Revê-se em algum dos partidos políticos portugueses?
“Não, mas ainda me revejo na Esquerda portuguesa. E acho louvável a resistência do PCP”.
Não é um partido demasiado preso aos dogmas do passado?
“Porquê?”
Tendo em conta aquilo que o mundo nos mostrou ...
“... Está lindo o mundo [risos]. O capitalismo está em grande [risos]”.
As experiências comunistas também não correram propriamente bem...
“Aquele comunismo não era comunismo. Foram ditaduras que estiveram muito distantes da doutrina marxista. O problema é que todos acham que não há alternativas ao capitalismo, quando o capitalismo está falido".
Nenhum modelo proporcionou tanto desenvolvimento como o modelo capitalista...
“Até ao fim da Idade Média nenhum outro modelo tinha prevalecido e não foi por isso que se deixou de procurar alternativas. Essa inquietação tem que se manter. Apesar de ainda não sabermos a solução não podemos deixar de nos inquietar e de procurar algo que sirva melhor a todos. A igualdade ainda é algo que está por concretizar”.
Não vivemos melhor hoje do que vivíamos há 150 anos?
“Nós sim, mas “nós” não somos um país. Somos o mundo. Em África estão todos a morrer de fome na mesma. No Médio Oriente continuamos em guerra...”
A eleição de Obama trouxe-lhe mais esperança no futuro?
“Trouxe-me mais esperança no presente, no futuro não. E satisfaz-me pensar no que era a segregação racial e no salto que houve. São estas coisas que alimentam a minha convicção política, porque estas mudanças foram sempre preconizadas pela Esquerda. Se não fosse a Esquerda uns continuavam a nascer para banquetes e outros para trabalhar a terra. Sou pela igualdade e a Direita nunca travou estas lutas”.
Nenhum político da Direita portuguesa defende a desigualdade de oportunidades...
“Por amor de Deus! Basta ver como vivem. Acredito num Estado - hoje isso não acontece - que garanta que todos tenham igualdade no acesso aos bens mais essenciais, como a Saúde e a Educação. Não gosto de um mundo injusto. Não gosto de um mundo onde uns têm melhor saúde, melhor educação e melhor alimentação do que outros. A mim não me incomoda nada que uma senhora que tenha cinco filhos ganhe mais dinheiro a limpar o chão do que eu como fadista que não tenho filhos. Acredito nesse mundo...”
Insisto: os políticos de Direita também lhe dirão que todos devem ter igualdade no acesso à Educação e à Saúde.
“Nunca ouvi. Diga-me quem é o político de Direita que defende essa igualdade. Gostava de falar com essa pessoa”.
E já ouviu o contrário? Já ouviu políticos da Direita portuguesa defenderem a desigualdade no acesso à Educação e à Saúde?
“Também ninguém diz que é pela guerra, mas depois apoiam medidas que levam à guerra. O problema é que a Direita não defende as pessoas que não têm acesso à Saúde e apoia medidas desfavoráveis a essas pessoas”...
O PCP é o partido em que mais se revê?
"Não me revejo em nenhum partido, porque todos estão a tentar encontrar uma solução dentro do capitalismo e o problema está no capitalismo. Mas sim, é importante que exista um PCP e um Bloco de Esquerda com voz suficiente para lembrar que há pessoas a passar fome."
O actual Governo é de Direita?
"Para mim é..."
Que resultado seria melhor nas legislativas?
"Não haver maioria absoluta do PS e haver uma maioria de Esquerda..."
Isso não traria instabilidade governativa?
"Maior instabilidade do que esta? O que é preciso neste momento é exactamente discutir e debater..."
Sente que falta discussão de ideias na política portuguesa?
"Sinto. E isso contaminou os meios de comunicação e enfraqueceu a população. As pessoas sentem-se perdidas, lesadas e não têm capacidade de compreender o que se está a passar"
Está pessimista?
“Não estou, porque, por natureza, não consigo ser pessimista. Mas estou preocupada, claro que sim. É preciso começar a fazer coisas. A malta tem que levantar o rabo da cama. Principalmente a malta mais nova. Os mais velhos cresceram na fome, no analfabetismo, já fizeram a revolução e estão cansados; mas os miúdos com 20 anos têm que lutar, fazer reivindicações e não ser carreiristas. É preciso arriscar e fazer pequenas coisas no dia-a-dia. Eu por exemplo, como não tenho filhos, tenho responsabilidade de arriscar”.
Isso traduz-se em quê no seu caso?
“Não deixar de chamar a atenção para injustiças sociais com medo de vender menos discos, por exemplo. E traduz-se também em coisas mais simples (...)”.
Tenta intervir através do fado ou o fado é apolítico?
“Nada é apolítico e muito menos eu. Preocupo-me com as questões humanas e, quando canto, essas preocupações estão lá...”
O que canta pode ser de intervenção?
“Não posso ser pretensiosa a esse ponto. A arte ajuda as pessoas a tornar-se mais pensantes e mais sensíveis, mas não salva o mundo”.
(...)
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Aldina Duarte – in “Entrevistas Imprevistas” – Semanário “Sol” de 07.02.09
segunda-feira, fevereiro 09, 2009
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12 comentários:
Nem imaginava. Só a conheço do Fado.
Mas não será por acaso qque gosto dela...
:)))
Obrigada!
Beijos e beijos
Uma Mulher com opiniões muito interessantes e lúcidas. Gostei. Também gosto de a ouvir cantar o fado.
Um abraço.
O modo como se expressou
sem medo
nos dias de hoje
revelam uma pessoa livre
de corpo inteiro
Vou de novo tentar o fado
abraço amigo
é uma mulher fabulosa!!
beijo
Uma mulher saudavelmente acordada.
E com voz.
Poderia ser a voz de muitos :)
Gostei. Já tinha lido a entrevista. Além do fado, uma visão do mundo que muito me agrada.
Beijos
Bem-hajas!
Muito agradecida!
Até sempre.
Fantástica!
Já tinha tido oportunidade de ler.
Lúcida. Muito lúcida. Bom de ler. **
Amigo Herético,
Como diz o poeta:
"O que faz falta é avisar a malta!.."
Um abraço,
Alvarez
Já a conhecia (daqui, da net e amigos) mas não sabia ao certo da sua estatura que aqui está Inteira!
Grata, Herético.
Alcina Duarte, Mulher e Grande, acertas em todas e que nunca a voz te esmoreça.
Bjs
Precisamos de mais Aldinas! A verdadeira princesa!
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