sábado, fevereiro 01, 2025

FRÉMITO



Fremente esvoaçar da pele em murmúrio

(Quase) mudo. Levíssimo sopro de teus braços

A envolver o arfar do peito em círculo fechado

Tão íntimo que nem sequer o rubor fala

E tão discreto como se fora suave acaso e

Nenhum mistério…


E, no entanto, sem palavras (proibidas)

Ambos nos sabemos, mais do que somos:

Tu és argúcia e capricho. E a chama que 

Reclama. E o poeta a tentação e o corpo exposto.

E a obscura configuração do Desejo – 

Como se tu foras meu pasto.


Manuel Veiga


domingo, janeiro 12, 2025

VONTADE DE POEMA


Abre-se o poeta à vontade de poema

e negam-se as palavras

Sobram porém duas

Pequenas pérolas

A iluminar

Moldura do rosto

E a tumescência de lábios…

E o vértice do decote

A derramarem-se

Como lago…

De proibidas

Águas…


~Manuel Veiga

segunda-feira, janeiro 06, 2025

Entardecer


vão secos e dolentemente esventrados os rios

da minha infância – e eu com eles!

vara do tempo a marcar as horas

pelo ponteiro das sombras

na espera que a noite tombe

e que venha o canto da ave

que se solta sempre

ao anoitecer…

sábios os que suavemente

adormecem com a alegria

dos faustos dias

e das rosas

que pouco vivem

mas são eternas …


Manuel Veiga


segunda-feira, dezembro 23, 2024

UM SORRISO “FREAK - Poema de Natal

Gosto de pessoas. Por vezes próximas, respirando ao mesmo ritmo!.. Outras (quase sempre) apenas momentos, riscos de acaso, meteoritos intensos na solidão da cidade. Uma viagem de autocarro (ou de metro) é sempre uma revelação inesperada. Pequenos nada que nos perseguem (momentos, horas, dias?) e que exigem que os soltemos, de tão intensos...

Gosto de gente anónima. De seus rostos. Da linguagem subtil dos seus gestos. Do seu porte. Do pulsar do meu Povo!...Por vezes, a cor desânimo, toma o sangue. O cepticismo cria raízes e uma ironia triste ocupa o espaço da esperança. Porém, do meio da multidão, surgem tantas vezes, sem nos darmos conta, uma imagem, o resto de uma carícia, uma ternura, uma beleza inesperada que humanizam e reconfortam. Que nem sempre estamos disponíveis para ver e que, outras vezes, guardamos como refrigério de alma...

Falo-vos de uma viagem de autocarro entre o Rossio e o Cais de Sodré. Na curta distância, cenas dignas de um pintor impressionista - o melhor e o pior de um Povo concentrado no escasso espaço de um autocarro, à hora de ponta. Nada que seja diferente de outras viagens. Até que...

Uma jovem mãe, de rosto trigueiro e olhar apaziguado, entrou, aconchegando no colo uma criança de escassos meses. Sozinha, face às intempéries e aos balanços da vida, ali bem simbolizados nos apertos e balanços do autocarro. Um jovem, de brinco na orelha e crista de galo loira, cede-lhe o lugar (no meu íntimo, um sorriso freak!)

Acomodou-se a “minha" jovem Madalena (era, de certo, este o seu nome!) com o bebé nos braços, sereno que nem um anjo. E alheia a tudo que não fosse a sua novel maternidade, a jovem soltou o seio da blusa (mármore puro) e a boca da criança, em esplendor, buscou afoita o mamilo, assim exposto em dádiva!

Vi então olhares brilhantes nos rostos cansados dos transeuntes. Vi ternuras caladas e inesperados silêncios. Vi orações pagãs em cada sorriso!.. E, em época natalícia, a minha alma ateia, entoou um cântico de vida e "nasceu" este poema 

Poema de Natal 

Derrama-se o canto sobre a mesa alva.

E a noite fria. Agora é este lume na estrela

De teus dedos murmurados. E a frágil linha

De teus cabelos brancos escorridos...


Meu rosto são teus olhos...

Arfar do peito meu. Agora esta miragem

No esconso tempo. Desprendo em teu regaço

Lírios de outrora. E componho o musgo e a hera.

O menino sou eu. E a lágrima é tua lá no Céu.

Dulcíssima a Hora...


Ilumina-se o esplendor dos anjos em redor.

Meu vagido, teu seio. E este milagre de ti.

Não há incenso, bem sei.

Apenas a Mulher parida

E o filho incréu. De joelhos

Entoando tua devoção 

E a tua bênção…


"Glória in excelsis Deo!..."

Manuel Veiga
Coletânea "PALAVRAS DE NATAL"

Editora CHIADO BOOK




 




quinta-feira, dezembro 12, 2024

 

CADÊNCIAS ...


1.
Enamoramento das palavras
No interior do poema. E a subversão
Do Mundo…

2.
Cadências mudas. Em formação
De concordâncias. E a iminência de sílabas
E das salivas…

3.
Olhos nos lábios a desenharem
A desordem dos sentidos. E a orla do verso
E do reverso…

4.
Cítaras nos dedos. Faunos
E Ninfas nuas. E seus folguedos.
Pagãos que somos…

5.
E puros…


Manuel Veiga  


terça-feira, dezembro 03, 2024

A CARTA QUE NUMCA TE ESCREVEREI ... NO BRASIL

 UMA EXCELENTE NOTÍCIA !,,,,´

Beijos e abraços


Camila // Atlantic Books

segunda, 2/12, 13:53 (há 1 dia)
para mim
Boa tarde, Manuel Veiga,

A sua obra também já está à venda na Ipê das Letras, no Brasil.

domingo, novembro 17, 2024

MÚSICA E FLOR

.

Flor é uma flor, é sempre flor!...

Música é música - é outra música…

Música e flor em MI maior

Perfume de dor na dor de meu amor...


Sopro de flor - aquela dor na minha dor

Perfume de música em Dó maior.

Música e flor em redor - na dor da flor.

Música e dor de meu amor...


Sopro de música - flor de amor!

Perfume de flor em LA menor

Na dor da flor. Música e flor

Canto de musa a meu favor.


A mesma música – a mesma flor…

Timbre de flor em SOL maior

Música e flor na dor da minha dor

Em vão, a flor na música da dor!...


Guardo música e flor na dor maior.

A meu favor – canto, musa e flor.

Perfume e dor de amor maior

No canto e na dor de um trovador!


Manuel Veiga


sábado, outubro 26, 2024

Em Nome do Pai. E Louvor Da Terra-Mãe


1.Sou este chão e esta mágoa

Caliça do tempo em redemoinho

A embargar os olhos gastos…

E, no entanto, a terra desmedida

Como quem acerta contas.

 

E o fio de água e os gretados lábios

E o rumor dos sonhos.

E os ecos.

E as maçãs emolduradas

 

E o fio de prumo

Em que me despenho

E inscrevo na incisão

Do sangue

 

Rito de passagem

Em que me digo filho e pai

E me acrescento

E sou o mesmo.

 

Terra minha

E o Mundo inteiro!...

 

2. Evoco os nomes e os gestos. E o tempo circular.

E os mistérios. E os murmúrios.

 

E o cirandar das mulheres. Tecedeiras. Sábias.

Sibilas. Herdeiras de outroras. E auroras.

A raiar tarefas. Lestas.

E a distribuírem o pão.

Por cabeça

 

E a canícula.

E a sesta.

E o benigno freixo…

 

E a ceifa. E o vinho, em círculo, de mão em mão

Servido. E de boca em boca sorvido.

E as gargantas ávidas.

E a revoada de tordos espantados.

Em meus olhos.

Agora húmidos.

 

E as jaculatórias. E as preces. E os cânticos.

E os sinos. E as festas. E o donaire das raparigas

E púberes seios em meus dedos

 

E a poeira dos caminhos

E fio invisível das coisas

Que religam. E tecem. E se intrometem

E nos guardam.

Bênçãos. Sejam!...

 

E o trilho de meus passos.

E a cavalgada dos sonhos. E os enganos.

E os fracassos. E as partidas. E os retornos.

E aquele abraço. Erguido do chão

Como quem aguenta todo o peso do Mundo.

Em seus braços…

 

3.E o nome do Pai. E em louvor da Terra-Mãe.

Evoco o gesto largo. E nobre.

De quem semeia

E pouco colhe.

 

Sou esta raiz. E esta sede

E o fio de água

E esta poeira

Calcinada…

 

 “Ecce Homo!…”


Manuel Veiga

terça-feira, outubro 01, 2024

A CARTA QUE NUNCA TE ESCREVEREI


Uma carta que a memória guardou no cofre das emoções.

Sem resguardo. Antes, com a desenvoltura das palavras presas numa sensualidade sentida ao sabor dos parágrafos descritivos, numa viagem ao futuro do antes, do agora, do que sempre o escritor escreve   do que, sendo ficcionado, foi sentido, pressentido, ou não.

Ou apenas um sério fascínio pelo corpo desejado.

Uma carta antiga para a moderna idade dos que amam e se projetam em cada palavra nua.

Um dizer envolvente. dizer de pontes e de atravessamentos que nos leva num selo imagético a caminho de um agora, presente, novo e acutilante.

Este é um registo que se cola e cala.

Uma carta registada com aviso de receção em que o Manuel

Veiga nos cativa e convoca a “sim, escreve-me, lendo-me”,“recebe-me e traduz-me”.

Somos a memória dos sentimentos sentidos.

Somos assim com  o autor, Manuel Veiga.

 

Isabel Mendes Ferreira


terça-feira, agosto 27, 2024

AS CORES DO POEMA

 

Leve fissura apenas. Milimétrica

Tensão da espera

A corroer por dentro

Sem plano

Ou guia...

Apenas o murmúrio de água

Sobre a pedra. E a alquimia do verso

E o incauto morfema

E a inquietação do poeta

A engendrarem as cores

Do poema.

 E a dissolverem-se nas dores

E alegrias da hora presente

E na escrita maior

Do Mundo!...


Manuel Veiga

 

terça-feira, julho 30, 2024

COMO SE FORAS INVENÇÃO MINHA

 

Antes do magma .e do rasgar do Tempo

Nesse etéreo lugar - enunciado das coisas

E de todos os nomes

 

Nessa órfica placenta, onde

Se desenham todos os rostos

E todas as coisas fluem

Em sua mútua simpatia

E singular gesto

De se enunciarem

 

Nesse mundo orquestrado

Na usura de absolutos silêncios

E ignotos territórios ..

 

No infinito-presente

De todas as singularidades

 

Ergues-te do barro e te sublimas

E explodem, então, todas as cores

E se fecundam solares

Todos os prenúncios

 

E digo-te então Sibila

E te nomeio depuradora

De essências

 

Como se foras não apenas fantasia

Mas poema. E amorosa

Invenção minha…


Manuel Veiga

FRÉMITO

Fremente esvoaçar da pele em murmúrio (Quase) mudo. Levíssimo sopro de teus braços A envolver o arfar do peito em círculo fechado Tão íntimo...