A Festa do Avante, promovida pelo jornal do Partido Comunista Português, celebra-se, anualmente, na Quinta da Atalaia, no Seixal, com a participação de milhares e milhares de pessoas, de todas as idades e condições sociais, vindas de todos os cantos do país (e muitas do estrangeiro) para três dias de encontro e confraternização.
“Não há festa como esta” dizem, com razão, os seus promotores e militantes. E não apenas pelos seus eventos culturais (com o melhor que se produz no domínio da música – para todos os gostos - das artes plásticas ou da literatura), ou por esse mosaico de gostos e paladares que são a culinária e os vinhos nacionais, ou pela multifacetada expressão do artesanato regional, ou pelos exaltantes momentos de participação política.
Claro que haverá sempre diversos olhares sobre a Festa. É natural que haja. Apenas a engrandecem aqueles que por preconceito, ou por função e missão, dela desdenham. Mas para quem, com olhar límpido, quiser ver não poderá ignorar o imenso sortilégio que a Festa do Avante exerce sobre quem a frequenta, independentemente, das opiniões políticas.
E é caso para nos interrogarmos sobre as razões de semelhante sucesso, numa sociedade eivada de um anticomunismo larvar, permanentemente instigado pelos aparelhos de dominação ideológica – na comunicação social, nos modelos de sociais, nos padrões de consumo, na política, na profusão das imagens que encharcam o nosso quotidiano.
Porque razão o “efeito” Festa do Avante excede o horizonte da mera militância política e seduz tanta gente? Digam-me. Tenho, porém, claro que a Festa do Avante é antítese perfeita da chamada “sociedade do espectáculo”, em que andamos mergulhados. Dai as razões do seu sucesso...
Deixem que tente explicar-me. Como sustenta Guy Debord, as modernas condições de produção apresentam-se como uma imensa acumulação de espectáculos, onde “tudo o que até então era directamente vivido se afastou numa representação”.
Assim, o espectáculo será, no dizer deste autor, “ao mesmo tempo o resultado e o projecto do modo de produção existente”. Sob todas as suas formas particulares - informação ou propaganda, publicidade ou consumo, ou divertimentos - o espectáculo constitui o modelo da vida socialmente dominante, numa “afirmação omnipresente da escolha já feita na produção e no consumo”.
Forma e conteúdo do espectáculo são, assim, a justificação total das condições e dos fins do sistema de produção existente. Numa frase lapidar, “o espectáculo será o discurso ininterrupto que a ordem dominante faz sobre si própria, ou seja, o seu monólogo elogioso”, .
O processo de alienação será permanente: quanto mais o espectador contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. “A exterioridade do espectáculo em relação ao homem concreto revela-se nisto - os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta”.
Pois bem, a Festa do Avante escapa a tal lógica. A Festa do Avante pertence literalmente dos seus construtores. É trabalho voluntário que ergue os seus pilares. Trabalho livre, sem salário. Com o tempo e a forma que cada um escolha, motivado apenas pelo desejo de “fazer” a festa. Trabalho desalienado, portanto. Que subverte do sistema de produção dominante, pois é demonstração prática (precária que seja) de que outro modo de produção é possível.
Por outro lado, a Festa do Avante pode ser usufruída sem mediação, nem filtros, por todos aqueles que nela participem. O espectáculo, (que Festa do Avante também é) e as imagens que projecta na sociedade portuguesa e, em especial, em que têm o privilégio de nela participar e compreender, correspondem à vivência real dos homens concretos, como “discurso” alternativo à ordem social alienante.
Por momentos, nos três dias da festa, será a libertação do Desejo e do Sonho, (“de focinho pontiagudo”), sondando os dias do Futuro. E a vida real de milhares pessoas, alargando o horizonte da consciência social de cada um e o caudal da consciência colectiva de que é possível uma vida melhor.
Gosto, sim, da Festa do Avante. Muito. Como paradigma de uma sociedade diferente. Mais justa, solidária e fraterna. Como lampejo da Utopia, que as mãos, a luta e o suor dos homens, libertos das contingências de modo de produção dominante, um dia poderão erguer...
quinta-feira, setembro 04, 2008
“Não há festa como esta!...”
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23 comentários:
Excelente post!
E vou viver três dias num espaço que sendo o meu País, é um País novo, e que um dia há-de ser o meu País para sempre...
Até amanhã, ao som da Carvalhesa...
A Festa do Avante é como outra cigarra que teima...
:)
[Beijo...]
Então muito Boa Festa (por agora, no plural fica para o Natal)!
OLha e eu fui muitas vezes à Festa do Avante! Por exemplo, na Quinta dos Balteiros foste?
rsrsrrs
:))
Ai esse discurso marxista...parece-me do passado mesmo e tanto que eu o disse e ouvi. Também gosto da festa.
Admirável coerência de tantos homens e mulhres que acreditam e merecem uma sociedade mais justa e solidária... e a tua é a de uma cigarra que teima e muito bem...
abraços
Também gosto da festa do Avante.
Um abraço.
Venham mais cinco
"Gosto, sim, da Festa do Avante. Muito. Como paradigma de uma sociedade diferente. Mais justa, solidária e fraterna. Como lampejo da Utopia, que as mãos, a luta e o suor dos homens, libertos das contingências de modo de produção dominante, um dia poderão erguer..."
e aí não me evado. Concentro-me num modo de viver em comunidade que não é utópico. O sonho comanda a vida. Deixem-me sonhar!
Beijinho
Há uns anos estava um calor imenso... Eu tinha estado adoentada e fui com amigos meus. Ouvi lá um dos meus bateristas preferidos: o Bruno Pedroso. Lembro-me bem. Nessa altura era ao género de música que mais ouvia... Lembro-me bem. Comprei um chapéu de abas de palha muito grandes... Estava tão fraquinha que temia o sol.......
nunca mais lá voltei mas, eram outros tempos, mais idealistas.
Sabei, senhor, que meu pai foi a várias festas do avante. e gostava. Vê-de, senhor, e era Rei. Até a monarquia gosta.
Assim, acho que tendes razão no que aqui escrevesteis.
Um ponto de vista que respeito; apenas isso. E digo isto tendo lá ido algumas vezes.
Estamos em Setembro e a palavra mais usada é a «rentrée»; fala-se de rentrée política e eu decidi falar sobre a «rentrée literária, sempre é um tema diferente.
Livros de pelo menos 16 escritores galardoados com o Prémio Nobel de Literatura, entre os quais José Saramago, vão ser lançados até ao final do ano em Portugal, o que constitui, se não uma raridade, uma marca de diferença desta "rentrée" editorial.
Também houve ontem a rentrée da chuva e parece já o Outono.
O que é importante é que estejamos com saúde para apreciar todas as rentrées à nossa volta.
É isso que desejo, muita saúde, paz, flores, poesia e miminhos.
Bom fim de semana.
NOTA:1º fim de semana de Setembro é sinónimo de Festa do Avante.
Aproveita e sê feliz por lá, nesses 3 dias de festa grande.
nunca fui mas sinto! :)
beijo
~
Conheço bem esta festa embora lá não vá há uns anos. Poucos. Posso dizer que são três dias diferentes. Por todas as razões que apontas. E haverá mais.
Beijos
concordo.
é uma festa incrivel.carote. mas merece a pena.
beijinhos
Uma festa para celebrar a diversidade.
Bom final de semana.
Sill
Na primeitra vez em que fui à festa do "Avante" levantei-me da cama de propósito, apesar da tremenda constipação com que me debatia.
Boa Festa!!
Salvé Herético!
É de génio este post.
Não faltei a uma sequer, a não ser quando se mudaram para o Seixal. Fica dilícil, quando não se tem carro...nunca conduzi.
Concordo em pleno com o espírito da festa única no país, impecavelmente organizada....e o tal espírito sente-se!- lembro-me vagamente, dada as nuances que tomou, quando em tempos remotos, um único movimento sobressaía pelas mil e uma faces sem côr política.... o MDP/CDE. Belos tempos! uma frente solidária, centrada num único ideal - pelo menos foi assim que o vivi.
Mas não demorou muito tempo...
Abraço
Mariz
Fique bem
Regressar e encontrar um post assim...
Faz-me reconhecer de forma clara que:
É mesmo bom voltar aqui!
:)
(Também acredito que essa outra forma de vida é possível e é para lá que teremos, sim, que teremos, necessariamente que caminhar!)
E não há mesmo!! :))
pois... não fui. estava em "parte incerta"... ehhh... a ouvir música Celta e a ver castelos.
mas mandei embaixadores de boa vontade: o meu filho João e a minha "quase nora" Ana.
Venham mais dez, que tentarei estar por perto.
Saudações fraternas
"O sonho comanda a vida..."
O que os arautos conseguiram dizer: que Jerónimo de Sousa tinha ficado "no desemprego" pela introdução das novas tecnologias... ele há coisas imaginativas! Não que concorde com todo o ideário e todos os seguidores: mas que não há FESTA como ESTA é ASSIM! Do resto, sabemos que a cor e a alegria assustam, as criancinhas, os velhinhos, as concentrações de capital ...não me chegavam os dedos "para contár-los".
Abç
Gostei muito do teu olhar sobre esta festa. Interessante a análise.
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