelecida pelo 25 de Abril, alargando e aprofundando os limites da democracia representativa.

Uma cidadania assumida, portanto, fecundada pela intervenção consciente dos cidadãos na preservação e afirmação dos direitos cívicos e políticos, mas também na efectivação dos direitos económicos e sociais, como condição essencial à realização dos primeiros e expressão de um espaço privilegiado de resolução de problemas do quotidiano das populações.

Ao longo dos anos têm sido introduzidas distorções nas competências e funcionamento das autarquias, que desfiguram a matriz democrática do poder local, acentuando a “presidencialização” dos órgãos executivos e a introduzindo tiques de “parlamentarismo” no funcionamento das assembleias municipais, na lógica de mera contraposição governo/oposição.

A verdade, porém, é que o sistema do poder local instituído pela ordem constitucional do 25 de Abril, mais que conflito, é consenso activo, mais que vocação unipolar de poder, é pluralidade e participação. E, porque não se podem fundar consensos “numa multidão de passividades” mas pelo contrário, os consensos se estabelecem pela “alteridade das propostas”, se compreende a importância da intervenção das populações na esfera do poder local.

A dimensão democrática da participação é, assim, factor de reforço da consciência social e política de cada pessoa perante o poder e de exigência dos seus direitos e da consequente recusa de sentimentos de dependência face a esse mesmo poder. Em síntese, o exercício do Poder Local Democrático constitui-se, em mesmo, como espaço de cidadania activa.

Perspectiva aliás prenhe efeitos e resultados que extravasam o quadro restrito das autarquias locais e que leva, por exemplo, o Presidente da República a sustentar que o Poder Local “tem sido o fusível da democracia portuguesa” e que “aquilo que é chamado de populismo não tem entrado no nosso país, entre outras razões porque há Poder Local.[i]

Manuel Veiga






[i] Conferência Nacional “40 ANOS DO PODER LOCAL” - Loures 21/22 Janeiro 2017 - pág. 280

8 comentários:

Agostinho disse...

Um documento a ser lido pelos "apaixonados" do poder centrípeto e pseudo elitistas do arco da governação.
A democracia não se dá bem com lugares reservados, arcos de amplitude limitada e farsantes mercadores de influência.
Abraço.

Odete Ferreira disse...

Só posso subscrever e deixar os parabéns pela brilhante intervenção.
Apesar de muitos "desvios", o poder local é sustentáculo do sistema democrático.
Nem de propósito: amanhã, 28, tenho reunião da Assembleia Municipal; um dos meus espaços de cidadania.
Bjinho, Manuel :)

Agostinho disse...

Volto para desfazer eventuais equívocos de quem possa vir a ler o meu comentário anterior. Esclareço que quando escrevi "arco da governação" pensava na ideia que havia num tempo pretérito recente, e ainda há (veja-se o discurso persistente o ex-primeiro-ministro PPC), de exclusão das forças tocadas pelo "pecado original", para perpetuação dos "bons" na esfera do poder.
Grato.

Manuel Veiga disse...

Caro Agostinho,

garanto que não da minha parte não há qualquer equívoco
sei que visas as "exclusões" preconizadas pela direita e sobretudo uns quanto dinossauros do "poder local", que se julgam ungidos presidentes de Câmara por direito divino - como compreendes, conheci alguns de perto.

se alguma observação a fazer tivesse, seria no post anterior, onde perante a incapacidade de falar no meu poema, alguém evoca abusivamente (presumo) o teu comentário.

forte abraço, meu Amigo

Jaime Portela disse...

Concordo com a visão expressa neste excelente texto sobre o poder local.
Onde até os cidadãos se podem candidatar em listas independentes (era assim e julgo que ainda se mantém).
Bom fim de semana, caro Veiga.
Abraço.

Suzete Brainer disse...

Manuel,

Excelente e brilhante texto-artigo.

Descarto a práxis de um projeto de cidadania tão bem abordado
no seu texto:
"Uma cidadania assumida, portanto fecundada pela intervenção
consciente dos cidadãos na preservação e afirmação dos direitos
cívicos e políticos, mas também na efetivação dos direitos econômicos
e sociais, como condição essencial à realização dos primeiros..."

E mais:
"A dimensão democrática da participação é , assim, factor de reforço
da consciência social e política de cada pessoa..."

Grata pela leitura deste texto, que o amigo partilhou e de extrema
importância para a contribuição do processo de consciência e informação.
beijo.

Teresa Almeida disse...

Ainda venho deixar-te um abraço de parabéns, Manuel.

Quem viveu e sentiu de perto todo o envolvimento do poder local, percebe que muito foi feito em prol do desenvolvimento do interior e muito há para fazer. Falo do interior porque é a minha realidade. E acredito que a cultura política continua em crescendo. Textos como este são um precioso contributo.

Ana Freire disse...

Brilhante intervenção, Manuel!...
Ainda vai sendo na esfera do poder local... que as estruturas políticas, tomam o verdadeiro conhecimento das reais necessidades das populações... a sua compreensão e entendimento, aliás... principia aí!...
O poder local tem mais importância, do que à primeira vista se julgaria... Loures e Almada... dois exemplos, em que o mesmo tem tido um papel fundamental, na melhoria das condições de vida das populações, com uma boa orientação dos recursos disponíveis...
Beijinho
Ana

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