quarta-feira, agosto 30, 2006

Uma Lei do Nosso Tempo...


Antecedida do peso institucional que todo o acto legislativo requer – discussão, votação na Assembleia da República, promulgação do Presidente e "referenda" do Primeiro Ministro – foi publicado no Diário da República, a Lei nº23/2006, de 17 de Junho. Desta vez, os portugueses, tão maledicentes em relação à política e aos políticos, bem podem ficar descansados. Eu, por mim, embatuquei!... Os órgãos de soberania honraram, desta vez, os melhores feitos do “peito ilustre lusitano”, pois, num rasgo de génio, iluminaram as veredas do Futuro, ultrapassando, de uma penada, todos ao males de nosso sistema de ensino, desde o resmungar dos professores, aos trágicos números de insucesso e abandono escolares ...

Depois desta lei nada ficará como dantes. Nada irá resistir ao alcance “estruturante” de tal diploma. Qual “Floribela”, qual quê? Depois desta medida, os nossos jovens serão modelo universal das virtudes de participação cívica...

Duvidam? Ora vejam ...

Propõe-se a lei estabelecer o regime jurídico do associativismo jovem, compreendendo os grupos de jovens com idade igual ou inferior a trinta anos, pelo que no limite e, em bom rigor, permite o associativismo dos jovens da mais tenra idade. Não quero embarcar em demagogias, mas a verdade é que, nos termos da lei, são (teoricamente) possíveis associações das criancinhas das creches e jardins de infância!...

Aliás, como que adivinhando os meus escrúpulos, a lei em causa prevê a sua aplicação explícita às escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico, donde decorre que crianças dos seis aos dez anos se possam constituir em associação e dar parecer sobre as magnas questões do sistema nacional de ensino, designadamente,

a) definição, planeamento e financiamento do sistema de ensino;
b) gestão das escolas
c) acesso ao ensino superior
d) acção social escolar
e) planos de estudos (...) áreas curriculares ou disciplinas
f) projecto educativo da escola
g) projectos de combate ao insucesso escolar
h) avaliação
i) organização de actividades de complemento curricular e de desporto escolar.

Sinceramente, a minha eterna ingenuidade recusa-se a admitir, como tem sido insinuado em artigos de imprensa, que os políticos pretendam “tornar os estudantes, incluindo os dos primário, coniventes com os disparates educativos que a Assembleia da República e o Governo engendram sem cessar...”.

Julgo mais que foram os brilhantes “cientistas da educação” do ministério da tutela que, na sua burrice endémica, “teorizaram" sobre “a pedagogia centrada sobre o aluno” e alargaram a crianças de tenra idade o exercício direitos de participação, que a sociedade no seu conjunto se demite de exercer...

Porventura, o poder político, ignorante e permissivo, limitou-se a assinar de cruz. (Sem que tal possa constituir desculpa...)

...........................................................................................

Entretanto, seguindo informações do “Diário de Notícias”, ficamos a saber “que Portugal se aproxima dos Estados Unidos na desigualdade de rendimentos”, sendo que “os EUA são no seu todo um dos países onde é mais difícil a um pobre libertar-se da sua condição” (...) e que “quanto menores são os rendimentos dos pais, menores tendem a ser o rendimento dos filhos...” A pedra de toque da “balança de rendimentos” é a educação – como o jornal esclarece.

Nem tudo pode ser mau entre nós, não acham?! ... Estamos bem (mal) acompanhados pelos Estados Unidos! Sendo que nós estamos na vanguarda do associativismo escolar, ora essa!...

Os “States” não nos chegam aos calcanhares, não lhes parece?!...

10 comentários:

JPD disse...

Estou contigo nessas questões do associativismo.
Também não percebo porque razão trabalhadores estudantes -- há muita gente com mais de trinta anos -- não poderão integrar o associativismo.

Quanto aos EUA, sabia-se que para cda um cidadão bem sucedido há mais de cem perdedores e sem a menor chance de nova oportunidade.

Basta estar atento aos filmes e séries norteamericanas para perceber o horror da desigualdade.
o caso mais recente é o dos desalojados em Nova Orleães.

Um abraço

M. disse...

Por acaso sei de um colégio onde há muitos anos era hábito falar-se de assuntos deste género em que as próprias crianças eram os oradores. Não me pareceu mal para desenvolver as capacidades e o pensamento de cada um, mas se calhar não tinha nada a ver com o assunto de que aqui falas.

vida de vidro disse...

Ora, dos seis aos dez anos, deixa lá ver:
- A comida da cantina não presta. Queremos hamburgers e coca-cola. E batatas fritas, claro.
- Não queremos ginástica, queremos jogar futebol.
- Actividades de complemento curricular: videogames??

Estou a brincar, claro e nem me parece mal que os alunos tenham a sua palavra a dizer (essa "pedagogia centrada no aluno" é uma frase muito bonita). Mas acho um pouquinho exagerado que isso seja consagrado em lei, como associativismo. Provavelmente não é inocente a ideia, mas parece-me ridícula...
E quanto aos mais velhos, será que a lei vem, de alguma forma, espartilhar aquilo que eram as velhas associações? Confesso que não conheço a lei. **

Ant disse...

Lá está... a questão da quantidade... muita pressa em fazer experiências educativas sem planeamento.
E que vão eles pensar quanto aos novos habitantes deste país e que estão desenquadrados destas realidades associativas?

Licínia Quitério disse...

Corro o risco de parecer retrógrada, mas estas medidas parecem-me tão demagógicas. Imagino um título como "Criancinhas ao poder!". Associativismo? Óptimo. Sempre.Mas convencer os jovens de que assim vão ter intervenção cívica efectiva, acho enganoso. O poder deseja isso mesmo? Então porque lhes dá esta televisão, esta imprensa, esta publicidade preversa, and so on. É com essas referências que a juventude vai discutir os problemas do ensino em que pretendem enquadrá-la? Quem me dera acreditar.

Beijo.

Peter disse...

Eu sempre disse que vivemos num país de "faz de conta".

Ainda bem que há alguns cérebros brilhantes (demasiados), que nos brindam com estas creações:

“a pedagogia centrada sobre o aluno” e alargaram a crianças de tenra idade o exercício de direitos de participação, que a sociedade no seu conjunto se demite de exercer..."

Diafragma disse...

Tu arranjas cada uma para pré-fim-de-semana!!!

Segunda falamos.

Bel disse...

Sabes há muito que naõ via tanto disparate ligado à educação. sou professora e confesso que cada vez que vejo que uma nova lei foi aprovada penso, lá vem disparate.
enfim
um beijo e boa noite

Lord of Erewhon disse...

Esqueceram-se do subsídio para bonés, ténis, latas de tinta, navalhas e dicionários de dizer merda!

Anónimo disse...

Não tomei contacto com esse novo diploma.
Logo não estou em condições de botar opinião.

Mas sempre vou dizendo que não me parece mal.
Não é de pequenino que se torce o pepino?

O associativismo será o sucedâneo do corporativismo? (neste caso)

Ou vamos assistir a alguma luta fratricida pelo controlo da mente infantil por parte de ideologias politicas a relembrar as juventudes Hitlerianas ou quiçá algumas ditas comunistas?

MÚSICA E FLOR

. Flor é uma flor, é sempre flor!... Música é música - é outra música… Música e flor em MI maior Perfume de dor na dor de meu amor... Sopro ...