As manifestações francesas dos mês passado derrotaram o Primeiro Ministro francês e o seu “Contrato do Primeiro Emprego”, que permitiria despedir os jovens, com menos de 26 anos sem justa causa. Ao que a comunicação social dominante insinuou tratou-se de manifestações de privilegiados. Afinal eram estudantes e trabalhadores, naturalmente “privilegiados”, pois que têm trabalho que lhes permite receber um salário, fazer greves e ir a manifestações ...
Uma das questões mais sérias da actualidade política e a inversão do sentido das palavras, que permite às classes e castas dominantes - apenas um por cento da população – chamarem privilegiados aos restantes noventa e nove por cento. Tens emprego? És um privilegiado, face ao desemprego que grassa! Trabalhaste trinta e seis anos e agora, aos 65 de idade, preparas-te para o almejado descanso? És um privilegiado! A tua esperança de vida aumentou, tens que trabalhar mais se queres a tua reforma por inteiro...
No entanto, não consta que banqueiros, gestores e economistas de topo, membros de conselhos de administração, directórios partidários, capitalistas, governantes, assessores de imagem, colunistas e editorialistas de jornais de referência estejam preocupados com o seu (deles) emprego ou com as suas mordomias no final de carreira! Privilegiados são os outros. O estudante que, com dificuldades, financia os seus estudos. Ou o trabalhador que encontra trabalho, com salário de miséria. Ou o aposentado, na sua magra pensão.
O grave da questão é que discurso encontra eco, onde, por principio, deveria ser liminarmente rejeitado. Sempre a esquerda se afirmou contra os privilégios! Não para os restringir, mas para os alargar! Ouvindo, porém o coro contra os “novos privilegiados” até parece que não...
Historicamente, privilégio foi excepcional. E de excepcional, se alargou ao conjunto da sociedade. Querem um exemplo?! Foi privilegiada a nobreza, cujos membros tinham tribunais próprios e não poderiam ser torturados. Mas a Revolução Francesa criou os tribunais com jurisdição universal. E estabeleceu o princípio de que ninguém poderá ser condenado sem culpa formada. Se tivesse alargado a tortura a toda gente também a Revolução acabava com esse privilégio dos nobres. Mas não foi esse o percurso! O percurso foi o da justiça e do progresso, pois de outra forma alguns perdiam, mas ninguém ficava a ganhar...
E daí por diante, outros privilégios, outras causas e outras lutas da esquerda! São poucos os que têm o privilégio de saber ler?! A esquerda institucionalizou o ensino público gratuito e alargou-o a camadas populares.
Como mais tarde, institucionalizou o principio do voto universal e da participação política, apenas, até então, reservada a alguns... Ou, em tempos mais recentes, alargou o conceito de direitos fundamentais e inscreveu no corpus dos direitos de cidadania, os direitos económicos, sociais e culturais, nos quais relevam o direito ao emprego, à saúde e uma velhice digna. Não como privilégios, mas como conquistas civilizações de vocação universal...
Enfim, dirão alguns, piedosas intenções que a economia não consente! Direi causas políticas que a esquerda não pode descartar, sob pena de negar a sua história...
Pois, se admitirmos que se chamem privilégios a coisas simples como ter trabalho, saúde e ensino, ou descansar na velhice, direitos fundamentais com o que toda a sociedade beneficia, corremos o risco de considerar os verdadeiros privilegiados como benfeitores da humanidade. Sem qualquer tentação de apelo a igualitarismos sem sentido, mas não esquecendo que, apesar de tudo, a "Terra move-se!..."
domingo, maio 07, 2006
Privilégios e... Privilegiados!
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7 comentários:
Muito bem, excelente análise sem dúvida.
Uma boa semana, e obrigada pela visita à Casa de Maio.
Olá Herético!
O governo francês, com aquela sobranceria gaulesa -- vá lá perceber-se se é apenas nautalgia imperial -- tratou os pares dessa legislação do PEC muito mal (O estranho é serem franceses!-- Hélas, Hélas!!!) Preparar legislação e não se dar ao trabalho de fazer negociação com os parceiros sociais lembra a quem?
è certo que a contestação saiu reforçada e deseja-se que ao recuo do governo francês suceda legislação que possa garantie não apenas aos estudantes mas também aos jovens dos arredores das cidades mais horizontes para encarar o futuro com emprego e todo um conjunto de direitos para que o cumprimento de deveres seja socilamente reconhecido para acabar com a violencia e insegurança geral. Veremos
Um abraço
"Ao que a comunicação social dominante insinuou tratou-se de manifestações de privilegiados."
Prefiro atentar na expressão "privilegiados" do ponto de vista de se ter tratado duma maioria universitária de manifestantes, e não pelo ponto de vista de terem emprego. D'abord, cumprindo, e muito bem, a tarefa daqueles que não dão lã nem fazem mé!!!
O braço de ferro apoiado no lema «antes quebrar que torcer» fez jus ao remoto Maio de 68 -- salve-se de les enfants de la patrie alguns tiques ainda não perdidos de capacidade interventiva e de manifesta intercepção política.
Aplaudo de pé as tuas reflexões! No entanto parece-me que as designações de direita e esquerda estão hoje em dia desactualizadas, ou se quiseres apropriadas por interpretes que nada têm a ver com os das conquistas que referiste.
Alguem no seu perfeito juízo poderá alguma vez coniderar este PS de esquerda? Concordarão que não...no entanto os outros partidos que se consideram de esquerda não contrariam essa designação. Porquê? Porque lhes convém... o PS é um partido que oscila entre o maior e o sgundo maior, sendo de esquerda, os outros partidos ditos de esquerda conseguem argumentar que a esquerda é maioritária! Porque não contradizem os partidos ditos de direita esta designação? Porque também lhes interessa. O PSD para ser o maior partido de Direita, o PP para garantir a sua própria existência, que seria sem duvida efémera se começassem agora a designar o PS como partido de direita.
As conquistas das classe não previligiadas estão cada vez mais a serem objecto de recuo... quem devia defender essas clases está demasiado ocupado na sua lutazinha pelo seu próprio previlegiozinho dentro do sistemazinho que foi implementado e que desvirtua a plavra democracia na sua concepção original. Eu digo : estamos a precisar de uma revolução total de conceitos políticos e podiamos começar por acabar com os rótulo de direita e esquerda.
Um abraço
Que te posso eu dizer que ainda não tenha sido dito? Fazes uma análise extremamente lúcida daquilo que, neste momento, provoca o maior desencanto e a maior revolta. A incapacidade de garantir esses tais "privilégios" que não deveriam ser mais que direitos fundamentais.
Liberdade é o maior bem mas, infelizmente, não chega. Temos que lhe acrescentar uma série de significados. Esses que, ao contrário, lhe estão a ser retirados.
Beijos
Creio que as concepções "esquerda/direita" permanecem atualísssimas... dirigentes e partidos, que num passado recente jaziam jus ao ideário da esquerda é que se renderam ao que diziam combater.
Mui bom artigo... a suscitar outros mais, espero.
Um abraço fraterno.
O que tem piada é que os jornalistas, por exemplo, andaram anos a fio a veicular a ideia de uma economia liberal é que era bom, o que, como na prática agora sabemos, se chama, afinal, capitalismo selvagem.
E é esse capitalismo selvagem que dita a postura da quase totalidade dos países ditos desenvolvidos. O que se passou em França é um exemplo factual disso mesmo. Só que eles não contavam com a reacção popular e o tiro saíu-lhes pela culatra...
O que eu acho é que este tipo de ataques já está em curso nos referidos países, incluindo o nosso, mesmo sendo contra a vontade da maioria do povo. Isto leva-me a pensar que a democracia, que é o melhor sistema político conhecido, terá que mudar, sob pena de elegermos pessoas que depois fazem coisas com as quais maioritariamente não concordamos.
Como sair disto? Democracia participativa? Não sei...
Gostei da tua abordagem que, como é obvio pelo comentário, subscrevo.
Obrigado pela tua visita e comentário ao meu blogue. Logo que possa criarei um link para aqui vir, pois gostei dos assuntos que abordas.
Abraço.
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